No início do ano passado, o Ministério do Interior alemão, trabalhou com um grupo de cientistas para criar uma comunicação estratégica que promovesse o medo da Covid-19 junto da população, escreve o jornal alemão Die Welt, com base numa troca de emails entretanto divulgada na internet.
O objetivo seria promover uma onda de medo que levasse os cidadãos a aceitar e a aderir mais facilmente às medidas rigorosas que teriam de entrar em vigor no país.
Os emails foram trocados aquando o primeiro lockdown, entre março e abril. O jornal escreve que o ministro, Seehofer, instruiu o seu Secretário de Estado, Markus Kerber, a apresentar um plano de apoio a medidas mais rigorosas. Kerber terá então contactado vários cientistas, universidades e institutos de investigação a pedir “o pior cenário”, um controlo “mental e sistemático” da situação que ajudaria a planear “medidas de natureza preventiva e repressiva”.
Entre as sugestões seguiram propostas de campanhas e imagens criadas para induzir “medo e obediência na população”. O Die Welt escreve que os cientistas “negociaram” entre si o possível número de mortes a ser mencionado – o Instituto Robert Kock propôs uma estimativa de 0,56% de pessoas infetadas, mas o RWI, um influente instituto de investigação económica, defendeu a taxa de mortalidade de 1,2%. Nos emails, o funcionário do RWI explicava que: “de acordo com o objetivo do modelo em vista”, de enfatizar “muita pressão para agir” seria mais eficaz apresentar números maus.
Ambas as taxas de mortalidade estão incluídas no documento final do Ministério. Para o pior cenário, utilizaram a percentagem sugerida pelo RWI. “Se o governo não agir, 70% da população poderá ser infetada e o número de mortes poderá atingir os milhões”, alertou Seehofer várias vezes.
Os emails, que deveriam ter permanecido privados, foram enviados para o jornal por um grupo de advogados de Berlim. Os nomes dos cientistas foram tornados ilegíveis nas mensagens, mas o Die Welt diz que o diretor do RKI, esteve envolvido na troca de e-mails.
Os partidos da oposição já pediram esclarecimentos, defendendo que a política não pode receber “opiniões à medida” da ciência. Nem Seehofer, nem os cientistas envolvidos apresentaram qualquer resposta até ao momento.
O RKI não comenta este assunto, alegando apenas que se tratava de um “documento de discussão interna“.
O Secretário de Estado Kerber respondeu ao artigo, indicando que os e-mails não devem ser vistos como “um tratado teórico abrangente“, e diz que foram “confrontados com a tarefa de prevenir o pior cenário“.
O caso no Reino Unido
O condicionamento do comportamento da população esteve também em debate no Reino Unido em meados dos ano passado. No início de março de 2020, o Scientific Advisory Group for Emergencies (SAGE) criou um documento para o Governo do Reino Unido com modelos para a implementação de novas regras de distanciamento social, com base em conhecidas técnicas de modificação psicológica do comportamento.
Entre as metodologias sugeridas no Options for increasing adherence to social distancing measures, a que causou mais controvérsia foi a persuasão.
Entre outras coisas, o documento diz:
“Existe um número substancial de pessoas que ainda não se sente suficientemente ameaçada, a nível pessoal.”
A sugestão:
“O nível de perceção de ameaça pessoal precisa ser aumentado entre aqueles que são complacentes, usando mensagens emocionais contundentes.”
O apêndice B do documento enumera dez opções que podem ser utilizadas para aumentar o distanciamento social do público. A opção 2 aconselha:
“Usar os media para aumentar a sensação de ameaça pessoal”
A identidade dos membros dos grupos de apoio do SAGE foi inicialmente mantida em segredo, por uma questão de segurança nacional. Mas alguns nomes foram divulgados, no seguimento de uma campanha de contestação legal liderada pelo empresário britânico Simon Dolan. Dois membros permanecem anónimos.
Comissão de especialistas “fantasma” em Espanha
Em julho do ano passado, o Ministério da Saúde espanhol reconheceu, numa resposta oficial ao Conselho da Transparência, que nunca existiu nenhuma comissão de peritos responsável pelas decisões associadas às políticas de confinamento e a outras medidas.
“Não existe um comité de peritos encarregado de avaliar a situação sanitária das comunidades autónomas e de decidir quais as províncias ou territórios que podem avançar no processo de redução do confinamento”, disse a Diretora Geral de Saúde Pública, Qualidade e Inovação.
A resposta surgiu no seguimento de uma queixa que questionava a legalidade da recusa em tornar públicos os nomes das pessoas que integravam a comissão.
No início de Maio, tinha sido o próprio Pedro Sánchez a denominar a suposta equipa de “Comité Técnico para o Desconfinamento”. No entanto, sempre se negou a revelar a sua composição apesar das insistências de jornalistas e partidos políticos para que fosse revelada.
Aos jornalistas, Pedro Sánchez dizia apenas que: “o que importa é que são funcionários do Ministério da Saúde que, juntamente com as direções de Saúde Pública das comunidades, decidem de forma coordenada quais os territórios que podem passar de uma fase para outra. Isto é que é importante”.
“Estamos a ser aconselhados por peritos de extraordinária qualidade do ponto de vista científico, e empenho no serviço público. Tudo o que posso fazer é justificar o seu profissionalismo e reconhecer o seu empenho.”
A oposição defendia que, ao esconder os nomes destes peritos, o Governo violou o mandato não só da Lei de Transparência e Boa Governação, mas também da Lei Geral da Saúde Pública.
Lockdown polémico na Dinamarca
Mensagens de email trocadas entre as principais figuras das autoridades de saúde da Dinamarca também colocaram em causa o envolvimento da Primeira-Ministra Mette Frederiksen com os especialistas, durante o lockdown de março.
As mensagens, enviadas ao jornal Politiken, dizem que Per Okkel, do Ministério da Saúde, disse a Søren Bostrøm, chefe da Autoridade Sanitária Dinamarquesa, para suspender o seu sentido de “proporcionalidade” e adotar um “princípio de precaução extrema” quando desse conselhos políticos.
Ao mesmo tempo, e-mails enviados ao jornal Ekstrabladet revelaram que, a 20 de março, a taxa de reprodução na Dinamarca era de 2,1, um número consideravelmente inferior aos 2,6 estimados, mas que não foi divulgado por não ser “politicamente desejado“.
O Politiken escreveu ainda que a lei de emergência do governo, a 12 de Março, retirou poderes à Autoridade Sanitária Dinamarquesa – passando de “autoridade reguladora” para “autoridade consultiva“.
Isto permitiu ao governo ignorar a opinião da autoridade de que a Covid-19 não era uma doença suficientemente perigosa para permitir ao governo impor medidas obrigatórias mais rígidas ao público, ao abrigo da lei epidémica dinamarquesa.
“A Autoridade de Saúde Dinamarquesa continua a considerar que a Covid-19 não pode ser descrita como uma doença geralmente perigosa, uma vez que não tem um percurso grave, nem uma elevada taxa de mortalidade”, defendia a Autoridade de Saúde.