Os testes PCR têm sido uma peça fundamental na estratégia que a maioria dos países tem seguido no combate à pandemia, nomeadamente na identificação de casos e óbitos associados à infeção.
Nos últimos meses, a própria OMS lançou avisos aos seus utilizadores, abordando temas como os falsos-positivos, os assintomáticos ou os ciclos utilizados.
Questionámos vários laboratórios, portugueses e internacionais, sobre a forma como os testes estão a ser efetuados. Apenas três responderam.
Ciclos de amplificação
A questão dos ciclos de amplificação tem sido referida há muitos meses no meio científico. A natureza dos testes PCR faz com que sejam muito sensíveis na deteção de fragmentos virais, mesmo que o sujeito não esteja numa fase infeciosa.
Vários estudos têm apontados para que pessoas com testes PCRs positivos a partir dos 25 ou 30 ciclos apresentam poucas possibilidades de estarem infeciosas.
O próprio autor do protocolo inicial para o teste PCR, Christian Drosten, afirmou recentemente numa entrevista que a partir de 27-28 ciclos “a infecciosidade realmente chegou ao fim”.
Questionado sobre os ciclos de amplificação utilizados e alterações recentes nos protocolos seguidos, o Dr. Raúl de La Puente García, do Centro Militar de Veterinária em Espanha, indicou: “No nosso laboratório usamos kits que determinam o diagnóstico com um valor Ct igual a 38. São kits confiáveis que foram contrastados com diferentes controlos de qualidade internos e externos que realizamos no laboratório.“
Sobre o argumento de que muitos dos positivos são falsos positivos devido ao uso de muitos ciclos de amplificação, o mesmo profissional explicou que:
“O número de Cts não deve ser tomado como um valor de quantificação absoluto e inequívoco em diagnósticos clínicos. Ainda mais em situações como a que vivemos na pandemia. Como se podem ler nas orientações básicas da OMS e também aplicando o bom senso, a carga viral é inversamente proporcional aos valores do limiar de amplificação. Mas isso depende de uma infinidade de variáveis extrínsecas à PCR, como, por exemplo, a recolha de amostras, a diversidade de profissionais que as recolhem, o seu manuseio ou a eficiência da extração de RNA.“
Em Portugal, a equipa técnica especialista na área de diagnóstico do laboratório Beatriz Godinho afirmou que têm existido revisões nos protocolos desde o início e que:
“A maioria dos kits indica que apenas devem ser consideradas positivas, as reações com Cts inferiores a 35. Na generalidade cumprimos os protocolos dos fabricantes bem como os requisitos e orientações da DGS.”
Admitem ainda que, raramente, os possam ultrapassar:
“Contudo, poderá acontecer quando existe um histórico de resultados positivos ou com sintomatologia associada em simultâneo com amplificação em mais que um gene. Nesses casos, o resultado será emitido como “inconclusivo.”
Sobre a possibilidade de existirem muitos falsos positivos, o mesmo laboratório referiu que:
“Se o resultado obtido tem ciclos de amplificação do RT-PCR superior a 35, deverá dar-se o resultado como inconclusivo e recomenda-se, de acordo com a sintomatologia, a repetição do teste e/ou da colheita do produto biológico para confirmação.”
O Dr. Rui Pinto, responsável do Laboratório Dr. Joaquim Chaves, refere que após os 35 ciclos (ou um resultado de inconclusivo) recomendam a repetição do teste.
O próprio Germano de Sousa, fundador do maior grupo laboratorial português, admitiu (há cerca de um mês) que tinham alterado os ciclos dos 40 para os 35.
Alvos dos PCR
Outra questão importante tem a ver com a porção de DNA (genes) que serve como alvo para confirmar a presença do vírus na amostra testada.
O laboratório espanhol referiu que:
“Neste momento utilizamos kits de deteção para o coronavírus SARS-Cov-2 de um e dois genes específicos com seus respetivos controlos de reação interna, bem como a avaliação de controlos positivos e negativos em cada análise. A especificidade é de 100% e com sensibilidade de 96%.”
O Dr. Rui Pinto referiu que:
“Os testes de RT-PCR para a deteção do SARS-CoV-2 disponíveis incluem como alvo os genes que codificam para a nucleoproteína (N), o invólucro (E), a espícula (S), e/ou a RNA dependente RNA polimerase (RdRp). Um caso de COVID-19 considera-se confirmado laboratorialmente perante um teste que apresente: Resultado de RT-PCR para SARS-CoV-2 positivo para pelo menos dois alvos distintos do genoma, dos quais pelo menos um específico para SARS-CoV-2 (que distinga dos outros coronavírus, incluindo o SARS-CoV-1).”
Testagem a assintomáticos
Outra questão que nos interessava saber era sobre de que forma estão a ser seguidas as orientações da OMS relativas à testagem em assintomáticos.
No aviso recente (20 de Janeiro) a OMS afirma que deve ser feito outro teste em caso de resultado positivo numa pessoa sem sintomas da doença.
“Quando os resultados do teste não correspondem à apresentação clínica, uma nova amostra deve ser colhida e novamente testada usando a mesma tecnologia ou uma tecnologia NAT (amplificação de ácido nucleico) diferente.”
Questionamos sobre se estas novas orientações alteraram os protocolos seguidos pelos laboratórios. De que forma? Perante a questão, o laboratório Beatriz Godinho respondeu que:
“Não houve alteração dos protocolos, uma vez que no laboratório Beatriz Godinho, quando temos resultados positivos (em indivíduos com ou sem sintomas), repetimos a análise na mesma amostra para confirmação.”
O Dr. Rui Pinto afirmou:
“ Se surgir um caso com um resultado de inconclusivo ou com um valor de ciclo de amplificação do RT-PCR superior a 35, recomenda-se a repetição do teste e/ou da colheita do produto biológico.”
Análise das respostas
O The Blind Spot falou com a Dra. Lourdes Cerol, que tem há vários meses estudado o tema, para contextualizar as respostas de acordo com as novas indicações .
Um dos aspetos salientados foi a indicação de que o teste teria de dar positivo “para pelo menos dois alvos distintos do genoma, dos quais pelo menos um específico para SARS-CoV-2 (que o distinga dos outros coronavírus, incluindo o SARS-CoV-1).”
Segundo a Dra. Lourdes Cerol:
“Ao afirmarem “pelo menos um específico” confirmam que o SARS-COV -2 partilha grandes semelhanças com outros SARS-COV, uma razão para tantos falsos positivos.”
Também considerou “estranho e incomportável” um dos laboratórios repetir sempre os testes positivos para confirmação.
Outros aspetos relevantes é o número de ciclos necessário para que o teste seja considerado positivo, 38 no laboratório espanhol e, em geral, 35 nos portugueses que nos responderam.
Ocorreu há cerca de um mês uma redução significativa de 40 ciclos para 35, pelo menos no maior laboratório português. Tentámos obter igualmente essa informação destes laboratórios mas não nos obtivemos resposta.
Tal como referimos antes, para a generalidade de estudos, são ciclos muito acima dos que revelam infeção, o que indicia a possibilidade de inúmeros positivos não infeciosos. Ou seja, possível deteção de fragmentos virais, que se podem manter durante muito mais tempo, sem que o vírus se mantenha ativo ou com capacidade de replicação.
Em Portugal, para a vigilância periódica, nomeadamente para a sequenciação do genoma de vírus SARS-CoV-2, foi igualmente publicado em janeiro um despacho governamental indicando que apenas amostras de elevada carga viral e com CTs abaixo dos 25 deviam ser considerados:
“ Apenas amostras com maior carga viral e valores de «Ct» (Cycle threshold) (menor que) 25 deverão ser selecionadas, de forma a maximizar o sucesso da sequenciação genómica”
Finalmente, também é importante assinalar o facto de nem sempre ser recolhida nova amostra para repetição do teste, em caso de teste positivo. Algo que contraria objetivamente as últimas orientações da OMS.
Notas finais
Apesar da maior parte dos laboratórios contactados não ter dado qualquer resposta às questões colocadas sobre a forma como os testes são realizados, as respostas recebidas revelam que existe uma grande diferença entre o que a evidência científica atual aponta como um caso ativo de Covid-19 (e potencialmente infecioso) e o que os resultados de testes PCR indicam.
Mesmo as orientações da OMS como a repetição da recolha de amostra em casos de resultados positivos em assintomáticos, parecem, em alguns casos, não estar a ser cumpridas.
Algumas clarificações são necessárias sobre o papel dos PCRs no diagnóstico da doença.
Também parece essencial uma maior informação pública sobre vários aspetos, como quantos ciclos foram necessários para um caso ser considerado “Covid-19”.