Uma revisão feita a 40 estudos sobre o impacto da pandemia na saúde materna e perinatal aponta para um aumento da mortalidade das mães e dos bebés, do stress e depressão materna e do número de ruturas de gravidezes ectópicas durante a pandemia, em comparação com o período pré-pandémico.
As conclusões mostram que a mortalidade neonatal aumentou significativamente nos países com rendimentos baixos e médios, no período em análise – 1 de janeiro de 2020 a 8 de janeiro de 2021. Nos países de elevados rendimentos, este indicador manteve-se estável, em parte “devido à redução dos partos prematuros espontâneos, uma das principais causas de mortalidade”, explica o documento. De acordo com a análise, um dos fatores que pode ter contribuído para esta redução foi a “mudança no comportamento da população”.
Menor procura dos cuidados de saúde
Nos estudos, uma das explicações propostas para o aumento dos resultados adversos da gravidez é a redução do acesso aos cuidados. Prestadores de cuidados de saúde em todo o mundo reportaram uma redução da frequência em consultas de rotina e cuidados de gravidez.
Esta redução poderá ter sido motivada pelo medo de contraírem Covid-19 em espaços médicos, pelo facto de os governos terem apelado às pessoas para ficarem em casa, pela redução dos transportes públicos e pela restrição do acesso a cuidados de saúde infantis durante os lockdowns.
Nos países de elevados rendimentos, a maior parte dos cuidados de rotina foram rapidamente reestruturados e prestados remotamente utilizando diversos modelos, incluindo consultas por telefone ou vídeo. “Embora a tecnologia possa proporcionar um caminho Covid-19 seguro para a continuidade dos cuidados pré-natais, continua a haver desigualdade para as pessoas sem acesso regular à Internet de alta velocidade, ou mesmo a privacidade no seu lar.”
Nos países com baixos e médios rendimentos, onde as consultas à distância são menos viáveis, as pessoas poderão ter perdido o acesso a cuidados pré-natais preventivos.
Em todos os cenários, o impacto é maior nos indivíduos mais vulneráveis da população. No Reino Unido, 88% das mulheres grávidas que morreram durante a primeira vaga da pandemia eram de minorias étnicas.
O mesmo documento sublinha, porém, que a redução do acesso aos cuidados de saúde não é o único fator a considerar. “Durante o pico de prevalência, os profissionais das maternidades foram recolocados para apoiarem as equipas médicas em áreas Covid críticas, o que reduziu o número de recursos humanos disponível para os cuidados maternos”. No Reino Unido, na sequência da primeira vaga, o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists defendeu fortemente a não recolocação dos profissionais das maternidades noutros serviços.
Aumento da violência sobre grávidas
A violência doméstica já era uma das principais causas de morte materna. Os números aumentaram durante a pandemia e a violência é já destacada como um fator que contribui para o aumento da mortalidade materna.
Para além disto, “as mulheres têm sido desproporcionadamente mais propensas a ficarem desempregadas e a assumirem mais cuidados infantis devido ao encerramento das creches e das escolas. Os constrangimentos financeiros e de tempo daí resultantes podem ter consequências expressivas na saúde física, emocional e financeira das mães durante a gravidez – agora e no futuro.”
Outros estudos
Em setembro de 2020, um artigo da Nature citava vários estudos que já alertavam para o impacto significativo da pandemia nos cuidados maternos e neonatais. “O que fizemos foi causar um pico involuntário de nado-mortos enquanto tentávamos proteger [as mulheres grávidas] da Covid-19“, disse Jane Warland, especialista em obstetrícia da Universidade do Sul da Austrália em Adelaide.
O maior estudo a relatar um aumento da taxa de mortalidade de bebés (amostra de 20.000 mulheres que deram à luz em 9 hospitais no Nepal), foi publicado no The Lancet Global Health em Agosto. Os dados apontam para um aumento de 50%, sendo que o pico foi registado durante as primeiras quatro semanas do confinamento, quando as pessoas apenas estavam autorizadas a sair de casa para comprar alimentos e receber cuidados essenciais. “O aumento da proporção de nados-mortos nos nascimentos em hospitais não foi causado pela Covid-19”, sublinhou o autor do estudo. “Pelo contrário, é provavelmente o resultado da forma como a pandemia afetou o acesso aos cuidados pré-natais de rotina.”
Um estudo feito num hospital de Londres mostra uma tendência semelhante. Em Julho, Asma Khalil, obstetra no St George, reportou que a incidência de nados-mortos quase quadruplicou nesse hospital – de 2,38 por 1 000 nascimentos (entre outubro de 2019 e final de janeiro de 2020), para 9,31 por 1 000 nascimentos (entre fevereiro e meados de junho de 2020).
Segundo a médica, estes são “danos colaterais da pandemia”. “Durante o lockdown as mulheres grávidas podem ter desenvolvido complicações que não foram diagnosticadas atempadamente devido a uma possível hesitação de recorrerem aos hospitais.”
A revisão sistemática
Este relatório foi feito com base numa revisão sistemática e uma meta-análise de 40 estudos que analisaram o impacto da pandemia nos cuidados maternos, fetais e neonatais – 1 de janeiro de 2020 a 8 de janeiro de 2021. Esta revisão estabeleceu uma comparação entre os números de mortalidade materna e perinatal, morbilidade materna, complicações na gravidez, e resultados intraparto e neonatais antes e durante a pandemia. Estão representados 17 países.