Uma investigação feita pela School of Public Health and Health Systems, da Universidade de Waterloo, diz que existem dados obrigatórios referentes à eficácia das vacinas contra a Covid-19, que não estão a ser comunicados pelos fabricantes, algo que pode induzir os consumidores em erro e distorcer a interpretação da sua eficácia, em termos de prevenção da infeção.
“Pode haver algo mais complexo por detrás da afirmação “95% eficaz” do que pensamos – ou talvez não. Só a transparência total e o escrutínio rigoroso dos dados permitirão uma tomada de decisão informada. Os dados devem ser tornados públicos“. Estes indicadores foram omitidos por entidades oficiais contra indicação expressa dos reguladores.
O documento diz que a redução relativa do risco e as medidas de redução absoluta do risco na avaliação dos dados dos ensaios clínicos são mal compreendidas pelos profissionais de saúde e pelo público. “A ausência de redução do risco absoluto relatado nos ensaios clínicos com a vacina Covid-19 pode levar a um enviesamento dos resultados que afeta a interpretação da eficácia da vacina”, justifica.
O artigo utiliza técnicas epidemiológicas clínicas para analisar de forma crítica os relatórios de eficácia dos ensaios clínicos das vacinas Pfzier/BioNTech e Moderna Covid-19 mRNA.
Com base nos dados comunicados pelo fabricante da vacina Pfzier/BioNTech BNT162b2, esta avaliação crítica mostra:
- Redução do risco relativo, 95,1%; 95% CI, 90,0% a 97,6%; p = 0,016
- Redução do risco absoluto, 0,7%; 95% CI, 0,59% a 0,83%; p < 0,000
Para a vacina Moderna mRNA-1273, a avaliação mostra:
- Redução do risco relativo, 94,1%; 95% CI, 89,1% a 96,8%; p = 0,004
- Redução do risco absoluto, 1,1%; 95% CI, 0,97% a 1,32%; p < 0,000
De acordo com os dados publicados, as medidas de redução do risco absoluto não reportadas de 0,7% e 1,1% para as vacinas Pfzier/BioNTech e Moderna, respetivamente, são muito inferiores às medidas de redução do risco relativo comunicadas.
Como também foi observado no BMJ, a Pfizer/BioNTech e a Moderna reportaram a redução relativa do risco das suas vacinas, mas não a redução do risco absoluto correspondente, que “parece ser inferior a 1%”. A redução absoluta do risco (ARR) e a redução relativa do risco (RRR) são medidas de eficácia de tratamento comunicadas em ensaios clínicos aleatórios. Como a ARR e a RRR podem ser dramaticamente diferentes no mesmo ensaio, ambos os valores têm de ser comunicados para evitar o enviesamento dos resultados.
Os dados públicos, sem os valores de redução absoluta do risco, foram revistos e aprovados pela lista de membros que fazem parte do Vaccines and Related Biological Products Advisory Committee (VRBPAC) da U.S. Food and Drug Administration (FDA) para autorização.
“Ironicamente, a omissão das medidas de redução absoluta do risco nos dados analisados pelo VRBPAC ignora as diretrizes da FDA para a comunicação ao público dos riscos e benefícios baseados em provas”
– As indicações da FDA para os fornecedores de informação diz:
“Fornecer riscos absolutos, e não apenas riscos relativos. Os pacientes são indevidamente influenciados quando a informação sobre riscos é apresentada utilizando uma abordagem de risco relativo; isto pode resultar em decisões limitadas. Assim, deve ser utilizado um formato de risco absoluto.”
“Os fabricantes não reportaram medidas de redução absoluta do risco em documentos divulgados publicamente. O Comité Consultivo da FDA dos EUA (VRBPAC) não seguiu as diretrizes publicadas pela FDA para a comunicação dos riscos e benefícios ao público, e o comité não reportou as medidas de redução absoluta do risco quando autorizou as vacinas BNT162b2 e mRNA-1273 para utilização num cenário de emergência. Tais exemplos de comunicação de resultados induzem os consumidores em erro, distorcem a interpretação da eficácia da vacina Covid-19 mRNA e violam as obrigações éticas e legais do consentimento informado”, diz o documento publicado pelos investigadores.
O New England Journal of Medicine também publicou dados de ensaios clínicos sobre segurança e eficácia da vacina BNT162b2 e da vacina mRNA-1273, mas sem qualquer menção a medidas de redução absoluta do risco.
Porque é que este indicador é relevante?
Uma revisão de 2018 de 52 ensaios aleatórios de vacinas contra a gripe, que estudaram mais de 80.000 adultos saudáveis, mostra uma eficácia consistente com uma redução de 40% a 60% na gripe relatada pelos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC). No entanto, uma avaliação crítica dos dados aponta para uma ARR global de apenas 1,4% – uma informação clínica vital que falta no relatório do CDC. Uma redução de risco absoluta de 1,4% funciona para um número necessário para vacinar (NNV) de aproximadamente 72 pessoas, o que significa que 72 indivíduos precisam de ser vacinados para reduzir um caso de gripe.
Os NNV para as vacinas Pfzier-BioNTech e Moderna são 142 (95% CI 122 a 170) e 88 (95% CI 76 a 104), respetivamente.
Os investigadores defendem que a omissão de resultados absolutos de redução de risco na saúde pública e de relatórios clínicos de eficácia de vacinas “é um exemplo de enviesamento de relatórios de resultados, que ignora resultados desfavoráveis e engana a impressão do público e a compreensão científica da eficácia e dos benefícios de um tratamento”.
“Além disso, a obrigação ética e legal do consentimento informado exige que os pacientes sejam educados sobre os riscos e benefícios de um procedimento ou intervenção sanitária.”
Uma limitação deste artigo é que apenas avaliou criticamente a eficácia da vacina mRNA em indivíduos saudáveis que foram colocados aleatoriamente em dois grupos sob condições estritamente controladas. “A avaliação crítica não incluiu a segurança e eficácia da vacina numa população geral que inclui pessoas pouco saudáveis e que carece de controlo sobre fatores variáveis.”
Esta avaliação está integrada numa edição especial sobre o surto pandémico do coronavírus.