O que nós somos hoje é o resultado de milhões de anos de evolução.
Todos nós somos o resultado de uma linha genealógica (isto é, de antepassados) ininterrupta. Para tal foi necessário (além de muita sorte) adaptar as nossas características aos difíceis desafios com que nos deparámos. O sucesso dessa evolução manifesta-se essencialmente na capacidade de sobreviver, de reproduzir e da viabilidade da descendência.
As características que aumentaram a probabilidade de sucesso foram mantidas e as que diminuíram foram sendo eliminadas. Este foi um processo muito lento através da seleção (natural).
No entanto, nos contextos modernos muita coisa se alterou rapidamente. Mudanças drásticas do estilo de vida, organização social, acesso a bens alimentares, tratamentos médicos e muitas outras coisas conduziram a necessidades muito distintas.
Como a velocidade com que o contexto se alterou foi muito superior à capacidade de criar novas adaptações gerou-se em muitos domínios um desajustamento: uma incompatibilidade evolutiva. Alguns dos mecanismos e características que representavam uma vantagem são hoje um problema, ao nível genético e mesmo cultural.
Alguns exemplos de casos de incompatibilidade evolutiva:
Liderança e altura
Uma das coisas que mais chama a atenção nos líderes de grandes organizações é que, na sua grande maioria são altos. No livro Blink (2005), Malcom Gladwell descreve as alturas médias dos homens CEOs das 500 maiores empresas americanas. Chegou à conclusão de que a média era de 1,83 cm, enquanto a média nacional era de 1,75 cm. Cerca de 58% destes CEOs tinham 1,83 ou mais, enquanto apenas 14,5% da população tem essa altura.
Também nas campanhas políticas a altura é um forte preditor do resultado final. A maioria das eleições são ganhas pelo candidato mais alto e os últimos 10 presidentes dos EUA têm uma altura média superior a 1,85 cm.
Se para se ser líder de organizações modernas, a altura não representa, à partida, qualquer tipo de vantagem, por que é que percepcionamos pessoas altas como mais capazes?
A resposta está na incompatibilidade evolutiva. No passado, a liderança passava muito pela força física, essencial nas atividades como a caça ou a guerra. Hoje apesar de já não ser assim, continuamos a percecionar o melhor líder como em tempos ancestrais.
Esta heurística (simplificação mental) provoca um viés que nos condiciona na tomada de decisões acertadas.
Depressão pós-parto
Aproximadamente 13% das mulheres a nível mundial sofrem de depressão pós-parto nos três meses seguintes ao parto. Alguns estudos sugerem que essa perturbação pode resultar de uma adaptação evolutiva.
Nas sociedade de caçadores-coletores existia uma forte teia familiar, que apoiava e protegia as mães e as crianças. Atualmente, em alguns casos, esse apoio é muito mais reduzido, sendo sugerido por muitos investigadores que isso despoleta os nossos mecanismos ancestrais.
No passado, quando as progenitoras percecionavam reduzido apoio social ou poucas possibilidades de sobrevivência dos seus descendentes reduziam os seus esforços e motivação – um comportamento também analisado como estratégia final ou instrumental para estimular maior apoio social, e aumentar dessa forma as possibilidades de sobrevivência.
Apesar de a depressão pós-parto incluir outras variáveis, no contexto de adaptação evolutiva o problema é mais frequente em famílias com pouco apoio social e familiar.
Reduzida atividade física
Grande parte da população mundial realiza hoje em dia muito menos atividade física que os humanos ancestrais. Evoluções tecnológicas refletiram-se nos processos agrícolas, meios de transporte ou novas formas de trabalho, e reduziram significativamente os consumos energéticos.
Ao contrário dos nossos antepassados, caçadores-coletores, que queimavam cerca de 3.000 calorias por dia, nas sociedades ocidentais esse dispêndio é substancialmente menor.
O organismo humano não teve tempo para se adaptar a níveis de atividade tão reduzidos e isso predispõe-nos para um conjunto variado de patologias.
Hábitos alimentares
Relacionado com o nosso dispêndio energético baixo está o consumo elevado.
Os nossos antepassados viviam na incerteza de quando seria a próxima refeição, até ela chegar poderiam decorrer vários dias. Durante esse tempo a atividade física seria intensa. Assim, o armazenamento energético, na forma de gordura, era uma adaptação decisiva para a sobrevivência.
Atualmente, a disponibilidade de alimentos é muito maior, o seu índice energético grande e o nosso consumo energético reduzido.
As adaptações comportamentais e biológicas que foram decisivas para a sobrevivência por nos permitir armazenar energia são, nos dias hoje, bastante prejudiciais.
Esta incompatibilidade evolutiva está na origem de grande parte das doenças que nos atingem: problemas cardiovasculares, diabetes, obesidade, alguns cancros e muitas outras.
Estes são apenas alguns exemplos de possíveis desfasamentos entre as adaptações do passado e as necessidades atuais. Muitas outras têm sido sugeridas em áreas como: as heurísticas cognitivas, as formas de tribalismo extremo, a idade reprodutiva, o vício pelo jogo, o consumo de drogas e muitos outras.
Apesar de nos vermos como o resultado do mundo em que vivemos, temos uma herança ancestral que muito nos condiciona. Adaptamo-nos ao mundo moderno com muitos mecanismos desenvolvidos no passado. Muitas vezes essas adaptações são imperfeitas e podem ser mesmo ser muito prejudiciais.
Muitos desses mecanismos podem ser contrariados de alguma forma. O primeiro passo para o conseguir fazer é conhecê-los.