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O viés da negatividade é a nossa tendência para valorizar mais os aspetos negativos do que os positivos ou neutros. Por outras palavras, perante acontecimentos com a mesma intensidade, os acontecimentos negativos têm um impacto maior nos nossos processos psicológicos.

Origem

Tal como outros vieses, o viés da negatividade terá surgido como resultado de uma adaptação natural, desenvolvida ao longo de milhares de anos. A exposição constante a ameaças ambientais fez com que os nossos ancestrais com esse viés tivessem maiores possibilidades de sobrevivência.

Exemplo

Imaginemos uma situação de contacto de um grupo de antepassados longínquos com um predador que ataca e mata um dos seus membros. Os elementos que apresentaram uma maior sensibilidade negativa a qualquer animal semelhante, ou mesmo a qualquer indício da sua presença, tiveram uma maior probabilidade de sobrevivência.

Assim, passadas muitas gerações, esse traço tenderá a manter-se já que esses indivíduos terão maior possibilidades de se reproduzir e ajudar a proteger e alimentar a sua descendência. Desta forma, as características genéticas associadas a esse comportamento tendem a ser reforçadas geração após geração, no longo processo de seleção natural.

Pelo contrário, os indivíduos que não apresentaram esse comportamento tiveram menores possibilidades de sobreviver e garantir a continuidade dos seus genes em futuras gerações.

Viés da negatividade nos nossos dias

Mesmo atualmente, este viés pode ter efeitos positivos como a prevenção de situações perigosas ou a preparação para cenários desfavoráveis. No entanto, as sociedades humanas de hoje em dia apresentam desafios muito distintos.

Como vimos atrás, este viés terá sido uma vantagem na luta pela sobrevivência num ambiente extremamente hostil e perigoso. Pelo contrário, atualmente grande parte das populações vivem com riscos muito reduzidos

Além disso, a informação a que hoje acedemos é incomparavelmente maior e tende a ser mais negativa.

0 viés da negatividade na comunicação social

Na imprensa existe uma grande prevalência de notícias negativas. Um dos motivos é o maior impacto que estas têm devido a este viés. Ou seja, existe de facto uma maior predisposição das pessoas para consumirem notícias negativas, mesmo por parte daqueles que dizem não o querer fazer. Esse facto estimula a sua produção.

Para além disso, inúmeros acontecimentos negativos tendem a ser mais delimitados no tempo ou até pontuais, como acidentes, catástrofes naturais, atentados terroristas, etc. Ao contrário de eventos positivos que tendem a ser progressivos e contínuos, como a diminuição da mortalidade infantil ou a fome mundial.

Apesar de sempre ter existido, fenómenos como a concorrência cada vez maior para atrair a atenção dos consumidores têm agravado o problema.

A construção de narrativas catastróficas é muito auxiliada pela tendência para a apresentação de testemunhos particulares de casos ou situações especialmente negativas.

0 viés da negatividade na política

Os políticos há muito que perceberam que esta nossa tendência pode servir propósitos eleitorais.

O acentuar de aspetos negativos de adversários políticos é usado desde os primórdios da democracia. Campanhas negativas sobre adversários são desenvolvidas repetidamente, muitas vezes em detrimento da atenção a qualidades próprias do candidato ou partido. Quantos de nós não ouviram ou afirmaram que “mais do que gostar do candidato X desgosto do candidato Y”.

Este viés também é usado para a promoção do medo. O ênfase nas situações negativas ou de possibilidades catastróficas é frequentemente usado para promover sentimentos de medo entre a população. Internamente, alguns políticos usam essa estratégia para acentuar os riscos que outros adversários constituem e a sua capacidade para os enfrentar.

Governantes (ou candidatos) usam-no tipicamente para aparecerem como a única entidade capaz de “salvar” e proteger os cidadãos da situação de grave perigo em que se encontram.

0 viés da negatividade na perceção geral da população

Devido às múltiplas narrativas que exploram esta nossa tendência ou simplesmente pela grande exposição a acontecimentos negativos, a perceção da maioria da população sobre muitos temas é bastante pessimista.

Tal tem sido exposto por inúmeros autores como Steven Pinker ou Hans-Rosling e em projetos como o Gapminder ou o Humanprogress.

Relação com outros vieses

Este viés é muito potenciado pela sua conjugação com outros, como o da autoridade, o da seleção ou o do risco zero.

Mas talvez o que tenha uma associação mais óbvia seja o viés da disponibilidade. Quando temos mais acesso a um tipo de acontecimentos do que a outros, o nosso cérebro assume que um evento ocorre muito mais do que outro, mesmo quando tal não acontece na realidade.

Por exemplo, uma morte provocada por um tubarão tem sempre uma grande divulgação mediática. No entanto, inúmeros outros animais provocam dezenas ou até centenas de vezes mais mortes, simplesmente não têm o mesmo mediatismo. Este viés conjugado com o da negatividade, leva-nos a assumir que os tubarões representam um perigo muito superior à realidade.

Consequências do viés da negatividade

A sobrevalorização dos efeitos negativos de um fenómeno é tal que, por vezes, demasiados recursos e atenções são concentrados nele. Isto pode levar a decisões que criam outros problemas, por vezes ainda mais graves.

Estamos igualmente vulneráveis a que explorem essa nossa tendência, quer seja por fins ideológicos, políticos ou comerciais. Uma vez instalada essa perceção de perigo, mesmo perante evidências contrárias é difícil mudamos de perspetiva.

Os conteúdos negativos nem sempre têm correspondência com os problemas mais graves. Desenvolvemos assim uma perceção de risco muito grande para alguns temas distraindo a nossa atenção de outros bem mais reais.

Além disso, acedemos a informação de forma assimétrica de acordo com as nossas perspetivas e interesses. Isto faz com que com frequência os perigos percecionados sejam muito diferentes entre grupos, contribuindo para a polarização da sociedade. Esta tendência é bastante alimentada pelas novas tecnologias de informação e redes sociais que tendem a expor-nos mais a quem partilha as nossas perspetivas. 

Forma de minimizar o viés da negatividade

O primeiro passo é conhecer esta nossa tendência. Depois tentar arranjar formas de a evitar. Eis algumas sugestões:

– Não absorver de modo automático as perspetivas mediáticas mais negativas. Procurar aceder a informações fidedignas e sem interesse direto na criação de alarmismo.

– Evitar análises descontextualizadas e números absolutos através da consulta de dados estatísticos objetivos e do seu correto enquadramento. Por exemplo, uma realidade pode ser muito negativa mas estar a melhorar, de forma significativa, ao mesmo tempo.

– Evitar fontes de informação com fortes inclinações político-ideológicas que tendem a acentuar certos riscos e a minimizar outros.

– Relativizar relatos pessoais emotivos de eventos raros que tendem a criar uma perspetiva bastante distorcida da realidade.

– Perceber que existe uma grande tendência para sermos expostos a notícias negativas e a peritos “especialistas” em nos lembrar todos os riscos a que estamos sujeitos.

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