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Dra. Cristina Camilo: “Nas crianças previamente saudáveis a infeção por SARS-CoV-2 pelas variantes que conhecemos até agora, não tiveram impacto na idade Pediátrica”

Em entrevista ao The Blind Spot, a propósito das principais doenças responsáveis pelo internamento nos cuidados intensivos pediátricos, em Portugal, Cristina Camilo, pediatra na Unidade dos Cuidados Intensivos Pediátricos, no Hospital Santa Maria de Lisboa e presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos fala-nos sobre o facto da covid aguda não ter tido até agora, praticamente, nenhum impacto na pediatria e das suas principais preocupações sobre a Síndrome Inflamatória Multissistémica (MIS-C) e as vacinas em idade pediátrica.

  1. Como estão organizadas as Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP)?

Há dois tipos de unidades de cuidados intensivos na pediatria. Uma é a neonatologia, cuidados intensivos neonatais onde estão os bebés que nascem prematuros e onde ficam internados os  bebés que nascem no tempo certo, mas têm doenças logo assim que nascem. Depois, há as Unidades de  Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP). Em todo o país temos nove UCIP, cinco são só pediátricas, quatro são mistas, pediátricas e neonatais.

  1. Qual a atual faixa etária do serviço?

A faixa etária é dos 0 aos 18 anos. Mas, por vezes, temos jovens com mais de 18 anos que são doentes crónicos seguidos em pediatria. Por exemplo, situações de jovens com 19 ou 20 anos, que têm uma doença crónica grave e que mantêm acompanhamento na Pediatria .

  1. Em que idades são mais frequentes os internamentos?

Atualmente, nós temos dois grandes grupos de internamento. Um é composto por adolescentes, dos 10 anos para cima, outro, são os lactentes, bebés abaixo de 1 ano. Os adolescentes muitas vezes têm doença crónica, em relação aos bebés, uma faixa etária importante dos cuidados intensivos, não só por doenças infecciosas mas também por muitas vezes terem doença cardíaca ou respiratória crónica.

  1. Atualmente, quais as principais doenças responsáveis por internamentos em UCIP? 

O que tem acontecido nos últimos 10 anos é que a maior parte dos nossos internamentos deixaram de ser nas crianças previamente saudáveis, que tinham uma doença infeciosa aguda, por exemplo uma meningite ou um choque sético. O que passou a ser mais comum é uma criança com doença crónica que atualmente têm maior sobrevida, mas com necessidade de muitos internamentos hospitalares e com complicações graves.  Passámos de cerca de 80% de internamento de crianças saudáveis há 15-20 anos para atualmente 60-65% de crianças com doença crónica.

  1. A Covid-19 tem um grande impacto nos cuidados intensivos pediátricos?

A infeção aguda por SARS-CoV-2  – designada Covid-19 não deu praticamente nenhum problema na pediatria até à data. As crianças e adolescentes que tiveram problemas, na maior parte deles, eram doentes crónicos com doenças graves, do ponto de vista respiratório, cardíaco, ou então adolescentes obesos. 

Nas crianças previamente saudáveis a infeção por SARS-CoV-2 pelas variantes que conhecemos até agora, não tiveram impacto na idade Pediátrica que fosse preocupante do ponto de vista da doença grave. Não quer dizer que não possam aparecer outras variantes do vírus que façam com que isso mude. Mas, para as variantes atuais, desde março de 2020 (altura dos primeiros casos descritos em Portugal) até dezembro de 2021, o que nós tivemos em cuidados intensivos pediátricos foi completamente marginal em relação à Covid-19. No total foram 14 crianças internadas e só três eram previamente saudáveis, embora num dos casos o doente tivesse uma obesidade importante.  Sabemos atualmente que a obesidade é uma doença crónica e é um problema grave na pediatria. 

E um outro doente, era um grande fumador, ou seja, era um adolescente com um perfil já muito próximo do adulto.

  1. Todas as crianças que testam positivo à Covid-19 estão internadas por este motivo?

A infeção pela variante Ómicron é mais rápida e esta variante tem uma maior capacidade de infetar todas as faixas etárias. A maior parte das crianças internadas atualmente no Hospital de Santa Maria, com PCR positiva para SARS-CoV-2 não têm Covid-19. Têm PCR positiva, mas não estão doentes por causa do vírus. Por exemplo, na minha unidade, uma criança com PCR positiva tinha uma anemia grave e a outra era um pós-operatório recente que precisava de recobro e vigilância.

Qualquer doente que fique internado num hospital, atualmente tem de fazer PCR para SARS-CoV-2 e, como esta variante infeta em maior número, é natural que se diagnostiquem mais infeções, mas não quer dizer que os doentes estejam internados necessariamente por causa disso.

As codificações dos processos não conseguem distinguir muitas vezes se a infeção a SARS-CoV-2 é causa de internamento. Por outro lado, também não podemos ignorar a PCR positiva para o vírus. 

Há uma mensagem importante a passar ao público que é: a realidade na pediatria até agora, o panorama  é completamente diferente, a infeção aguda não nos tem preocupado. Temos outras infeções virais que nos preocupam mais, como por exemplo a infeção por vírus sincicial respiratório (VSR), que causa a bronquiolite e que tem causado doença grave nos bebés pequenos, com necessidade de internamento em Cuidados Intensivos.

  1. Quais as principais doenças infeciosas do sistema respiratório que levam, atualmente, as crianças aos cuidados intensivos?

Um vírus muito frequente é o VSR, é um vírus muito comum no inverno. Todos os invernos existem infeções graves por VSR a ponto de há uns anos ter-se começado a fazer uma profilaxia com Palivizumab,  em determinados grupos de risco, nomeadamente as crianças com doenças cardíacas e respiratórias crónicas, ou as crianças muito prematuras. Esta terapêutica serve para dar anticorpos contra o vírus, antes da época do VSR começar. Ou seja, dar anticorpos às crianças mais frágeis para tentar que não fiquem com uma doença a VSR tão grave.

Mas, no inverno de 2020, houve uma situação muito curiosa. Por causa dos vários períodos de isolamento e das medidas de etiqueta respiratória não tivemos bronquiolites (parecia que o VSR tinha “desaparecido do mapa”). 

Entretanto, percebemos com os nossos colegas do hemisfério oposto, nomeadamente na Austrália, que estavam a ter bronquiolites do verão. E foi o que começámos a ver também em Portugal, em vez de termos as bronquiolites de dezembro 2020 a fevereiro de 2021, passamos a ter a partir de maio, junho de 2021, uma série de bronquiolites que levaram as crianças mais pequenas a terem de ser internadas.

No verão de 2021 passámos a ter imensas bronquiolites, não só nos pequenos lactentes mas também em crianças mais velhas de 3-4 anos. 

Portanto, dá ideia que o vírus não se multiplicou na época que era suposto pelo calendário, mas passou a multiplicar-se na época em que as pessoas voltaram a juntar-se outra vez, em que a possibilidade de transmissão aumentou novamente.

  1. Porque é que o VSR nunca foi um problema de saúde pública e por que razão nunca se fecharam as escolas?

Do ponto de vista teórico, para nós pediatras e face à gravidade da infeção a VSR nas crianças, comparativamente com a infeção por SARS-CoV-2 seria muito mais lógico fechar as escolas com um surto de VSR do que com um surto de Covid. 

A questão é que o VSR é uma doença das crianças, habitualmente, e na maior parte dos países desenvolvidos, incluindo Portugal, as crianças não morrem com VSR. Como não afeta em grande escala os adultos e os mais idosos, não existe da parte dos governantes tanta preocupação com esta infeção .

  1. Há mais crianças internadas com VSR do que com Covid-19?

Nós temos muito mais crianças internadas com VSR nos cuidados intensivos do que com covid, pois no país inteiro internados com covid tivemos 14 crianças, desde março de 2020 a 7 de dezembro de 2021. 

Casos de VSR, desde julho a 7 de dezembro de 2021, só numa unidade de Cuidados Intensivos houve 12.  O impacto do VSR é muito maior do que o covid, só que o VSR é um vírus com o qual lidamos há muitos anos, conhecemos bem e que não causa pânico a ninguém. 

Quando as doenças são analisadas de uma forma emocional tornam-se perigosas, porque perde-se a razão, a capacidade de discernimento e a capacidade de decisão correta. Passamos a tomar decisões de acordo com o medo e não de acordo com a evidência científica

  1.  Além do VSR, o MIS-C também teve uma grande repercussão nos cuidados intensivos, de acordo com o documento disponível no EPICENTRE.PT. Esta questão é alarmante para os pediatras?

A MIS-C preocupa-me muito mais, pois foi uma doença mais comum em cuidados intensivos pediátricos, em 2020 e 2021. Até dezembro de 2021 tinha havido 60 internamentos por MIS-C, além do VSR.

Portanto, é uma doença preocupante e por isso, se conseguirmos confirmar que a vacina para a Covid-19 previne esta síndrome inflamatória, então aí fará sentido fazer as vacinas às crianças porque a MIS-C pode ser grave.

O que temos como dados até agora é que a própria vacina pode gerar a MIS-C. Por isso, enquanto não se confirmar que a vacina é uma solução e puder ser mais um problema, pensamos que não deve ser recomendada nas idades mais jovens, em crianças saudáveis.

  1. Em entrevista à RTP, apresentou alguns dados que mostram que a idade pediátrica não é a mais indicada para vacinar. Quais são as suas principais preocupações com esta questão da vacinação?

Até à data não se demonstrou que a vacina previne a infeção e, por outro lado, sabemos que pode causar miocardites e pericardites. Por exemplo, no parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 em crianças de 5-11 anos estava referido que para evitar cinco internamentos em Cuidados Intensivos, assumia-se a possibilidade de sete crianças terem um episódio de miocardite/pericardite.  

A população com menos internamentos hospitalares pela infeção a SARS-CoV-2 foi a dos 5 aos 11 anos. E isso está escrito no relatório da CTVC. Por isso não percebo a recomendação de vacinar todas as crianças dos 5-11 anos. Foram internados mais lactentes, crianças entre os 0 aos 2 anos, do que dos 5 aos 11.

O número de miocardites causadas pela vacina é superior ao número de miocardites causadas pelo vírus nestas circunstâncias, mas os números apresentados são diferentes, porque estão a comparar situações que não deviam ser comparadas diretamente.

A doença cardíaca da MIS-C é diferente da lesão do coração pela infeção aguda por SARS-CoV-2. Em vez de se compararem miocardites da doença aguda com miocardites da vacina, quiseram comparar as lesões cardíacas da MIS-C com as miocardites da vacina. E como na MIS-C, muitos doentes tiveram alterações cardíacas, foram contabilizadas as lesões cardíacas todas por igual, da doença aguda e da MIS-C, para mostrar  que a vacina era mais benigna que a infeção a SARS-CoV 2. Mas estamos a falar de coisas diferentes. Uma coisa é a MIS-C, que até à data não está provado que seja evitável pela vacina, outra é a miocardite aguda que pode causar morte súbita e que pode ser secundária à doença aguda ou à vacinação.

Nós tivemos alguns adolescentes que vieram ao hospital com dor torácica, a seguir à vacinação. Em Coimbra identificaram algumas pericardites a seguir à vacina. Podemos dizer que foi seguramente da vacina? Não, porque há muitas causas de pericardite, mas uma criança faz a vacina para o SARS-CoV-2 e quatro dias depois está com uma dor no peito, é muito provável que a vacina possa estar implicada.

É impressionante ver miúdos a quererem vacinar-se porque já estão fartos de não poderem fazer o que os outros fazem ou porque são questionados se já têm vacinas ou não. Já somos tão discriminados por tantas coisas e agora as crianças são discriminadas por não serem vacinadas contra a Covid-19.

Nós temos uma população que aceita as vacinas e que, por ser vacinada para muitas doenças, têm uma saúde e uma qualidade de vida muito superior à de outras populações. E temos um sistema de vacinação que funciona. É importante que as pessoas, acreditem no nosso sistema de saúde e no nosso programa de vacinação e que, à conta da desinformação que tem circulado com esta vacina para o SARS-CoV-2 não desacreditem as outras vacinas que existem, que foram estudadas e investigadas durante anos e anos e que já salvaram milhares de vidas em todo o mundo.

Em relação a estas vacinas para o SARS-CoV-2 eu assumo que são seguras, mas não sei os efeitos a médio e longo-prazo. E não posso ignorar esse facto quando estamos a falar de vacinar crianças pequenas.

  1. Neste momento, acha que existe alguma medida apropriada para analisar as reações das crianças e adolescentes à vacina?

Espero que todos os hospitais façam aquilo que estamos a fazer no Departamento de Pediatria do nosso hospital. Em todos os miúdos que vêm para o hospital com uma doença aguda súbita e que fizeram a vacina antes, nós estamos a reportar no site do fabricante da vacina e no Infarmed, a doença aguda (sinais e sintomas ou diagnóstico), para depois se analisar em todos os eventos e efeitos adversos, e tentar perceber se estão ou não relacionados com a vacinação. 

Infelizmente nós médicos reportamos muito pouco, deveríamos reportar mais. E isto aplica-se a qualquer fármaco e a qualquer vacina. Neste momento o objetivo não é registar para dizer que a vacina é má ou boa,  mas sim ter o maior número de registos de diferentes situações para depois analisar e perceber os efeitos, não só a curto mas a médio e longo prazo.

Dra. Cristina Camilo, Presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos

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