Skip to content

Países europeus com uma 1ª vaga menor tenderam a ter maior mortalidade Covid

Fizemos uma análise à correlação entre a mortalidade Covid na primeira vaga (até agosto de 2020) e a mortalidade Covid atual. Conclui-se que os países com menor mortalidade Covid na primeira vaga tenderam a ter maior mortalidade nas vagas subsequentes e, mesmo, na mortalidade Covid total (até ao momento).

Nesta pandemia foram tomadas medidas inéditas para conter a doença. Entre elas: grandes restrições de tráfego internacional, prolongados confinamentos, períodos longos de fechos de escolas, encerramento de estabelecimentos comerciais, entre muitas outras.

Essas medidas, que inicialmente foram justificadas como sendo uma forma de “achatar a curva” e evitar a sobrelotação hospitalar, passaram a ser encaradas como instrumentos essenciais para se «salvarem vidas».

Interessa, pois, verificar se essa menor mortalidade Covid (independentemente do grau de influência das medidas) se manteve nas ondas seguintes e no balanço final de mortes.

Correlação entre mortalidade 1ª vaga (até 31 de julho de 2020) e vagas seguintes

Considerámos os números oficiais (apresentados no Worldometer ) de todos os países europeus com mais de dois milhões de habitantes.

Resultados

Observamos uma tendência dos países que tiveram uma primeira vaga menor, verem a mortalidade Covid disparar nas restantes vagas. Algo que não acontece de forma tão vincada com os que tiveram uma maior vaga inicial.

Essa tendência é quantificada numa correlação negativa, de quase 0,3, entre ambos os períodos. Ou seja, o valor de mortalidade da primeira corresponde a uma maior mortalidade nas vagas seguintes.

Ainda mais relevante é que o valor final considerado (retirado a 8 de janeiro de 2022) também se encontra, ainda que de forma ligeira, correlacionado negativamente (quase 0,1).

Em geral, os países da europa ocidental tenderam a ter uma primeira vaga menor e um aumento menos significativo nas restantes. Pelo contrário, os países de leste tiveram, na sua maioria, menos mortalidade associado à Covid no início, mas viram os números dispararem a partir do outono de 2020 (2ª vaga).

De destacar os países nórdicos, que tiveram uma mortalidade associada à Covid baixa em qualquer dos períodos. A exceção foi a Suécia, que teve uma das maiores mortalidades Covid na primeira vaga, mas que curiosamente teve o mais reduzido aumento nas restantes (apenas 68%).

Assim, também aqui essa tendência manteve-se já que os aumentos de mortalidade nos restantes países nórdicos, com pequenas primeiras vagas, foram muito superiores aos dos suecos. 

Análise

Os dados da primeira onda resultam supostamente de: (1) eficácia das estratégias no início da pandemia; (2) fatores intrínsecos a cada país (serviços de saúde, imunidade/suscetibilidade, demografia, etc) ou (3) fatores mais aleatórios, como o timing de entrada do agente no país.

Se considerarmos que nesta fase inicial, os tratamentos ainda estavam pouco otimizados e não existiam vacinas, seria de supor que essa baixa mortalidade inicial pudesse contribuir para que, com melhores tratamentos e grande parte da população vacinada, as mortes Covid pudessem ser menores, nas contas finais.

Até porque muitas dessas medidas acarretam outros riscos e possíveis aumentos da mortalidade por outras causas.

Hipóteses que podem justificar os resultados:

1-     Países com diferentes níveis de imunidade, após a primeira vaga

É um facto que as populações mais atingidas, supostamente com maior mortalidade Covid, teriam adquirido uma maior imunidade à doença e a quantidade de pessoas mais vulneráveis seria menor.

No entanto, isso só por si, poderia ajudar a explicar uma tendência para a aproximação de valores, mas não que os valores finais fossem superiores (ou até similares). Especialmente se considerarmos o efeito dos novos procedimentos clínicos e o anunciado impacto que as vacinas teriam na mortalidade Covid.


2-     Paradoxo da limitação da infeção                                                                                                                         
Outra possível explicação decorre da teoria de que, quando se procura diminuir a exposição geral a um agente infecioso, ele acaba por ter um impacto mais negativo na população mais vulnerável.

“A teoria epidémica dita que uma redução da força da infeção por um agente patogénico está associada a um aumento da idade média em que os indivíduos são expostos. Para os agentes patogénicos que causam doenças mais graves entre os hospedeiros de uma idade mais avançada, as intervenções que limitam a transmissão podem paradoxalmente aumentar o fardo da doença numa população.”

Um dos exemplos em que esse fenómeno pode ocorrer é no encerramento de escolas.

“Concluímos, portanto, que os resultados um pouco contra intuitivos que os encerramentos escolares levam a mais mortes são consequência da adição de algumas intervenções que reprimem a primeira vaga e não dão prioridade à proteção das pessoas mais vulneráveis. Quando as intervenções são levantadas, há ainda uma grande população que é suscetível e um número substancial de pessoas que estão infetadas. Isto leva então a uma segunda onda de infeções que pode resultar em mais mortes, mas mais tarde. “


3-     Efeitos da sazonalidade na primeira vaga

O facto de as epidemias de Covid na Europa terem surgido numa fase mais avançada do que é usual (fevereiro-março e não novembro-dezembro) pode ter contribuído para um menor impacto em termos de mortalidade nos países que tiveram maior contacto com a doença nessa altura. Pelo contrário, países que tiveram maiores ondas na época seguinte (a partir de outubro seguinte) podem ter tido um impacto significativamente superior.

Tal pode ser justificado por vários fatores associados à sazonalidade. Entre eles, a dose infeciosa a que as pessoas estão sujeitas, que pode tender a ser inferior mais perto da primavera do que no pico do inverno, devido à menor propagação dos vírus no ambiente quente e húmido ou à menor concentração de pessoas em espaços fechados nesse período.

Por outro lado, a vulnerabilidade do hospedeiro  a este tipo de infeções também parece ser influenciada pelas condições climatéricas a que está sujeito.

Qualquer destas hipóteses, pode ter resultado numa menor severidade da doença durante a primeira vaga, simultaneamente aumentando a imunidade para as vagas seguintes, nomeadamente as que ocorreram na época em que este tipo de infeções respiratórias tem, por norma, maior impacto.

Várias outras possibilidades podem ser avançadas para justificar este fenómeno. De qualquer modo, temos sempre de considerar algumas limitações importantes na análise destes dados. 

Limitações

O indicador “morte Covid”, que decorre de uma classificação bastante abrangente, depende da forma de registo que cada país faz. Neste caso, essa limitação fica muito mitigada por se compararem dados de cada país. Ou seja, analisa-se a evolução de cada país e não as diferenças entre países (que estariam distorcidas por diferenças de registo).

Ainda assim, poderão ter acontecido alterações nos critérios de registo de alguns países ou ao nível da testagem, o que pode indiretamente influenciar o nível de notificações da doença.

Finalmente, o facto de existir uma correlação entre duas variáveis não implica, só por si, que uma seja a causa da outra.

Ideias finais

Apesar de não se poder concluir que uma primeira vaga mais fraca implicou (1) vagas seguintes mais fortes ou (2) um maior impacto global, não deixa de ser significativo que tenha existido essa tendência.

No primeiro caso, esse facto é mais facilmente explicado pela baixa imunidade.

O segundo caso é um pouco mais surpreendente. Especialmente, se considerarmos que muitas das medidas para conter a doença visavam a chegada de vacinas e de outros tratamentos, para assim diminuir o fardo da doença.

São necessários estudos robustos sobre a evolução da epidemia, bem como do efeito real das medidas tomadas. Também devem ser levadas em conta outras variáveis, nomeadamente a mortalidade por todas as causas.

Saiba como pode criar e hospedar o seu site com a Bluehost

Compre o e-book "Covid-19: A Grande Distorção"

Ao comprar e ao divulgar o e-book escrito por Nuno Machado, está a ajudar o The Blind Spot e o jornalismo independente. Apenas 4,99€.