O uso de máscaras por pessoas saudáveis na comunidade tem sido apresentado por vários agentes como uma das medidas mais importantes e comprovadamente eficazes durante a pandemia. Mas, será que existem evidências científicas de qualidade a atestar essa eficácia?
A generalidade das revisões sistemáticas que incluem RCTs (estudos randomizados e controlados), de qualidade máxima e baixo viés, apontam para reduzido ou nenhum efeito na contenção de infeções respiratórias.
Vários estudos de baixa ou média qualidade (fiabilidade) apresentam resultados inconsistentes ou contraditórios. Esse facto é facilmente compreensível dado o elevado viés a que estão sujeitos.
Além de serem pouco fiáveis, são frequentemente instrumentalizados para reforçar opiniões pessoais, a intuição popular ou até posições institucionais, inclusive de governos e de agências de saúde.
Por esses motivos abordamos os estudos de qualidade máxima (RCTs), os únicos capazes de definir relações de causalidade.
Revisão sistemática OMS
Usamos como ponto de partida a recente revisão sistemática da OMS (2019), que sintetiza bem os resultados obtidos neste tipo de estudos sobre máscaras.
Inclui 10 RCTs e reforça a ideia de não serem detetados “efeitos significativos” do uso de máscara facial na transmissão do vírus influenza ou ILI (Influenza-like illness- doença semelhante a influenza).
Resumo conclusões RCTs (tabela 7, OMS. Medidas de saúde pública não farmacêuticas para mitigar o risco e o impacto de epidemias e pandemias de influenza, 2019):
Aiello AE, 2010
“Redução significativa de ILI durante as semanas 4-6 nos grupos máscara e higiene das mãos em comparação com controlo; Sem redução significativa de ILI nos grupos máscara e “lavagem de mãos” ou apenas máscara ou controlo.”
Aiello AE, 2012
“Não há redução significativa nas taxas de influenza- confirmada laboratorialmente- nos grupos “máscara e mãos” ou “apenas máscaras” ou controlo.”
Barasheed O, 2014
“Nenhuma diferença significativa nas taxas de influenza- confirmada laboratorialmente- em dois braços; efeito protetor contra síndrome ILI em comparação com controlos (31% contra 53%, p = 0,04).”
Cowling BJ, 2008
“Nenhuma redução significativa na taxa de ataque secundário de influenza nos grupos controlo, máscara ou “lavagem de mãos”.”
Cowling BJ, 2009
“Nenhuma diferença significativa nas taxas de influenza- confirmada laboratorialmente- nos grupos “apenas lavagem de mãos” ou “máscara e “lavagem de mãos”.”
Larson EL, 2010
“Não há redução significativa nas taxas de influenza- confirmada laboratorialmente- nos grupos controlo, “lavagem de mãos”, “máscara” ou “lavagem de mãos”.”
MacIntyre CR, 2009
“Nenhuma diferença significativa nas taxas de influenza- confirmada laboratorialmente- nos grupos controlo, “máscara facial ou P2”, “máscara”.”
MacIntyre CR, 2016
“Doença respiratória clínica, ILI e infeções virais confirmadas em laboratório foram menores no braço máscara em comparação com o controlo, mas os resultados não foram estatisticamente significativos.”
JM Simmerman, 2011
“Não há redução significativa da taxa de ataque secundário de influenza nos grupos de controlo, máscara ou “lavagem de mãos”.”
Suess (2012) (24)
“Nenhuma diferença significativa nas taxas de influenza- confirmada laboratorialmente- nos grupos de controlo, máscara, “máscara ou lavagem de mãos”.”
Nesse documento a OMS salienta:
“Nos estudos de uso de máscara facial com ou sem higiene das mãos, a estimativa em conjunto do risco de redução face à gripe confirmada em laboratório foi de 0,90 (95% CI: 0,75-1.12), o que sugere que ensaios randomizados adicionais seriam menos suscetíveis de identificar uma eficácia protetora substancial de máscaras faciais.”
RCT com máscaras de pano
O único RCT realizado com máscara de pano (trabalhadores da área de saúde) sugeriu a possibilidade de aumentar a propagação.
RCTs publicados durante a pandemia
O RCT publicado até ao momento que incidiu sobre o SARS-CoV-2, não conseguiu encontrar diferenças estatisticamente relevantes entre os grupos de máscaras (cirúrgicas de alta qualidade) e de controlo.
“Os nossos resultados sugerem que a recomendação de usar máscara cirúrgica fora de casa, entre outras pessoas, não reduziu, em níveis convencionais de significância estatística, a incidência de infeção por SARS-CoV-2 em utilizadores de máscara num ambiente onde o distanciamento social e outras condições de saúde pública foram praticadas…”
A atualização da revisão sistemática da Cochrane (influenza), feita com base em estudos anteriores à pandemia, também concluiu que usar máscara faz pouca ou nenhuma diferença.
“Os resultados combinados de estudos randomizados não mostraram uma redução clara na infeção viral respiratória com o uso de máscaras médicas/ cirúrgicas durante a gripe sazonal.”
Posição atual da OMS
Declaração OMS (Dezembro 2020):
“No momento, há apenas evidências científicas limitadas e inconsistentes para apoiar a eficácia do uso de máscaras por pessoas saudáveis na comunidade para prevenir a infeção por vírus respiratórios, incluindo SARS-CoV-2.” OMS. Uso de máscaras no contexto da Covid-19. Guia interino. Dezembro, 2020.
“Há uma qualidade geral moderada de evidência de que as máscaras faciais não têm um efeito substancial na transmissão do vírus influenza.” – OMS. Medidas de saúde pública não farmacêuticas para mitigar o risco e o impacto de epidemias e pandemias de gripe- qualidade da evidência. (Pág. 26, Janeiro 2021)
Recomendação OMS
A OMS, apesar de reconhecer “que não há evidência de que é eficaz na redução da transmissão” afirma existir “plausibilidade mecânica para uma potencial efetividade”.
Assim, recomenda o uso em pessoas sem sintomas apenas em epidemias/pandemias severas. Essa recomendação leva em consideração o facto de a organização considerar que “não se antecipam danos significativos” desta medida.
Esta recomendação sustentada, principalmente na desvalorização dos possíveis efeitos negativos, contraria a posição inicial que, para além da falta de evidência de qualidade, referia vários perigos associados.
Contraria igualmente o que as outras agências de saúde reconhecem. Por exemplo, o ECDC, entre outros possíveis efeitos negativos, refere:
– Reutilização de máscaras destinadas a uma única utilização, com o risco acrescido de auto-contaminação;
– Dificuldades de comunicação, especialmente entre pessoas com deficiência auditiva;
– Problemas na pele;
– Questões ambientais.
Ideias finais
Apesar da mudança repentina de posição quanto às máscaras das inúmeras agências de saúde e de responsáveis de saúde pública, não surgiram evidências de qualidade que sustentem essa alteração.
Não obstante, em muitos países, inúmeros protagonistas mediáticos, peritos ou não, continuam a transmitir diariamente a ideia de que as máscaras são dos instrumentos mais eficazes (ou até indispensáveis) para reduzir as infeções, sem terem a evidência científica do seu lado.
Basear políticas públicas, e toda uma agenda mediática, em alguns estudos de baixo nível de evidência (como estudos laboratoriais ou observacionais) ou opiniões pessoais, que contrariam evidência robusta anterior e até a mais recente, é no mínimo arriscado. Nomeadamente, por poder estar a conferir uma “falsa sensação de segurança” e a provocar efeitos negativos, sem os benefícios prometidos.
Inexplicavelmente, parece existir pouco empenho, para comprovar algumas das novas assunções, com RCTs, por exemplo, entre grupos de utilizadores e não utilizadores na comunidade ou entre escolas com diferentes políticas relativamente ao uso de máscara.
Anexos
Figura 3, 4 – OMS. Medidas de saúde pública não farmacêuticas para mitigar o risco e o impacto de epidemias e pandemias de gripe- qualidade da evidência. Pág. 26. 2019.