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Tribunal anula coimas da pandemia devido a erros “grosseiros”

Erros processuais “grosseiros” estiveram na origem da anulação de coimas aplicadas a comerciantes de Lisboa no âmbito da pandemia covid-19. Vários empresários da noite do Bairro Alto e do Cais do Sodré, em Lisboa, foram multados pela ASAE durante julho de 2021 por não cumprirem com as regras em vigor na altura para controlo da pandemia. Os tribunais estão a dar-lhes razão.

Segundo as contas feitas por Ricardo Tavares, Presidente da Associação Nacional de Restaurantes, Bares e Animação Noturna, deverão ter sido anulados pelos tribunais, até à data, até 270 mil euros em coimas. De acordo com Ricardo Tavares, que também é empresário na zona do Bairro Alto, todos os cerca de 30 processos individuais que contestaram as coimas da ASAE foram ganhos pelos empresários. Em causa estavam as regras em vigor, caso do distanciamento entre mesas, tipos de produtos vendidos e horas de encerramento, entre outros

Ricardo Tavares refere que as contra-ordenações da ASAE indicavam que “a entidade tinha cometido uma determinada ilegalidade” mas que os autos “não faziam prova de nada”, sendo o suficiente para os juízes darem razão aos queixosos. “Naquela altura, tinham todos que mostrar trabalho”, conclui.

Bartolomeu Costa Macedo, que gere dois estabelecimentos encerrados pela ASAE em julho de 2021, confirmou ao The Blind Spot que, no seu caso, “houve nulidade do processo porque os agentes não colocaram o CAE [Classificação Portuguesa de Atividades Económicas] na contra-ordenação” numa altura em que havia “discriminação de estabelecimentos por CAE”. 

Para Bartolomeu Macedo, “poderá ter sido uma estratégia da ASAE” para não ser dado seguimento ao processo já que todas as regras impostas “eram inconstitucionais”. O empresário relata que os formulários utilizados nas contra-ordenações da ASAE “foram feitos pela DGS e os inspetores não sabiam como os preencher”.

Segundo uma notícia do Observador de 16 de novembro, que cita a Lusa, houve uma providência cautelar interposta pela Associação de Comerciantes do Bairro Alto relativamente às coimas aplicadas pela ASAE. A Lusa escreve que o tribunal “deu razão aos comerciantes e anulou todas as multas”, citando Hilário Castro, presidente da Associação.

No entanto, Ricardo Tavares desconhece que tenha sido a Associação de Comerciantes do Bairro Alto a interpor uma providência cautelar e Bartolomeu Macedo não tem conhecimento de nenhuma. O The Blind Spot tentou contatar Hilário Castro para obter esclarecimentos mas não obteve resposta.

“Um disparate atroz”

Ricardo Tavares não poupa nas críticas à atuação da ASAE durante a pandemia. Refere que os estabelecimentos do Bairro Alto e do Cais do Sodré foram muito perseguidos durante a pandemia e que “se alguém se levantava da cadeira e abanava o rabo, fechavam logo o estabelecimento”.

Em 27 dias durante o mês de julho de 2021, “a ASAE e os polícias à paisana foram ao Bairro Alto 15 dias”. “Já era muito difícil controlar as pessoas” nesse mês e em agosto “já não se controlava nada”, refere Ricardo Tavares.

Para o presidente da Associação Nacional de Restaurantes, Bares e Animação Noturna “foi um disparate atroz” e um “excesso de zelo que agora percebemos que não fez sentido nenhum”. O empresário suspeita de um abuso de autoridade.

“Eu não sou negacionista, nunca fui e estou longe de o ser. Houve muitas pessoas que ficaram em casa mas não vi melhorias significativas. Diziam que depois da vacina era tudo muito mais fácil, mas continuamos a ter milhares de infectados todos os dias. A partir do momento em que houve a guerra na Ucrânia, eu disse: hoje, o covid acabou. Não me enganei muito, porque a partir daí nunca mais se falou do covid.”

Ricardo Tavares, presidente da Associação Nacional de Restaurantes, Bares e Animação Noturna

Ricardo Tavares queixa-se que o governo deveria ter olhado de outra forma para estes empresários e para as consequências. “Houve muitas pessoas a matarem-se, e as televisões não deixam dizer isto. Houve empresários e seguranças que se mataram porque não tinham condições”, desabafa.

O presidente da associação fala na fatura elevada que os empresários da noite lisboeta continuam a ter que suportar. As moratórias concedidas durante dois anos só adiaram o problema. E dá um exemplo: “uma renda de 3.000 euros, juntamente com a moratória, ascende agora aos 5.500 euros que têm de pagar durante dois anos”. Para Ricardo Tavares, é “só uma questão de tempo até os empresários começarem a resvalar”, como já acontece com alguns da noite lisboeta.

Ricardo Tavares recorda que alerta desde o início da pandemia para a situação complexa vivida no setor. Ele e o conhecido chef Ljubomir Stanisic, entre outros empresários e trabalhadores da restauração, bares, discotecas, cultura, eventos, alojamento e táxis, iniciaram uma greve de fome em novembro de 2020 à frente da Presidência da República, em Lisboa. O objetivo era alertar os governantes para a falta de respostas concretas e imediatas para resolver os problemas urgentes do setor. Segundo Ricardo Tavares, 80% dos membros da Associação Nacional de Restaurantes, Bares e Animação Noturna, a que preside, participaram na greve de fome.

Hilário Castro, na qualidade de presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto, publicou em maio de 2020 uma carta aberta a António Costa onde, após tecer vários elogios ao primeiro-ministro e a outros membros do governo, considera que “as medidas até agora tomadas, nestes domínios, são, na sua maioria, indispensáveis, necessárias e úteis, mas também precárias, frágeis e insuficientes”. 

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