Dos muitos casos que vieram a público com a comissão de inquérito à TAP, o caso da tentativa de alteração de um voo comercial revela-nos, de forma cristalina, a promiscuidade entre interesses político-partidários e empresas com participação do estado. Mostra igualmente como o interesse público pode ser desprezado, quer por políticos quer por quem é nomeado para a gestão destas instituições.
Se isto acontece com uma empresa que (1) é apenas detida em 50% pelo estado, (2) está envolta em várias polémicas e (3) originou um rombo de biliões (que será suportado pelos contribuintes), imaginemos essa interferência em instituições com maior dependência do estado e fora do radar da opinião pública. Refiro-me a empresas públicas (ou institutos), às provedorias, à própria DGS, entre muitas outras.
Mas, para além dessas ilações, talvez não muito surpreendentes, ficaram muitas pontas soltas. Entre elas a questão do pedido de antecipação de um voo da TAP para satisfazer a agenda do Presidente. Emails tornados públicos pela própria RTP3, revelam o pedido de alteração desse voo por parte de responsáveis da agência de viagem que trabalha com a Presidência.
Será que é crível que uma agência de viagens peça, por iniciativa própria, a antecipação de um voo comercial, perturbando a vida de mais de duas centenas de pessoas e sujeitando a TAP ao pagamento de avultadas indemnizações?
Será crível que todos os intervenientes estejam completamente equivocados ao assumirem que o pedido era do próprio presidente, ao ponto de um membro do governo assegurar que caso não fosse satisfeito, o presidente poderia retirar “o seu apoio político”?
A própria CEO da TAP assume que a sua preocupação “é que se isto se tornar público, e podemos acreditar que se tornará, não será bom para ninguém.”.
Apurar a verdade
Mas mais do que lançar conjeturas, opiniões pessoais ou desconfianças, o que é importante é apurar-se a verdade. Só assim é possível retirar a suspeição que paira sobre inocentes, descobrir os responsáveis morais e tirar ilações dessas descobertas.
Por isso, estas duas perguntas devem ser respondidas:
Foi alguém da agência de seguros que (por mais de uma vez) solicitou alterações de voo por iniciativa própria?
Ou, pelo contrário, foi mesmo a própria Presidência da República, ou algum seu representante, que teve essa iniciativa?
Em qualquer dos casos, a situação é grave.
A agência de viagens recusa esclarecer qual o responsável máximo desse pedido e prestar qualquer esclarecimento sobre o tema. Os deputados parecem também não ter grande interesse em obter essas respostas, quando estão em ótima posição para o tentar conseguir. Bastaria para isso questionar os responsáveis da empresa de viagens (de recordar que é crime mentir no âmbito de uma comissão de inquérito).
Não podemos tolerar um mundo em que a ocultação de informação de interesse público é normalizada. Declarações vagas e responsáveis fantasma não são esclarecimentos, são cortinas de fumo.
Também aqui a verdade é importante.