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A Encruzilhada Geoestratégica do Nepal: Belt & Road Initiative versus Millennium Challenge Corporation (I)

Com uma área de quase 150.000 quilómetros quadrados, sem costa marítima, possuindo as mais altas montanhas do mundo e com uma população a rondar os 30 milhões de habitantes, o Nepal é um pequeno país do sul da Ásia, enquadrado entre as duas mais populosas nações do mundo, a Índia e a China. A população nepalesa reparte-se em proporções iguais entre homens e mulheres (49% versus 51%), embora no total 14% desta se encontre abaixo da linha de pobreza (1,5 USD de PIB per capita, para um limiar internacionalmente aceite de 1,9 USD). A estimativa do PIB para 2023 é de 46 biliões de dólares, um crescimento de 4,4% relativamente a 2022 mas ainda longe dos anos pré-covid. O turismo e a produção de energia são os setores com maior crescimento, cada um deles a subir 19% em 2023.

A população ativa corresponde a cerca de 55% da população total mas, apesar disso, a taxa de desemprego é baixa (cerca de 5%), o que se explica pelos extratos etários em idade não laboral (crianças, jovens e idosos). A idade média da população é 27 anos (26 nos homens e 28 nas mulheres). A população tem crescido cerca de 1% ao ano e cerca de 22% das pessoas habitam nas cidades. A esperança média de vida é 73 anos, praticamente igual para homens e mulheres, o que é um bom indicador para esta região do globo.

A taxa de literacia/nível de educação da população ronda os 70%, o que se pode considerar excelente. Existem 34 universidades no Nepal (35% públicas e 65% privadas). Nestas escolas são ministrados cerca de 4.500 cursos (68% de 1º nível, 29% de 2º nível e 3% de 3º nível).

Não foi possível apurar o número total de alunos universitários no Nepal, sabendo-se apenas que a Tribhuvan University, a mais antiga do país, possui cerca de 500.000 e é a maior do mundo em número de alunos. No entanto, o país debate-se presentemente com um grave problema de fuga de cérebros, pois só em 2022-23 mais de 110.000 alunos solicitaram a continuação dos seus estudos (pós-graduados) no estrangeiro, prevendo-se que a maioria não regresse.

A atividade do país reparte-se entre o setor primário (agricultura, 24%), secundário (indústria, 14%) e terciário (turismo, 62%). A economia nepalesa é fortemente dependente das relações comerciais com a Índia (64% das importações e 68% das exportações, segundo dados de 2023), verificando-se uma menor dependência face à China (para o mesmo período, apenas 14% das importações e 2% das exportações). A principal exportação do Nepal para a Índia é energia elétrica, que corresponde a praticamente 40% das exportações nepalesas para este país. O grau de dependência face à economia indiana tem aumentado desde a assinatura do Tratado de Paz e Amizade em 1950.

Apesar de ter sido assinado em 1960 um tratado semelhante com a China, a realidade é que o nível de relacionamento económico foi sempre menor. Mas nos últimos tempos, o investimento chinês no Nepal tem subido de forma muito significativa a nível privado, nomeadamente no setor do turismo e áreas adjacentes (imobiliário, construção, tecnologia, restauração e afins), usando quase sempre o “modelo Belt & Road” (importação de empresas e respetivos trabalhadores). Apesar disto, após a pandemia covid, que afetou substancialmente a economia nepalesa, o turismo chinês baixou e as performances do turismo encontram-se hoje a níveis de 2010-2011.

Em termos políticos, o Nepal é governado por uma coligação “contra-natura”, tendo como pilares o Partido Comunista do Nepal (maoista), do primeiro ministro Pushpa Dahal, e o Congresso Nepalês (centrista liberal). É um jogo de interesses de contínuo desgaste, no qual os grandes prejudicados são o povo em geral e os jovens em particular. Na linha da frente da oposição está o Partido Comunista do Nepal-UML, de Oli e Yogesh Bhattarai. O Partido Nacional Independente (RSP, criado em 2022), é um novo partido com forte aceitação junto dos jovens, assim como Balen Shah, engenheiro e rapper, atual presidente da Câmara Municipal de Kathmandu.

Ao nível da política internacional, o Nepal depende da diplomacia para garantir a sua defesa nacional. Mantém uma política de relações equilibradas com a China e a Índia, e amigáveis com os outros países da região, bem como uma política de não alinhamento a nível global. Mantém relacionamento diplomático com 167 países e com a União Europeia, possuindo 30 embaixadas (planeia em breve abrir mais 8, 6 delas em países europeus) e 6 consulados. 25 países têm embaixadas no país e outros 80 têm missões diplomáticas não residenciais. O Nepal é membro ativo da Associação para a Cooperação Regional do Sul da Ásia (SAARC) e da ONU, na qual é um dos principais contribuintes para as missões de manutenção da paz, tendo participado com cerca 120.000 cidadãos em 42 missões, desde 1958.

Em termos político-económicos, o Nepal aderiu em 2017 ao programa chinês de apoio ao desenvolvimento, Belt & Road Initiative (BRI), e em 2022 ao norte-americano Millennium Challenge Corporation (MCC). Segundo as autoridades chinesas, este país investiu no Nepal, entre 2017 e 2022 ao abrigo da BRI, cerca de 11 biliões de dólares, sendo os projetos mais emblemáticos o Aeroporto Internacional de Pokhara, o Panda Pack, a linha de caminho de ferro Kerung-Kathmandu e a Trans-Himalayan Multi-Dimensional Connectivity Network. No que respeita ao aeroporto de Pokhara o governo do Nepal nega a sua inclusão na BRI, enquanto os dois últimos projetos ainda não saíram do papel. No que respeita ao MCC, os Estados Unidos da América disponibilizaram 500 milhões de dólares para projetos nas áreas da distribuição e transporte de energia elétrica e da recuperação/manutenção da rede viária.

Em ambos os casos, BRI e MCC, a ação dos lobbys chinês e indiano/americano em Kathmandu tem causado um significativo desgaste no andamento dos projetos. A periclitante estabilidade política leva a que diversos partidos se oponham a ambos os acordos, com efeitos práticos na respetiva implementação. Por outro lado, existem exemplos práticos algo surreais, como no caso da estrada entre Kathmandu – Damauli – Pokhara, que é financiada no âmbito do MCC mas que está a ser construída por uma empresa chinesa, o que tem provocado atrasos na obra bem para lá do desejável. Todos estes acontecimentos fazem lembrar a crise política no Sri Lanka em 2022, que teve subjacente disputas semelhantes entre norte-americanos e chineses naquele país. Estará o Nepal a salvo de no futuro sofrer uma crise semelhante?

José Alberto Pereira

PhD, Wagner Watch Project, Observatório Segurança & Defesa SEDES

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