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A Encruzilhada Geoestratégica do Nepal: Belt & Road Initiative versus Millennium Challenge Corporation (II)

Mas, afinal, o que torna o Nepal, a nível geoestratégico e geopolítico, tão importante para chineses, indianos e norte-americanos? Em primeiro lugar, a sua geografia. Este pequeno país, de relevo rasgado e cultura ancestral, enquadrado entre as duas mais populosas nações do mundo, funciona naquela região como a Bélgica ou a Suíça na Europa: é um estado tampão. Por outro lado, o Nepal possui uma enorme capacidade de produção hidroelétrica, da qual a principal beneficiária é hoje a Índia (o acordo MCC reforça este privilégio). Em termos de recursos naturais, o Nepal possui um subsolo riquíssimo, com mais de 20 qualidade de minerais, que incluem ouro, prata, zinco, tungsténio e outros.

Em termos geoestratégicos, o Nepal possui uma fronteira de 1.400 quilómetros com o Tibete, região administrativa da China desde pelo menos 1950. Apesar de se encontrar em alta montanha, pertencendo o Evereste simultaneamente aos dois países, o Nepal tem uma tradição de acolher refugiados nepaleses, o que a China considera como uma atitude hostil. Por fim, os chineses consideram o Nepal como um posto avançado para se aproximarem da Índia e, indiretamente, da influência norte-americana na região do Indo-Pacífico.

Para os indianos, o Nepal é uma espécie de coutada que têm dominado e manipulado a seu bel-prazer. Desde o Tratado de Amizade assinado em 1950, a Índia tem reforçado a sua posição nas relações bilaterais com o Nepal, criando uma dependência económica, política e social que serve os seus interesses geoestratégicos na região. Após a reunião dos BRICS de 2022 em Joanesburgo, os Estados Unidos da América têm vindo a reforçar a sua relação com a Índia, como forma de influenciar a orientação geoestratégica e geopolítica desta organização, procurando contrariar as posições da China e da Rússia.

Desta forma, indiretamente através da Índia é também a posição dos Estados Unidos que se joga no Nepal, bem como a respetiva proximidade territorial à China e a sua potencial dominância na região do Indo-Pacífico. A ratificação pelo parlamento nepalês do acordo MCC em fevereiro de 2022 é um claro sinal desta estratégia, assim como o é a influência que a embaixada norte-americana em Kathmandu tem sobre a política nepalesa.

Em conclusão, o Nepal é um país antigo com uma população jovem, pobre mas educada, a viver em condições bastante deficientes e com níveis de pobreza elevados. Os jovens não encontram no país as saídas que precisam para o seu futuro, por isso procuram-nas no estrangeiro, ou através da formação pós-graduada ou simplesmente procurando trabalho. A imigração nepalesa é um fenómeno cada vez mais preocupante, pois retira do país os estratos populacionais com maior potencial de contribuição para o seu desenvolvimento, sem que o governo nada faça para a conter. Politicamente o Nepal é bastante instável, assente em coligações de ocasião e com ferozes lutas políticas, patrocinadas por interesses externos que quase sempre prejudicam o país. Os interesses estrangeiros, sobretudo o indiano e chinês, minam a independência nacional do ponto de vista político, económico e social. Os políticos no poder são, na maioria, os que restam do período revolucionário 1996 – 2006 e é evidente a sua incapacidade para entenderem o mundo em que hoje vivem. A legislação é por vezes surreal e ineficaz, a burocracia é omnipresente e, aliada à corrupção generalizada, impedem a implementação das medidas necessárias para o desenvolvimento nacional.

O Nepal é hoje refém das grandes potências regionais e mundiais. O governo e a classe política são incapazes de planear e definir um rumo próprio para o país fora destas balizas, esquecendo os seus interesses pessoais e focando no interesse nacional. A dívida pública é muito elevada e continua a aumentar. No entanto, para um país pobre, o número de bancos existentes é muito elevado, o que deixa margem para dúvidas quanto baste. Os novos políticos, como Balen Shah, congregam o apoio dos descontentes mas levantam dúvidas quanto aos apoios de que dispõem.

É neste cenário que se joga o background da estratégia para o Indo-Pacífico, quer chinesa quer norte-americana. Vejamos o que o novo ano reserva aos nepaleses, nomeadamente por via das eleições gerais na Índia no primeiro semestre de 2024 e das eleições presidenciais nos Estados Unidos da América.

José Alberto Pereira

PhD, Wagner Watch Project, Observatório Segurança & Defesa SEDES

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