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Escândalo do sangue contaminado no Reino Unido: “a verdade foi escondida durante décadas”

Um inquérito divulgado no mês passado revela que entre os anos 70 e 80, mais de 30 mil pessoas no Reino Unido receberam tratamentos ou transfusões com sangue contaminado com VIH e Hepatite C, resultando na morte de três mil pessoas. O responsável pelo inquérito diz que a tragédia podia ter sido, em grande parte, evitada, e acusa os sucessivos governos britânicos de esconderem informação. Em Portugal, um caso com contornos semelhantes ocorreu em 1986, com a contaminação de hemofílicos com o vírus da SIDA. Leonor Beleza e outros membros da sua equipa foram acusados pelo Ministério Público, primeiro por homicídio por negligência, e depois por propagação de doença contagiosa, mas o caso acabou arquivado devido à prescrição dos eventuais crimes.

Durante duas décadas, entre os anos 1970 e 1990, o Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) utilizou sangue e produtos sanguíneos infetados com o vírus da SIDA (VIH) e Hepatite C para tratar doentes com distúrbios hemorrágicos, como hemofilia, e fazer transfusões. Estima-se que mais de 30 mil terão sido infetadas e três mil terão morrido, de acordo com um inquérito iniciado em 2017, durante o executivo de Theresa May, e cujo relatório só foi divulgado no mês passado.

O responsável pelo relatório, o juiz Brian Langstaff, é implacável com as autoridades britânicas, e acusa-as de terem escondido a verdade “durante décadas”, e de estarem cientes dos riscos desde 1948. Além disso, salienta que a tragédia poderia ter sido prevenida: “Eu tenho de reportar que isto poderia ter sido, em grande parte, embora não inteiramente, evitado”, afirma.

O relatório, de 2.527 páginas, revela que as autoridades de saúde do Reino Unido aceitaram doações de sangue de grupos de alto risco, como presidiários, até 1986, e que os produtos sanguíneos não foram devidamente tratados para eliminar o VIH até ao final de 1985 – apesar de as autoridades saberem do risco desde 1982.

Langstaff atira críticas demolidoras à gestão do caso feita pelos sucessivos governos do país, e imputa-lhes a “destruição deliberada de alguns documentos e perda de outros”. Por outro lado, frisa também a falta de apoio psicológico e aconselhamento providenciado às vítimas e às respetivas famílias, dizendo que o Estado britânico lhes faltou de forma reiterada.

Em reação à divulgação do relatório, o primeiro-ministro Rishi Sunak culpabilizou também a conduta dos últimos governos e prometeu compensar as vítimas, que deverão começar a ser indemnizadas no final do ano. “Sabia-se que estes tratamentos estavam contaminados. Os avisos foram ignorados repetidamente. Uma e outra vez, pessoas em posições de poder e confiança tiveram a oportunidade de impedir a transmissão dessas infeções”, afirmou.

As indemnizações poderão custar 11 mil milhões de euros ao Estado britânico.

Em Portugal, um caso com contornos semelhantes ocorreu em 1986, com a contaminação de hemofílicos que receberam produtos derivados do plasma humano que continham o vírus da SIDA. Em dezembro daquele ano, a então ministra da Saúde do governo de Cavaco Silva, Leonor Beleza, havia sido advertida pela Associação Portuguesa de Hemofilia (APH) sobre os lotes contaminados com VIH, e, em vez de exigir imediatamente a sua recolha, só o fez dois meses e meio depois, concedendo ainda um prazo de 90 dias para que a ordem entrasse em vigor.

Leonor Beleza e outros membros da sua equipa foram acusados pelo Ministério Público, primeiro por homicídio por negligência, e depois por propagação de doença contagiosa com dolo eventual. Depois de um ‘arrastar’ do processo judicial ao longo de duas décadas, o Supremo Tribunal de Justiça determinou o arquivamento do caso por prescrição dos crimes.

Graças à APH, no entanto, as vítimas foram indemnizadas no valor de 60 mil euros e tiveram ainda direito a apoios sociais.

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