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Investigação universidades: o investimento milionário das grandes farmacêuticas

A Universidades de Lisboa, Nova de Lisboa, do Porto e de Coimbra já receberam mais de 4,2 milhões de euros da indústria farmacêutica desde 2020, de acordo com os dados do Infarmed. Vários dos peritos mais mediáticos na área da Saúde ocupam posições de topo nestas instituições, e alguns recebem mesmo financiamentos diretos das farmacêuticas, sem que declararem esses conflitos de interesse ao público. É, por exemplo, o caso de Carlos Robalo Cordeiro, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que, desde 2020, já recebeu mais de 103 mil euros de empresas como a Pfizer, a Merck ou a Sanofi.

Faltam ainda seis meses para o final do ano, mas, neste quinquénio de 2020-24, a Universidade de Lisboa, a Nova, a do Porto e a de Coimbra já receberam, pelo menos, 4.202.638 euros da indústria farmacêutica.

Como o The Blind Spot começou a noticiar esta segunda-feira, a partir de uma análise aos dados disponíveis no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, as grandes farmacêuticas têm-se revelado importantes financiadoras das principais universidades portuguesas – com a Universidade Nova de Lisboa e a Universidade do Porto a figurarem como aquelas que receberam montantes superiores.

Entre as quatro universidades, de facto, é a do Porto que surge como a universidade do país que tem mais financiamento declarado. Desde 2020, aquela instituição pública de ensino já amealhou pelo menos 1.243.420 euros em ações e eventos patrocinados. No entanto, a parcela ‘de leão’ deste valor teve como destinatário o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto, que absorveu 889.484 euros, concedidos por uma única farmacêutica: a Merck, S.A. E o montante recebido pela gigante farmacêutica ‘dividiu-se’ em apenas três contratos destinados a prestação de serviços. Dos três, o de maior valor é de 349.884 euros e reporta-se ao ano de 2023, embora só tenha sido submetido na Plataforma do Infarmed este ano.

No caso da Universidade de Lisboa, a esmagadora maioria dos patrocínios foram para o Instituto de Medicina Molecular (iMM), um dos principais centros de investigação do país. Dos cerca de 792.551 euros declarados por aquela universidade, 573.449 destinaram-se ao Instituto presidido pela cientista Maria do Carmo Fonseca. O donativo mais ‘generoso’ recebido pelo iMM remonta ao ano de 2020, e foi feito pela Sanofi, no valor de 100 mil euros, para “apoio a [um] projeto de investigação”. O outro montante que salta à vista como o segundo mais elevado fica a uma larga distância do primeiro, sendo “apenas” de 30 mil euros – providenciado pela ViiVHIV Healthcare – e tratando-se de um “donativo covid-19” realizado ainda em 2021.

Gozando também de um enorme prestígio, a Universidade de Coimbra registou uma assinalável contribuição financeira por parte das farmacêuticas – incluindo-se as unidades hospitalares pertencentes àquela instituição, e respetivas associações de apoio. Segundo o Portal do Infarmed, o valor global foi, até agora, de cerca 732.877 euros. Mais de metade deste montante – 484.542 euros – foi concedida pela PTC Therapeutics, uma biofarmacêutica que se dedica a doenças raras, e foi precisamente alocado para os Hospitais da Universidade de Coimbra. Outras quantias menos elevadas, mas também significativas, foram concedidas diretamente à Universidade: um financiamento de 40 mil euros, pela Gilead, seguindo-se a Roche, com um patrocínio de 20 mil euros para a implementação de um projeto, e a Merck, que fez dois pagamentos de 15 mil euros para apoio a bolsas de investigação.

FontePlataforma – Transparência e Publicidade (infarmed.pt)

Mais de meio milhão para a Universidade do Minho e para a Católica

Há ainda outras reputadas universidades portuguesas que, não estando na ‘liga’ das maiores, são, ainda assim, de grande destaque a nível nacional – e são dignas de nota pelas contribuições substanciais que auferem da indústria farmacêutica.

É o caso da Universidade Católica Portuguesa, que auferiu pelo menos 276.422 euros nos últimos quatro anos e meio. Neste caso, a Roche é a gigante farmacêutica que surge mais vezes na lista, embora os últimos donativos sejam do ano passado. Ambos foram concedidos para “apoio a educação/formação”, um no valor de 20 mil euros, e outro de 31 mil. Se considerarmos apenas o ano atual, foi a AstraZeneca quem mais dinheiro ‘desembolsou’ para esta universidade, alocando 19.800 euros para o “Estudo dos Ganhos de Saúde e das Vantagens Económicas do Uso de Dapagliflozina em Portugal”.

E o mesmo acontece com a Universidade do Minho, que conseguiu um ‘pecúlio’ de 234.295 euros. Para esta instituição, as duas maiores verbas vieram da farmacêutica Gilead (detentora de medicamentos contra a covid e a gripe sazonal, por exemplo) – uma de 66.383 euros, e outra de 57.709 euros.

‘Incubadoras’ de especialistas

São comuns as portas giratórias entre as principais universidades do país, o ‘comentariado’ nacional e os cargos de decisão política entre os supostos “peritos” na área da Saúde, mas o problema surge quando os seus conflitos de interesse são ocultados ao público. E foi do ‘topo’ destas universidades, que constam da ‘lista’ de pagamentos das grandes farmacêuticas, que alguns especialistas mais mediáticos foram catapultados – alguns deles muito ativos durante a pandemia, uma altura em que várias farmacêuticas financiaram ações relacionadas com a covid-19 nas universidades, ou patrocinaram diretamente os próprios peritos.

São disto exemplo nomes como Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto; Raquel Duarte, também do mesmo Instituto da Universidade do Porto; Manuel Carmo Gomes, professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Carlos Robalo Cordeiro, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; e Miguel Castanho, virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Alguns destes peritos recebem mesmo financiamento direto da indústria farmacêutica, seja a título pessoal ou por via das suas empresas. É o caso do pneumologista Carlos Robalo Cordeiro, que desde 2020, já arrecadou 103.176 euros – uma parte, foi para a sua empresa por quotas, a Robalo Cordeiro, Lda. Este ano, recebeu, pelo menos, 4.986 euros de várias farmacêuticas, incluindo a Pfizer, a Merck Sharm & Dohme e a Sanofi.

Ver também:

Investigação “Estudo fantasma”: U. Nova recebeu mais de um milhão de euros de farmacêuticas – The Blind Spot

Investigação “estudo-fantasma”: TBS vai avançar com queixa-crime se notícia falsa não for desmentida – The Blind Spot

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