Do debate entre o ex-presidente e a ‘vice’ de Joe Biden esta terça-feira, parece ter saído um amplo consenso entre os comentadores e a imprensa mainstream nacional e internacional: Donald Trump mentiu muitas vezes, enquanto Kamala Harris, não. Além de os moderadores terem corrigido o candidato republicano várias vezes e não o terem feito com Harris, foi também evidente o viés na análise depois do confronto. E apesar de se terem classificado como mentiras as afirmações discutíveis, ou não comprovadas, de Trump, ignoraram-se as inverdades ditas pela candidata do partido democrata, que fez diversas alegações e acusações totalmente infundadas.
De acordo com muitos “comentadores” portugueses e grande parte da comunicação social mainstream, o ‘faltar à verdade’ foi um dos principais aspectos que diferenciou a prestação de Donald Trump e Kamala Harris no debate presidencial desta terça-feira. As inverdades ditas pelo ex-presidente americano foram amplamente escrutinadas, ao contrário daquelas que proferiu a ‘vice’ de Joe Biden – muito embora estas não tenham sido menos óbvias ou em menor quantidade. Para colmatar essa lacuna, o The Blind Spot fez um “fact-checking” a algumas das mentiras flagrantes da candidata do partido democrata durante o debate na transmitido pela estação televisiva ABC.
Charlottesville
Uma das afirmações que é atribuída a Trump com mais frequência – erradamente – é a de que os neonazis a supremacistas brancos que participaram numa manifestação na cidade de Charlottesville em 2017 seriam “boas pessoas”. Kamala Harris repetiu-o debate, mas a acusação não corresponde à verdade dos factos. Com efeito, no discurso em causa, no qual afirmou que havia “boas pessoas em ambos os lados”, o ex-presidente esclareceu de forma cabal que não se referia aos ‘extremistas’, e que os neonazis e nacionalistas brancos deviam ser “condenados”. Inclusivamente, esta polémica chegou já a ser alvo de um fact-checking pelo site Snopes, insuspeito de ter qualquer simpatia pelo candidato republicano. Porém, foi agora usada como ‘arma de arremesso’ por Kamala Harris sem merecer qualquer ressalva por parte da imprensa ou dos jornalistas que moderaram o debate.
Kamala não defendeu o confisco de armas?
Acusada por Trump de querer confiscar as armas de fogo à população, a vice-presidente retorquiu com um “páre de mentir”. Mas será esta uma mentira? Na verdade, há vídeos de Kamala Harris a defender a obrigatoriedade de um programa que prevê a “retoma” de armas dos cidadãos americanos. Em 2019, a candidata disse explicitamente que apoiava a medida, frisando mesmo que esta seria uma das suas prioridades enquanto presidente.
Trump quer proibir o aborto?
Foi outro dos ataques de Kamala Harris, mas a resposta é simples: não. Por diversas vezes, Donald Trump já esclareceu que não irá apoiar uma proibição do aborto a nível nacional; algo que lhe valeu até algumas críticas de apoiantes do seu partido. De facto, o ex-presidente defendeu em abril que deve deixar-se que cada estado americano tome a sua posição sobre o tema e determine as restrições à interrupção voluntária da gravidez. Deste modo, afastou a possibilidade de aprovar qualquer legislação federal que coloque essa liberdade em causa.
O infame “banho de sangue”
“Vai haver um banho de sangue se eu não vencer as eleições [de 2024]”. Trata-se de uma frase totalmente retirada do contexto por muitos jornais, e que foi aproveitada para fomentar a ideia de que os apoiantes de Trump se revoltariam caso o antigo presidente não fosse reeleito – ao ponto de morrerem pessoas. No entanto, há muito que esta suposta declaração de Trump, utilizada também por Harris, foi esclarecida: aquilo que o candidato republicano disse, efetivamente, e que na altura foi ‘cortado’ em várias notícias, é que iria haver um “banho de sangue” para a indústria automóvel norte-americana. Ainda assim, nem os moderadores durante o debate, nem a imprensa, posteriormente, corrigiram Kamala Harris.
O “Projeto 2025”
Embora Donald Trump já tenha rejeitado publicamente uma associação ao “Projeto 2025”, Kamala Harris acusou o candidato de querer implementá-lo se for reeleito. O programa em causa foi elaborado pelo think-thank conservador The Heritage Foundation e propõe um conjunto de medidas de ‘direita’ ao partido republicano caso este chegue novamente ao poder. No entanto, Trump não tem qualquer ligação ao projeto, e nunca se comprometeu a pô-lo em prática, tendo-o até chamado “ridículo”.