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Porque não vivemos em democracia

Nós, europeus, já perdemos a conta ao número de vezes que ouvimos concidadãos, agentes políticos ou burocratas não-eleitos falar da nossas democracias liberais como se fossem o bem mais precioso que temos. Quase não passa um dia em que não haja alguém a dissertar no espaço público sobre a importância de proteger a “democracia” dos movimentos populistas de direita radical que a ameaçam.  

No entanto, grande parte destes discursos fervorosos em defesa da democracia denotam uma profunda ignorância quanto à essência de um Estado verdadeiramente democrático, repetindo apenas clichés e frases feitas – que em Portugal, invariavelmente, incluem o 25 de Abril.  

Por outro lado, a hipocrisia  patente nas ‘juras de amor’ que políticos e burocratas não-eleitos fazem à democracia, não obstante serem, os próprios, os responsáveis pela corrosão dos ideais democráticos, é quase insuportável.  

Efectivamente, a “democracia” que todos estes grupos dizem defender não passa de uma fachada. E no livro “Démocratie: le problème”, lançado há 40 anos e traduzido para inglês em 2011 com o título “The problem of democracy” [O problema da democracia], o intelectual frânces Alain de Benoist explica (muitíssimo bem) porquê. 

“Uma democracia é a participação de um povo no próprio destino” (Moeller van den Bruck) 

Se concebermos a democracia como um sistema assente no poder do povo através de um envolvimento activo nas decisões tomadas, é fácil concluir que, hoje, esta participação é tão irrisória e simbólica, que a soberania popular já é pouco mais do que uma miragem. O poder está hoje nas mãos de grandes corporações ou entidades supranacionais. A ‘fatia de leão’ dos actos decisórios não está sequer no Presidente da República ou no primeiro-ministro eleitos – em processos que, diga-se, já em si são extremamente questionáveis. 

“O conceito-chave de uma democracia não são números, sufrágios, eleições ou representação, mas participação. (…) Portanto, não são as instituições que fazem a democracia, mas sim a participação das pessoas nas instituições. O pináculo de uma democracia não reside no ‘máximo de liberdade’ nem no ‘máximo de igualdade’, mas no máximo de participação.” 

Mas mesmo se nos atermos a um nível mais superficial, em que consideramos os partidos políticos como determinantes para a representação democrática do povo, ninguém pode afirmar com seriedade que a democracia é plenamente concretizada.  

Com efeito, também no plano político-partidário, tal como é explicado no livro, o cidadão não é mais que “uma peça numa engrenagem sob a qual ele não tem nenhum controlo, e que é dirigida por políticos que, efectivamente, não são responsabilizados”. 

“Os partidos políticos não operam democraticamente enquanto instituições. A tirania do dinheiro ‘vicia’ a competição e engendra a corrupção. A votação massiva impede os votos individuais de se tornarem decisivos. Os candidatos eleitos não são encorajados a manterem os seus compromissos.” 

Outra premissa que anda sempre de mãos dadas com a conceptualização moderna da democracia, é a da liberdade de imprensa; tida sempre como essencial para um funcionamento saudável do nosso sistema democrático. Porém, de igual modo, a liberdade de imprensa, que tantas paixões suscita, tornou-se um mero slogan publicitário, pouco efectivado – por muito que o encontremos em todos os jornais. É como uma promessa que nunca é cumprida. As ideias que vemos replicadas em quase todos os órgãos de comunicação social parecem apenas formas diferentes de dizer o mesmo. Há, claramente, um estrito consenso (sobre os mais diversos temas) que ninguém pode quebrar, sob pena de ser enxovalhado, excluído, criticado. Além disso, o suposto combate à desinformação tornou-se uma arma persecutória para escorraçar todos os pensamentos dissidentes. Também isto, é belíssimamente resumido por Alain de Benoist: 

“As opiniões não são formadas de forma independente: a informação é enviesada (impedindo a livre capacidade de escolha) e uniformizada (reforçando a tirania da opinião pública). A tendência da padronização das plataformas e dos argumentos políticos faz com que seja cada vez mais difícil distinguir entre diferentes opiniões. A vida política torna-se assim puramente negativa e o sufrágio universal passa a ser percepcionado como uma ilusão. O resultado é a apatia política – um princípio que é o oposto da participação, e, portanto, da democracia.” 

Há ainda um outro factor crucial, muitas vezes esquecido, que tem vindo a erodir as democracias ocidentais: o ‘definhar’ dos povos europeus – através da alarmante queda da natalidade, da perda de um sentimento de pertença ao colectivo (Estado-nação), e de uma imigração massiva, que implica, inevitavelmente, uma assimilação de outras nacionalidades, culturas e religiões, e que vai diluindo as das populações nativas.   

“Uma democracia pressupõe o poder do povo, ou seja, o poder de uma comunidade orgânica que se desenvolveu ao longo da História no contexto de uma ou mais estruturas políticas – por exemplo, uma cidade, nação ou império. Quando não existe um povo mas apenas um conjunto de átomos individuais socializados, não pode haver nenhuma democracia. Qualquer sistema político que requeira a desintegração ou o nivelamento do povo para poder operar – ou a erosão do sentimento de pertença dos indivíduos a uma comunidade histórica orgânica – não pode ser considerado democrático.” 

E hoje, em Portugal e em diversos países da Europa, cresce vertiginosamente o número de “cidadãos” que apenas o são no papel, nada partilhando em comum; quer em termos culturais, religiosos ou históricos. Dificilmente, todos juntos, alguma vez farão um “povo”. E sem um povo unificado, como salienta Benoist, não pode existir democracia.  

“Num sistema democrático, os cidadãos possuem todos direitos políticos iguais, não por virtude de quaisquer alegados direitos inalienáveis da ‘pessoa humana’, mas porque todos pertencem ao mesmo povo enquanto comunidade e nação – isto é, por virtude da sua cidadania. Na base de uma democracia não está a ideia de ‘sociedade’, mas de uma comunidade de cidadãos que herdaram todos a mesma história e/ou desejo de continuar essa história rumo a um destino comum. O princípio fundamental de uma democracia não é, pois, ‘um homem, um voto’, mas sim ‘um cidadão, um voto’.” 

Além destes pontos fundamentais que comprovam a degeneração dos ideais democráticos no Ocidente, o autor desmente a noção muito comum de que a democracia é um produto da modernidade, e que é a forma mais desenvolvida de governação. Na verdade, os princípios democráticos no Ocidente remontam à Antiguidade. Além disso, muitos reis foram também eleitos democraticamente. A primeira monarquia hereditária só seria instaurada em França já no século XIII. Ainda hoje, aliás, como vemos em países muito próximos (Espanha e Inglaterra, por exemplo), uma monarquia não é incompatível com os preceitos democráticos. 

E, ainda mais importante: Alain de Benoist desfaz vários mitos acerca daquilo a que chamamos “democracia” e explica como adquiriu um carácter quase religioso, mas também desprovido de substância. 

No prefácio da versão inglesa as palavras do croata Tomislav Sunic envelheceram como vinho. Sunic está certo de que, se amanhã eclodir a Terceira Guerra Mundial, “será provavelmente racionalizada pelos proponentes da democracia, que invocarão a já bem testada frase “Vamos tornar o mundo seguro para a democracia!’”. 

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