Por quatro artigos publicados pelo Expresso na sequência de contratos com entidades públicas que previam a organização, cobertura e promoção de eventos, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social aplicou uma coima à Impresa, deliberando que o semanário do grupo deveria ter identificado as peças em causa como “publicidade”. As notícias abordavam temas como o ensino, o ambiente e a igualdade de género. O grupo de media rejeitou qualquer incumprimento e considera que é a ERC que “presume que não pode haver conteúdos pagos que sejam conteúdos jornalísticos” – mas, na verdade, a Lei da Imprensa afirma, sem margem para dúvidas, que todos os conteúdos em que haja contrapartidas financeiras são “publicitários” e devem ser devidamente identificados como tal.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) multou a Impresa, grupo que detém a SIC e o Expresso, depois daquele semanário não ter identificado como “publicidade” artigos que resultaram de iniciativas pelas quais recebeu contrapartidas financeiras.
Numa deliberação publicada no passado dia 5 de Março, o regulador refere que, na sequência de uma participação, identificou no Portal Base três contratos do grupo de media para a prestação de serviços de apoio, organização, cobertura e promoção de eventos. Os contratos foram celebrados com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Secretaria-Geral de Educação e Ciência e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Após a celebração dos mesmos, o Expresso publicou quatro peças – assinadas por jornalistas – intituladas “Taxa de abandono escolar precoce caiu 10% desde 2013”, “Duarte Cordeiro: ‘Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade’”, “Conquistas no emprego e igualdade de género poderão ‘regredir’ com a pandemia”, e “Mulheres duplamente penalizadas com a crise”.
A ERC, que diz estar ‘convicta’ de que os artigos “foram elaborados na sequência dos mencionados contratos, pois os mesmos promovem os eventos visados pelos contratos”, apenas conseguiu provar, no entanto, uma relação directa no caso da peça sobre o abandono escolar, publicada após o contrato com a Secretaria-Geral de Educação e Ciência, assinado em Março de 2022 no valor de 29 mil euros. O contrato previa a organização de uma conferência para o Programa Operacional Capital Humano (POCH), e, entre outros serviços, a “moderação dos painéis por diretor do Expresso/SIC ou jornalista/pivot da SIC Notícias”, e a “entrevistas aos oradores do evento”.
O artigo, lê-se na deliberação, “contém um conjunto de questões” sobre a conferência. E, embora reconheça “interesse jornalístico” na “promoção do sucesso escolar e a redução do abandono escolar”, para o regulador, o tema serviu de pretexto para que o jornal promovesse o evento, e destacasse o sucesso do programa e a importância deste debate.
Quanto aos restantes artigos, a ERC não conseguiu apurar se os contratos celebrados pelo grupo estabeleciam “expressamente” a publicação daqueles conteúdos no semanário do grupo, já que não teve acesso aos Cadernos de Encargos e aos “termos específicos” contratualizados.
Contudo, também os dois artigos sobre a penalização das mulheres com a crise e o impacto da pandemia na igualdade de género apresentam referências directas ao evento anual do Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego (POISE), em que o Expresso foi parceiro – através de um contrato com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social no valor de 19.800 euros.
Do mesmo modo, o artigo sobre a biodiversidade discorre sobre uma iniciativa do ICNF, intitulada Missão Natureza 22, e à qual o semanário também se associou. De facto, o grupo de media celebrou um contrato com aquele instituto, no valor de 19.500 euros, prevendo a prestação de “serviços de apoio, organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022”.
Coima de 2 mil euros por violação da Lei da Imprensa
Os artigos foram acompanhados da etiqueta “Projetos Expresso”, mas o regulador considera que esta identificação não é suficiente para sinalizar o seu cariz promocional.
“As menções «Projetos Expresso» e «em parceria com o Expresso» não são idóneas a indicar aos leitores que estão perante conteúdos publicitários e pelos quais a Arguida recebeu um pagamento para os publicar, pois estas referências não permitem extrair, de imediato, qual a finalidade e natureza dos artigos em causa”, lê-se na deliberação.
Em matéria de conteúdos publicitários, a Lei da Imprensa, no seu artigo 28º, nº 2, é clara: “Considera-se publicidade redigida e publicidade gráfica todo o texto ou imagem cuja inserção tenha sido paga, ainda que sem cumprimento da tabela de publicidade do respectivo periódico”.
Ademais, tal como salienta a ERC na sua deliberação, a Lei da Imprensa estipula que a publicidade “deve ser identificada através da palavra «Publicidade» ou das letras «PUB», em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.
Em caso de infracção, a alínea b) do n.º 1 do artigo 35.º da Lei da Imprensa prevê a aplicação de coimas cujo montante mínimo é de 997,53 euros e o máximo de 4.987,64 euros. Nesta situação, por ter considerado que o grupo de media fundado por Pinto Balsemão violou o disposto no n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Imprensa, o regulador determinou o pagamento de uma coima no valor de 2 mil euros.
Impresa nega incumprimento da lei
Em sua defesa, na resposta ao processo da ERC, o grupo de media tinha rejeitado qualquer irregularidade, argumentando que os artigos em causa eram de natureza jornalística, uma vez que, apesar de terem sido “elaborados na sequência da organização de uma conferência pela qual o Expresso recebeu uma contrapartida financeira, será a direção editorial do jornal que determina livremente o seu conteúdo”.
Deste modo, fez uma distinção: “quando se trata de um artigo publicitário, o seu conteúdo é completamente determinado pelo anunciante, por exemplo, elementos como o título, o lead, a fotografia, a legenda, etc. são escolhidos por aquele”.
Esta interpretação da lei é, porém, contestada pela ERC, que a qualifica como “errada”. “Em lado algum, a lei utiliza o critério «liberdade editorial na escolha das palavras» para determinar se um conteúdo é publicitário ou jornalístico, como defende a Arguida”, contrapôs o regulador dos media.
Nesse sentido, a ERC foi peremptória, reiterando que “não é admissível a confusão entre conteúdos de natureza editorial e publicitários”, já que pode induzir os leitores em erro ao fazê-los acreditar que os artigos são isentos e imparciais.
“Para os leitores, o conhecimento de que essa promoção foi paga pode alterar completamente a leitura e interpretação dos textos em causa, permitindo-lhes distanciar-se face aos mesmos”, explicou o regulador.
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