A Agência Mundial Antidoping (AMA) revelou que as autoridades antidoping norte-americanas permitiram que, a partir de 2011, vários atletas apanhados a violar as regras de doping continuassem a competir. A justificação dada foi a de que estes atletas serviriam como ‘denunciantes’ de outros colegas infratores. A AMA considera que esta estratégia não é permitida ao abrigo do código internacional, e defende que os atletas dopados devem ser impedidos de competir e de, eventualmente, ganharem prémios e medalhas. Mas a Agência Antidoping dos Estados Unidos tem outro entendimento e diz que a tática já foi útil no passado, numa investigação sobre tráfico de seres humanos e de drogas.  

Os Estados Unidos permitiram que vários atletas apanhados com doping entre 2011 e 2014 continuassem a competir sem ser alvo de qualquer processo de contraordenação  – um “esquema” que a Agência Mundial Antidoping (AMA) condena, e diz ameaçar a “integridade da competição desportiva”.  Em contrapartida, os ‘infratores’ teriam de agir como infiltrados e denunciar outros atletas que também violassem as regras de doping à agência antidoping norte-americana (USADA, na sigla em inglês). Foi a Reuters que expôs a polémica ‘estratégia’, tendo a AMA emitido depois um comunicado, no qual critica as autoridades americanas por infringirem o código anti-doping mundial – que determina a suspensão imediata dos atletas e a aplicação de sanções.  

“A Agência Mundial Antidoping (AMA) tem agora conhecimento de pelo menos três casos em que atletas que cometeram graves violações das regras antidopagem foram autorizados a continuar a competir durante anos enquanto atuavam como agentes infiltrados para a USADA, sem que esta notificasse a AMA e sem que houvesse qualquer disposição que permitisse tal prática ao abrigo do código (global) ou das próprias regras da USADA”, confirmou à autoridade antidoping, em declarações à Reuters. 

Os três atletas em causa já estarão reformados, e a AMA preferiu não os identificar por questões de segurança. Também devido a preocupações com a segurança dos atletas, a AMA nunca interpôs nenhum processo para reverter os resultados após ter tido conhecimento dos casos, por considerar que estariam em risco depois de terem ‘trabalhado’ como delatores. 

Contudo, a agência antidoping americana considera que a prática é permitida ao abrigo das regras internacionais, e é até “necessária” – uma interpretação que a AMA diz ser “obviamente incorreta”. A este respeito, a autoridade mundial disse apenas haver a possibilidade de ‘atenuantes’ nas sanções após o processo legal, desde que o atleta visado auxilie “substancialmente” uma investigação antidoping.   

E ambas contam versões diferentes: enquanto a AMA diz ter sido informada pela agência americana do seu ‘esquema’ apenas em 2021, esta garante tê-la alertado antes.  

Sem adiantar detalhes, o diretor executivo da agência antidoping norte-americana, Travis Tygart, assegurou que esta ‘táctica’ tinha sido útil numa investigação policial no país sobre um esquema de tráfico humano e de drogas. “É uma forma eficaz de chegar a estes problemas maiores e sistémicos”, afirmou. 

Guerra entre agências anti-doping 

As duas agências têm estado em pé de guerra depois de 23 nadadores chineses que competem nestes Jogos Olímpicos de Paris, terem testado positivo para o medicamento cardíaco trimetazidina nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020 – algo que mais tarde se provou ter ocorrido por contaminação alimentar. Mas a agência antidpoping norte-americana não ficou ‘descansada’ e teceu críticas à conduta da AMA, acusando-a de esconder e abafar o caso. Por isso, agora, diz que as declarações condenatórias sobre este “esquema” de atletas infiltrados é apenas uma tentativa de retaliação.