Existem atualmente quatro coronavírus identificados em circulação. O conhecimento sobre o processo de reinfeção com esses vírus endémicos podem revelar características comuns a todos os coronavírus humanos.
Em geral é assumido que ocorrem reinfeções por coronavírus. Neste estudo da Nature, indivíduos saudáveis foram acompanhados durante mais de 35 anos. Verificou-se que os casos de reinfeção com o mesmo coronavírus sazonal ocorriam com frequência após um ano da primeira infeção.
Por outro lado, tivemos outro coronavírus identificado recentemente (em 2003), o SarsCov-1, que causou epidemias em alguns países. Neste vírus a imunidade parece ser bastante duradoura. Num estudo foram detetadas células T de memória de longa duração (um dos tipos de resposta imunológica) 17 anos após o surto de SARS em 2003. Ou seja, até ao momento apresentam uma forte reatividade ao vírus, o que pode indiciar alguma ou muita proteção passados tantos anos.
Casos de reinfeção
Mas após tantos meses de pandemia quantos casos de reinfecção foram identificados?
No momento cerca de 780 milhões de pessoas poderão já ter sido infetadas por este vírus, os casos com mais evidências de reinfeção são muito baixos em comparação.
Apesar de existirem vários casos anedóticos relatados, há inúmeros fatores que podem levar a que dentro de tantos milhões de infectados existam casos de aparente reinfeção, que na realidade não o são.
Como afirma Angela Rasmussen, virologista da Universidade de Columbia em Nova Iorque:
“Só se pode provar a reinfeção se as variantes virais da primeira e da segunda amostra positivas forem diferentes, porque é muito improvável que se seja infetado com as mesmas variantes uma segunda vez.”
Isto porque os vírus produzem mutações com muita frequência.
Assim, o ECD fez uma lista que resume os casos já publicados.
Dos seis casos apenas três tiveram sintomas no segundo momento, e apenas o caso de Nevada (EUA) teve sintomas mais fortes da segunda vez. Neste caso e no caso belga, o teste de anticorpos não foi realizado em conexão com o primeiro episódio. Nos casos da Índia, não foi realizado em qualquer dos momentos.
Desta forma, residem ainda algumas dúvidas sobre estes casos. O ECDC (pág. 8) enumera alguns pontos importantes para a avaliação da evidência de uma possível reinfeção:
- Possibilidade de falsos positivos (especialmente quando a prevalência do vírus é baixa ou devido à contaminação da amostra em qualquer fase do processo);
- Se o tempo decorrido entre os dois testes for reduzido é mais provável tratar-se da re-deteção do primeiro episódio;
- Os resultados de RT-PCR podem permanecer positivos devido à detecção de fragmentos inativos de RNA (no paciente ou na amostra);
- Mesmo as diferenças de sequência filogenética identificadas nos vírus, entre os dois momentos, não são prova definitiva dado que o vírus também pode sofrer mutações dentro do próprio organismo ou existirem duas infecções em simultâneo (com dois vírus geneticamente distintos)
Entretanto foi reportado outro possível caso, que seria a primeira morte após reinfeção. No entanto, este tem diversas particularidades. Tratou-se de uma senhora holandesa de 89 anos, doente oncológica, imunocomprometida e com terapia de depleção de células B (o que provoca uma imunidade humoral mais reduzida).
Investigação sobre a imunidade adquirida ao Sars-COV-2
Numa síntese sobre a resposta imunitária à infeção por Sars-COV-2 e outros coronavírus foi concluído que os anticorpos específicos SARS-CoV-2 têm sido detetados até ao limite do acompanhamento (94 dias), e que mais de 90% dos sujeitos desenvolveram uma resposta neutralizante de anticorpos.
Outros estudos recentes têm confirmado estes resultados. Por exemplo, num estudo realizado por investigadores portugueses do Instituto de Medicina Molecular concluiu-se que a resposta imunológica observada foi “em linha com uma resposta imune característica”. A diminuição de anticorpos detetáveis ao longo do tempo não impediu que se mantivesse uma robusta atividade de neutralização confirmada até 6 meses (altura do final do estudo).
Conclusão
Até ao momento a imunidade ao Sars-COV-2 parece semelhante à dos outros coronavírus em circulação. Os anticorpos parecem comportar-se de acordo com o expectável e oferecer proteção durante vários meses, mesmo quando se tornam menos detetáveis.
A imunidade das células T é normalmente muito mais duradoura, podendo ter um papel muito importante na manutenção de imunidade ou no atenuar da doença. No entanto, esse efeito ainda levanta muitas dúvidas.
Para além do estudo da vulnerabilidade (ou não) de quem contacta pela segunda vez com o vírus, o conhecimento destes mecanismo poderá ajudar-nos a compreender outros fenómenos.
Caso as células T tenham um papel importante na imunidade, inata ou adquirida, poderão ajudar a compreender as diferenças de suscetibilidade ao vírus.
Podem, em parte, explicar fenómenos como o elevado número de assintomáticos (ou com doença leve) e até diferenças de letalidade do vírus em diferentes regiões do globo (por exemplo, Ásia e Europa). Isto porque inúmeros estudos revelam que mesmo quem nunca foi exposto a este vírus pode ter formas de imunidade, provavelmente resultado de imunidade adquirida a outros vírus da mesma família.
Por outro lado, o desenvolvimento de vacinas estará sempre dependente destes conhecimentos. É necessário verificar se a imunidade é duradoura, e assim perceber a necessidade de mais de uma dose ou de reforços da vacina.
De igual modo, é importante percebermos a que distância estamos da imunidade de grupo (caso a imunidade não dependa apenas de anticorpos, mas de outras formas de imunidade, como das células T), e assim verificar se a vacina é necessária e para que grupos de pessoas.
Independentemente dos mecanismos de imunidade que o contacto com o vírus desencadeia, outras possibilidades poderão condicionar o seu efeito como: entrar num certo equilíbrio endémico como outros vírus sazonais, o número de pessoas suscetíveis se reduzir muito ou passarem a existir vacinas, eficazes e seguras, contra a doença.