A 3 de novembro de 2021, Howard Kaplan, um dentista israelita reformado, publicou um link de um artigo de investigação do BMJ num chat privado no Facebook. O artigo reportava más práticas de ensaios clínicos a decorrer em Ventavia, uma empresa de pesquisa contratada para efetuar os testes principais à vacina Pfizer contra a Covid-19.
Todavia, uma semana depois da partilha por parte de Kaplan, este recebeu uma mensagem do Facebook e revelou o seu conteúdo na mesma rede social.
“A Polícia de Pensamento do Facebook deu-me um aviso terrível. O verificador de factos independente do Facebook não gostou do conteúdo do artigo do BMJ e se eu não apagar a minha publicação, eles ameaçam fazer as minhas publicações menos visíveis. Obviamente que não vou apagar a publicação… Por isso, se parecer que eu desapareci durante uns tempos, já sabem o porquê.”
No entanto, Howard Kaplan não foi o único utilizador e leitor do BMJ a ter problemas com o Facebook. Várias pessoas começaram a reportar uma variedade de problemas quando tentavam partilhar as investigações na rede social, sendo redirecionadas para uma “verificação de factos” realizada por uma de dez empresas nos EUA contratadas pelo Facebook, Lead Stories, que têm como objetivo “desmascarar notícias falsas”.
Num artigo da Lead Stories que citava o porta-voz da Pfizer, a companhia disse que reviu as preocupações de Brook Jackson, denunciante do BMJ, e que tomou “ações para corrigir e remediar” onde era necessário. Contudo, no que diz respeito à investigação da empresa, “não identificaram quaisquer problemas ou preocupações que pusessem em risco a integridade do estudo”.
De seguida, o BMJ contactou a Lead Stories a pedir para remover o artigo, pedido esse que foi rejeitado.
“No sistema do Facebook, nós sinalizámos o artigo com ‘contexto ausente’, que é a categoria de sinalização mais baixa possível”, começou por dizer Dean Miller, o autor do artigo da Lead Stories. “Não questionámos a integridade da história do BMJ, apenas a abrangência dela”, finalizou.
Dada esta resposta, o BMJ decidiu contactar a Pfizer, a Ventavia e a Administração de Alimentos e Drogas (FDA). A Pfizer disse que tinha feito uma investigação à Ventavia em 2020 para “corrigir e remediar o que era necessário”, a Ventavia não respondeu e a FDA assumiu não ter capacidade para responder pois “é um assunto em andamento”.
Deste modo, em dezembro, o BMJ escreveu uma carta a Mark Zuckerberg, chefe executivo da Meta. Na carta, os editores Fiona Godlee e Kamran Abbasi chamaram à verificação de factos da Lead Stories “impreciso, incompetente e irresponsável”.
Zuckerberg não respondeu, mas a Lead Stories sim, dizendo que Brook Jackson não era um cientista de laboratório e que não tinha qualificações. O BMJ não tardou em ripostar, assim como Jackson.
“O Jackson tem mais de 15 anos de experiência em coordenação de pesquisa clínica e o seu cargo anterior era diretor de operações”, começou por dizer o BMJ. “Nunca afirmei ser um cientista. Além disso, até uma pessoa inexperiente teria visto o que estava a acontecer de errado em Ventavia, não era preciso um especialista”, afirmou Jackson.
Por conseguinte, o BMJ planeia apelar ao Conselho de Supervisão do Facebook, um painel independente de 20 pessoas que tem o poder de decidir se o Facebook deve ou não remover o conteúdo específico. Recorde-se que foi este grupo que impediu Donald Trump, ex-presidente dos EUA, de voltar a publicar tanto no Facebook como no Instagram depois do incidente no Capitólio.
Até hoje, os leitores do BMJ ainda têm problemas em conseguir partilhar os artigos do jornal e o editor chefe deixou uma mensagem.
“Devíamos estar todos muito preocupados com o facto do Facebook, uma empresa bilionária, estar a censurar jornalismo totalmente verificado e que levanta preocupações acerca da conduta na realização de ensaios clínicos. O Facebook está a tentar controlar a maneira como as pessoas pensam sob o disfarce da ‘verificação de factos'”.
Fonte: BMJ “Facebook versus the BMJ: when fact-checking goes wrong”