Plano Trump de centralização de dados suscita receios de ‘hiper-vigilância’

A Administração Trump está a apostar na centralização das informações pessoais dos norte-americanos numa base de dados, através de contratos com a empresa tecnológica Palantir. Isto acontece depois de o presidente dos EUA ter assinado em Março passado uma ordem executiva para acabar com as restrições no acesso aos dados por parte das agências governamentais. Donald Trump diz querer eliminar o excesso de burocracia e poupar milhares de milhões de dólares aos contribuintes, mas, para já, quem parece estar a ganhar com os contratos é mesmo a Palantir, que atingiu no mês passado um recorde histórico de crescimento e de valorização bolsista. Nas redes sociais, têm-se multiplicado as críticas a Trump, mesmo por alguns dos seus apoiantes, que temem um sistema de controlo e vigilância excessivos.  

Os contratos da Administração de Donald Trump com a empresa tecnológica Palantir para partilhar os dados dos norte-americanos entre as várias agências governamentais e agregá-los numa única base de dados estão a levantar preocupações sobre eventuais perdas de privacidade e vigilância excessiva dos cidadãos. 

No passado dia 30 de Maio, uma investigação do jornal New York Times revelou como aquela empresa co-fundada por Peter Thiel, um assumido apoiante de Trump, está a entrar a fundo no actual Governo, realizando novos contratos multimilionários com agências federais que incluem o Departamento de Segurança Interna (DHS) e o Pentágono, e reforçando também os fundos para contratos já efectuados. Com o Departamento da Defesa, por exemplo, o valor contratualizado aumentou em 795 milhões, atingindo os 1,3 mil milhões de dólares.  

Na peça, o jornal dizia que estes contratos com a Palantir resultaram de uma ordem executiva assinada pelo presidente norte-americano a 20 de Março, que agilizava o acesso aos registos entre as agências e punha termo às restrições em vigor – supostamente, com o intuito de aumentar a transparência, eliminar burocracias desnecessárias e combater “o desperdício, a fraude e o abuso”, alegando que as dificuldades de acesso aos dados pelo Governo custavam milhares de milhões de dólares aos contribuintes. 

Para aplicar esta ordem, o Governo de Trump mostrou uma predilecção clara pela Palantir: pelo menos quatro agências federais (incluindo o DHS e o Departamento da Saúde e Serviços Humanos) já procederam à instalação da sua ferramenta de análise e armazenamento de dados, a Foundry. Além disso, este sistema está também a ser negociado para a Administração da Segurança Social (SSA) e o Departamento da Educação. 

Segundo o New York Times, foi o Departamento da Eficiência Governamental (DOGE) de Elon Musk que escolheu a Palantir, notando que pelo menos três membros do DOGE haviam trabalhado para a empresa. O jornal citava, aliás, alegadas preocupações de funcionários da Palantir em “reunir tantas informações confidenciais num só lugar”, sobretudo tendo em conta um suposto ‘desleixo’ com a segurança por parte de certos funcionários da agência então liderada pelo dono da Tesla. 

Mas se a Administração Trump invoca uma redução dos gastos públicos com estes contratos, o certo é que foram uma ‘mina de ouro’ para a Palantir, que viu as suas acções dispararem em Maio, alcançando um recorde histórico e um crescimento de mais de 70% neste ano. ‘Desafiando’ o actual cenário pouco favorável para as grandes tecnológicas, foi a empresa com o segundo melhor resultado no índice S&P 500. E, a 2 de Junho, o seu valor bolsista atingiu os 113 mil milhões de dólares. 

Sistema de hiper-vigilância? 

Embora o New York Times tenha ressaltado as preocupações dos democratas com o uso que o presidente dos Estados Unidos poderia dar a este banco centralizado de dados, eventualmente para atingir adversários políticos, a verdade é que muitos dos próprios apoiantes de Trump manifestaram o seu repúdio nas redes sociais com os acordos feitos com a Palantir e o controlo maciço que daí poderia advir. Como noticiou o Newsweek na passada semana, várias contas populares no meio conservador condenaram a ideia de compilar as informações pessoais dos norte-americanos numa única base de dados, com algumas contas, que somam milhões de seguidores, a afirmar no X que Trump atraiçoou os seus eleitores. 

Em qualquer caso, a empresa de vigilância já tem colaborado, aos longo dos anos, com várias agências Governo dos EUA, destacando-se a ligação com o Pentágono, ao qual fornece o software militar de Inteligência Artificial (IA) “Maven” – utilizado em contexto de guerra, em conflitos como os da Síria e da Ucrânia.  

Mas, além da Defesa, há outros sectores do Governo, desde a Saúde à Imigração, com quem a gigante tecnológica efectuou acordos. Em Fevereiro de 2022, durante a Administração de Biden, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) contratou a Palantir para gerir a distribuição das vacinas contra a covid-19. E, em Abril do mesmo ano, o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) pagou 30 milhões de dólares à empresa pela construção de uma plataforma para monitorizar os migrantes em tempo real.  

Críticas à Palantir e ao seu CEO 

O software da Palantir também é utilizado pelas forças militares israelitas em Gaza, algo que levou a acusações de activistas palestinianos contra a empresa e o seu director-executivo (CEO), Alex Karp, de participarem no “genocídio” na Palestina.  

De resto, Karp tem proferido algumas declarações polémicas, afirmando que a empresa pretende causar disrupção e tornar as instituições com quem colabora as “melhores do mundo” e, “quando necessário, assustar inimigos e ocasionalmente matá-los”.  

Numa entrevista que deu em Davos em 2023, o CEO da Palantir – que apoia o Partido Democrata, ao contrário do co-fundador Peter Thiel – também se gabou pelo facto de a sua empresa ter impedido “a ascensão da extrema-direita na Europa” através de uma aplicação chamada PG.  

Fontes 

Palantir defies tech gloom as Trump momentum powers stellar share gains | Reuters 

Trump’s embrace of dystopian Palantir spying tool sends stock soaring – The Grayzone 

‘Trump Flipped On Us’: MAGA Reacts to Potential National Citizen Database – Newsweek