De acordo com a Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), 34,8 por cento da população portuguesa é pré-obesa e mais de metade da população (57,1%) está perante uma situação de obesidade/excesso de peso.
Este cenário poderá agravar-se com a pandemia de Covid-19, alerta Paula Freitas, presidente da SPEO, devido ao maior sedentarismo e à alteração dos hábitos alimentares da população.
A obesidade está associada a um aumento do risco de morte por covid-19 de quase 50% e pode tornar as vacinas contra a doença menos eficazes, de acordo com um estudo realizado pela Universidade da Carolina do Norte. Os dados mostram que, para as pessoas com o novo coronavírus, o risco de internamento aumenta em 113%. Os obesos são ainda mais propensos a internamento em cuidados intensivos (74%) e correm maior risco de morte (48%).
A obesidade já está associada a numerosos fatores de risco subjacentes à Covid-19, incluindo hipertensão, doenças cardíacas, diabetes tipo 2, e doenças crónicas renais e hepáticas. Alterações metabólicas causadas pela obesidade – tais como resistência à insulina e inflamação – tornam difícil para os indivíduos com obesidade combater algumas infeções, uma tendência que pode ser observada noutras doenças infeciosas, tais como a gripe e a hepatite.
“Todos estes fatores podem influenciar o metabolismo das células imunitárias, o que determina como os corpos reagem aos agentes patogénicos, como o coronavírus SARS-CoV-2”, diz a investigadora Melinda Beck.
“Os indivíduos com obesidade também são mais propensos a sofrer de doenças físicas que tornam o combate a esta doença mais difícil, como a apneia do sono, que aumenta a hipertensão pulmonar, ou um índice de massa corporal que dificulta os cuidados num ambiente hospitalar com intubação.”
O documento diz ainda que a vacina contra a gripe é menos eficaz em adultos com obesidade. O mesmo pode ser verdade para uma futura vacina contra a SARS-CoV-2.
“Não estamos a dizer que a vacina será ineficaz em populações com obesidade, mas sim que a obesidade deve ser considerada como um fator de mudança na realização de testes de vacinas”, esclarece Beck. “Mesmo uma vacina menos protetora ainda irá oferecer algum nível de imunidade”.
Cenário em Portugal
Em Portugal, o agravamento da Covid-19 em doentes obesos já tinha sido confirmado em agosto pelo diretor do Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Ao Expresso, João Ribeiro confirmou que a obesidade é um fator agravado de risco com a covid-19.
“Enquanto na população em geral cerca de 20% dos doentes acabam por chegar ao internamento nos cuidados intensivos, o número sobe para cerca de 35% no caso dos obesos.”
Apesar de o aumento de peso se refletir na saúde e, por inerência no sistema nacional de saúde, Paula Freitas diz que há ainda um caminho a trilhar no diagnóstico e tratamento da obesidade em Portugal, e que “ainda não estamos a tratar efetivamente a obesidade como doença”. A própria DGS diz que a obesidade está ligada a uma grande mortalidade e morbilidade, sendo que as complicações associadas podem ser responsáveis por 5 a 10% dos custos de saúde.
“Mesmo após a confirmação do diagnóstico, o foco ainda está no controlo e tratamento das suas consequências ou comorbilidades associadas como por exemplo, a diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, apneia do sono, etc. Mas é importante que se trate a doença – que é endócrina e multifatorial, como um todo. Com um tratamento multidisciplinar que deve integrar mudanças de estilo de vida, fármacos e cirurgia, quando indicado”.
A presidente da SPEO alerta também para a importância da inacessibilidade ao tratamento farmacológico da obesidade, já que os fármacos não são comparticipados, o que tem constituído um obstáculo ao tratamento da Obesidade.
Obesidade e covid-19 – ligação confirmada em vários estudos
Uma revisão sistemática de pesquisas, publicada na revista Obesity Research & Clinical Practice, diz que a obesidade é um fator que favorece a progressão rápida da doença. O artigo incluiu dados de nove estudos clínicos, que juntos relatam a evolução de 6 577 pacientes infetados pelo Sars-CoV-2 em cinco países. Estudos recentes indicam que a inflamação crónica de baixo grau típica da obesidade – causada pelo aumento excessivo das células adiposas – “faz com que a tempestade de citocinas inflamatórias desencadeada pelo Sars-CoV-2 seja ainda mais lesiva ao pulmão”. No geral, as pessoas com excesso de peso podem apresentar alterações na produção de anticorpos e algum grau de inflamação crónica que favorecem a progressão da doença.
Jean-François Delfraissy, epidemiologista e presidente do conselho científico francês para a pandemia de covid-19, referiu que os Estados Unidos se encontram numa situação particularmente vulnerável devido ao facto de uma grande parte da população sofrer de obesidade. De acordo com o Centro para Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, 42,4% dos adultos sofriam de obesidade naquele país em 2018.
Nos EUA a obesidade tem sido muito associada às elevadas taxas de mortalidade per capita por Covid-19 em locais como Nova Orleães – duas vezes maior que em Nova Iorque e quatro vezes maior do que em Seatlle, as outras cidades mais atingidas. Médicos e profissionais de saúde associam esta taxa de mortalidade ao facto de uma grande parte desta população sofrer de obesidade, diabetes e hipertensão – comorbilidades já referenciadas como mais vulneráveis ao novo coronavírus.
Um estudo francês de uma unidade de cuidados intensivos, em Lille, revelou que os pacientes com obesidade grau II apresentaram um risco de ventilação mecânica mais de sete vezes superior àqueles com peso normal.
Um estudo de Nova Iorque revelou que 21% dos indivíduos infetados tinham obesidade de grau I e 16% tinham obesidade grau de II e II. Mesmo nos pacientes mais jovens (<60 anos) o risco de internamento duplica para obesidade grau I, e aumenta entre 2,2 e 3,6 vezes, no grau II e III.
Outro estudo norte-americano diz mesmo que a doença crónica com maior associação ao risco de hospitalização foi a obesidade, mesmo quando comparada a doença cardiovascular ou pulmonar.
Um estudo mais recente, que avaliou 5700 pacientes hospitalizados com Covid-19 em Nova Iorque, confirmou que as comorbilidades mais comuns entre todos os 5700 pacientes foram a hipertensão (57%), a obesidade (41%) e a diabetes (34%).
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016 mais de 1900 milhões de adultos tinham excesso de peso — destes, mais de 650 milhões eram obesos.