A taxa de mortalidade Covid está mais associada a fatores sociais como a esperança de vida, o contexto de saúde pública, a economia e os apoios financeiros, e ao ambiente (temperatura e UV), do que ao rigor das medidas de combate à pandemia, de acordo com um estudo que analisa a propagação heterogénea da Covid nos diferentes continentes e identifica os parâmetros não-virais mais associados à taxa de mortalidade.
O documento vem contrariar a perceção de que os países mais “desenvolvidos” teriam mais recursos disponíveis para minimizar o impacto da Covid-19 na mortalidade. De acordo com o documento, apesar de os países que possuem um “nicho de desenvolvimento humano ótimo, com parâmetros de saúde, demográficos, ambientais e económicos favoráveis” serem inegavelmente positivos para as pessoas, “expõem agora as populações a vulnerabilidades infeciosas (Covid-19) e físicas (ondas de calor) mais elevadas”.
Segundo o relatório, a Covid-19 suscitou uma vasta gama de respostas de governos de todo o mundo, mas as curvas de contágio e mortalidade são muito homólogas entre países.
“Isto é reforçado pelas nossas conclusões relativamente à falta de qualquer associação entre estas curvas e as ações dos governos durante a pandemia. Nesse sentido, os fatores demográficos, de saúde, de desenvolvimento e ambientais determinantes parecem muito mais importantes para antecipar as consequências letais da Covid-19 do que as ações do governo, especialmente quando tais ações são mais conduzidas por objetivos políticos do que por objetivos sanitários.”
Os parâmetros estudados dividem os países em dois grupos.
Economia e esperança de vida
Os países que registam taxas de mortalidade Covid-19 mais elevadas têm um PIB elevado, alto rendimento e boas políticas de apoio económico. São sociedades mais desenvolvidas, envelhecidas, com uma esperança de vida elevada (mas de lenta progressão). Os países associados com baixas taxas de mortalidade Covid-19 têm um PIB mais baixo, uma baixa esperança de vida (com alta margem de progressão).
“Durante uma pandemia, o principal indicador da fragilidade sanitária dos países pode ser visto na proporção de pessoas idosas (que foram o alvo principal do SARS-CoV-2). Este indicador é mais comum nos países com maior esperança de vida, razão pela qual apresentam taxas de mortalidade mais elevadas quando surgem novos agressores.”
Estudos anteriores têm ilustrado a relação entre fragilidade e a mortalidade. Por exemplo, a onda de calor de 2003 matou entre 30 000 a 50 000 pessoas na Europa – 15.000 só em França, afetando 80% de pessoas idosas. A mortalidade Covid-19 foi a mais elevada entre os idosos de todo o mundo. A evolução no sentido de uma maior esperança de vida exporá, portanto, maiores proporções de pessoas a elevadas taxas de mortalidade, especialmente quando enfrentam ameaças em massa ou quando as condições ambientais são mais extremas.
Saúde
“O desenvolvimento proporcionado por um PIB elevado associado à maior esperança de vida favorece um estio de vida menos ativo.” O estudo diz que os países com maior taxa de mortalidade têm mais doenças crónicas (por exemplo, doenças cardiovasculares e cancro) associadas a fatores de risco metabólico importantes (estilo de vida inativo, sedentarismo, obesidade, etc). Estes problemas de saúde aumentam o risco de hipertensão, diabetes e de problemas cardiovasculares, as comorbilidades mais frequentes associadas à mortalidade Covid-19.
“Com uma transição epidemiológica para doenças crónicas mais prevalente, os países com elevada esperança de vida também aumentaram os riscos concomitantes, restringindo as suas margens de adaptabilidade.”
O documento sublinha que, no caso da Covid-19, a promoção da atividade física pode ajudar a “aumentar a imunidade e a resiliência das populações e a prevenir comportamentos sedentários”.
“As estratégias políticas que restringem a atividade física (por exemplo, o encerramento de instalações desportivas) podem refrear o reforço da imunidade da população em resposta aos agressores virais presentes e futuros.”
Temperatura
Os níveis elevados de temperatura e UV estão associados a baixas taxas de mortalidade, ou seja, nos países do norte e ocidentais o impacto da Covid-19 é maior.
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) publicou um artigo científico – “Potential of Solar UV Radiation for Inactivation of Coronaviridae Family Estimated from Satellite” – que avalia o potencial da radiação solar UV para a inativação do SARS-CoV-2 no ar ambiente. Os resultados mostram que a radiação solar UV tem um elevado potencial para inativar estes vírus, dependendo fortemente da localização geográfica e da estação do ano.
Nas regiões tropicais e subtropicais (ex.: São Paulo, 23,5°S), a fração diária de sobrevivência do vírus é inferior a 0,01 % durante todo o ano, enquanto em latitudes mais elevadas (ex.: Reiquiavique, 64°N) essa fração apenas pode ser encontrada em junho e julho.
“Por exemplo, em Lisboa e no período de março, seriam necessárias entre 3 a 10 horas para o vírus ser eliminado pela radiação UV; por outro lado, no Inverno temos tempos para esterilização superiores a 20 horas, ou seja, um dia não chega para esterilizar superfícies no exterior.”
O IPMA sublinha que estes dados têm importantes implicações potenciais práticas, em termos de recomendações de Saúde Pública.
“Este ano de 2020 os níveis do Índice UV foram muito elevados durante todo o mês de Maio, altura em que se assistiu a forte redução do número de casos Covid 19 e redução da letalidade ao mesmo, mantendo-se estes níveis baixos até meados de Setembro, altura em que os níveis de UV reduziram significativamente”, indica o IPMA, ressalvando a existência de outras variáveis.
Geografia
A relação geográfica entre a taxa de mortalidade Covid-19 e a latitude mostra que os intervalos de latitude [25-65°] representam 78% de todas as mortes Covid-19 registadas. No continente europeu, esta área inclui Espanha e Itália até à parte sul da Suécia. Nas Américas, abrange o estado do Texas até à Baía de Hudson; o sul do Brasil e os estados abaixo desta zona. No continente africano: os estados do Magrebe e a África do Sul). Esta área inclui os estados com as mais altas taxas de mortalidade registadas.
As longitudes negativas (países americanos) também foram associadas a taxas de mortalidade mais elevadas. O intervalo [-35/-125°] de longitude (Oeste) delimitou uma área onde 57% de todas as mortes de Covid-19 foram registadas.
O terceiro eixo mostra uma relação entre mortalidade e longitude, obesidade e sedentarismo. Os países americanos têm uma taxa de obesidade mais elevada e uma taxa de mortalidade Covid-19 superior; os países asiáticos têm taxas de obesidade mais baixas e taxas de mortalidade Covid-19 inferiores.
Contexto do estudo
O relatório analisou a potencial relação entre estes cinco domínios – demografia, saúde pública, economia, política e ambiente – e a mortalidade Covid-19 durante os primeiros 8 meses de 2020. O estudo analisou os dados de 160 países, representando um total de 846 395 mortes Covid-19 até 31 de agosto de 2020, mas ressalva que os métodos de contagem e registo de “morte covid” variam entre os países e que as “ondas e picos” da pandemia são igualmente distintos.
Apesar de apresentarem dados extremamente importantes e uma abrangência territorial significativa é importante alguma cautela na análise destes resultados.
Por exemplo, tratando-se de um estudo observacional não possibilita estabelecer relações de causalidade, apenas de correlação.