Passados 47 anos sobre a revolução de abril, cabe-nos a todos nós, a cada momento, avaliarmos se os seus ideais foram cumpridos. Não tanto no sentido ideológico restrito, indissociável das circunstâncias da época, mas no sentido geral, da promoção de uma sociedade livre, plural, próspera e solidária.
Ideais que representam os anseios da maioria da população, independentemente das origens, filiações políticas ou perspetivas ideológicas.
Há indiscutíveis avanços nas mais variadas áreas, estimulados em boa parte pela integração europeia. Estamos entre os países mais prósperos do mundo, apesar de sermos dos mais pobres da europa. Habitamos numa das melhores regiões para se nascer- sem guerra, sem miséria generalizada e em democracia.
Mas estaremos a aproveitar a oportunidade que a história nos deu? Estaremos a caminhar na direção certa?
Os partidos políticos tradicionais tornaram-se, em boa medida, centros de tráfico de lugares e de influências. Cada vez mais enredados em lutas internas pelo poder, ou quando o atingem, na distribuição de cargos e benesses pela família partidária (e não só).
O poder é cada vez mais exercido por “profissionais da política”, que decidem a vida de pessoas, com constrangimentos e dificuldades, que muitas vezes desconhecem.
A falta de vivências para além do “partido” e ausência de sentido de missão refletem-se muitas vezes em discursos vácuos e maniqueístas, em geral alicerçados na exploração de sentimentos de identidade ou de puro marketing político.
Fogem a todo o custo, de uma avaliação objetiva dos resultados das suas políticas, que, normalmente, ficam muito aquém do prometido.
O estado da política é resultado de várias dinâmicas próprias, mas também da situação da sociedade em geral.
Destaca-se a situação desconcertante da comunicação social. Com honrosas exceções, os grandes órgãos de comunicação social abdicaram de fiscalizar a ação do poder político e o jornalismo de investigação tende para a extinção. A maioria limita-se a reproduzir, muitas vezes ipsis verbis, o que outros publicam.
Há muito que deixaram de apenas noticiar, para apostarem na promoção de narrativas simplistas sobre realidades complexas, estratégia alicerçada em conteúdos opinativos mascarados de notícias ou até de casos anedóticos, criteriosamente selecionados.
A cumplicidade e a promiscuidade entre a comunicação social e o poder político é por demais evidente e parece satisfazer a manutenção do status-quo. Ou, dito por outras palavras, preservar os poderes e os interesses instalados.
O imprescindível papel de escrutínio que a comunicação social tem de ter numa democracia consolidada está assim cada vez mais comprometido.
Ao mesmo tempo, o poder político torna-se ele próprio dependente das narrativas criadas pela comunicação social, dado que o risco de as contrariar é politicamente insustentável.
Estão assim criadas as condições perfeitas para se ceder à tentação de silenciar todos os que contrariam essas narrativas, procurando impor “verdades” inquestionáveis.
Emergem aqueles que por comodismo ou por interesse não se querem sujeitar ao “mercado das ideias”. Que preferem a censura e o ataque pessoal à argumentação e à apresentação de evidências contraditórias. Que querem ser eles a decidir o que se pode, ou não pode, dizer, e quais os limites da liberdade.
Sem esse contraditório e sem escrutínio, cria-se um terreno fértil para o obscurantismo, para a manipulação de massas, para a subjugação a interesses particulares, para o clientelismo.
Numa sociedade aberta, em que as “más ideias” podem ser mais facilmente contrariadas com argumentos e informação objetiva, os riscos da supressão de pontos de vista são incomparavelmente maiores. Essa é aliás uma das maiores lições da democracia.
A maioria dos desastres, em organizações ou países, ocorrem não porque ninguém conseguisse ver que algo estava mal mas porque muitos optaram por fechar os olhos (ou a boca). Seja por interesse próprio, por medo das consequências pessoais, normalmente justificado, ou simplesmente por conformismo.
Daí que, neste momento, a linha clarificadora não é tanto entre direita e esquerda, entre liberais e conservadores, nem sequer entre moderados e radicais. É entre quem defende o direito de os outros poderem expressar as suas ideias livremente (independentemente de concordarem com elas) e quem ache que apenas algumas (as suas) devem gozar desse privilégio.
Por isso, a melhor forma de honrar as ações dos capitães de abril e ao movimento popular que cimentou a democracia, é a homenagem a quem por convicção não abdica da liberdade de pensamento e age em conformidade, mesmo que vá contra a maré.
Esse ato, que muitos veem como um direito ilegítimo é, pelo contrário, um dever de cidadania.
Porventura, um dos mais difíceis de realizar e também por isso um dos mais importantes numa verdadeira democracia.
Quem o faz, está a corporizar a essência do 25 de Abril e a mostrar o que é ser, de facto, livre.