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O viés da disponibilidade

A heurística da disponibilidade é uma das nossas heranças evolutivas mais importantes. Ela representa um processo de simplificação cognitivo que nos leva a estimar a frequência de certos eventos com base em imagens, sensações ou factos que mais facilmente recordamos. Apesar da sua utilidade, devemos estar cientes que contribui também para a formação de percepções desfasadas da realidade, já que o que vemos (e ouvimos) está longe de a representar de forma fiel.

Esta heurística é essencial para conseguirmos tomar decisões em tempo real. Seria impraticável se, para cada decisão, tivéssemos de considerar toda a informação relevante, analisá-la em termos de frequência e só depois decidir em conformidade.

Foi por isso essencial para que conseguíssemos agir em tempo real, e contribuiu muito para o sucesso da nossa espécie. Ainda nos dias de hoje é imprescindível e permite-nos “sobreviver” à avalanche de informação a que estamos constantemente sujeitos.

Claro que, tal como acontece com outras heurísticas, não está completamente ajustada às necessidades atuais, muito diferentes das do passado- incompatibilidade evolutiva. Deste desajuste resulta um viés muito forte a que estamos sujeitos: o viés da disponibilidade. 

O facto de nos lembrarmos muito mais de uns eventos do que de outros resulta de (1) estarmos mais expostos ou (2) serem mais facilmente evocados pela nossa memória. Esse facto leva a distorções significativas, muitas vezes enormes.

Consequências

Deste modo, investimos muitos recursos em problemas menores, por estarmos muito expostos a eles, e desvalorizamos problemas objetivamente mais graves por não terem tanta notoriedade.

A nível individual leva-nos muitas vezes a opções irracionais, por exemplo, em termos de gestão de risco na saúde ou na vertente financeira.

A nível coletivo, este viés, associado a algumas tendências do mundo moderno, pode ter consequências perigosas. Por exemplo, o decisor político pode sentir dificuldade em resistir à tentação de ir ao encontro do seu eleitorado, mesmo quando este tem uma perceção claramente distorcida da realidade.

Como podemos evitar este viés?

Tal como todas as nossas limitações e insuficiências, o primeiro passo é reconhecê-las. A partir desse momento temos de arranjar estratégias para o minimizar. Eis algumas sugestões:

– Não aceitar como seguras as nossos intuições mais fortes, ou até as ideias mais populares. 

– Procurar fontes de informação diversificadas e objetivas. Por vezes, não são fáceis de encontrar mas é importante investir-se nesse processo.

– Aproveitar os dados estatísticos e ir além de estimativas mentais sujeitas a inúmeras distorções.

– Evitar fontes de informação com fortes inclinações político-ideológicas ou que, para satisfazer interesses comerciais, explorem notícias sensacionalistas. 

– Procurar pessoas com formações e experiências diferentes. Apesar de nos sentirmos melhor com pessoas (ou dentro de grupos) com opiniões semelhantes, isso vai reforçar muitos os nossos vieses iniciais. A diversidade de visões é fundamental para se detetarem erros de perceção e aceder a informação objetiva e relevante.

– Relativizar relatos pessoais ou casos anedóticos que, para além de estarem sujeitos a bastantes vieses, criam muitas vezes uma perspetiva completamente distorcidas da realidade.

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