O viés de autoridade é a tendência para se sobrevalorizar a opinião de figuras de autoridade e obedecer às suas indicações em detrimento da análise da situação.
Pequenos pormenores podem reforçar essa reação automática. Por exemplo: batas brancas, uniformes de forças de segurança, relógios caros, linguagem técnica, etc.
Na maioria das situações este atalho cognitivo (heurística) funciona a nossa favor. Confiar nas indicações de especialistas nas mais diversas áreas como médicos, professores, jornalistas ou polícias, poupa-nos tempo e geralmente aumenta as probabilidades de acerto.
No entanto, quando tal se torna numa resposta completamente automática pode funcionar contra nós.
A experiência de Milgram
A primeira investigação em que se observou este fenómeno de modo claro foi o estudo clássico de Milgram, realizado em 1961 e publicado em 1963.
A Experiência de Milgram foi uma experiência científica desenvolvida pelo psicólogo Stanley Milgram.
Foi realizada no contexto da análise dos crimes da 2ª grande guerra, relacionados com o nazismo. O objetivo da experiência era responder à questão de como é que pessoas comuns obedeciam a figuras de autoridade, mesmo que as suas ordens fossem contrárias aos seus valores morais individuais ou ao simples bom senso.
O estudo realizou-se pouco depois do início do julgamento de Adolf Eichmann (um oficial superior) que, sob as ordens de Hitler, enviou centenas de milhares de judeus para campos de concentração.
A experiência queria perceber se seria mesmo possível Eichmann e milhões de alemães estarem apenas a seguir ordens?
No seu estudo voluntários infligiam choques elétricos cada vez mais fortes noutros sujeitos sob a ordem de uma figura de autoridade. Uma percentagem muito elevada continuou a aplicar choques cada vez mais fortes apesar de gritos de sofrimento que ouviam após os aplicarem.
26 dos 40 sujeitos obedeceram sempre às ordens atingindo a intensidade máxima de choques do dispositivo. Isto, apesar de a maioria ter estimado que estavam a causar extremo sofrimento à vítima (media 13,4 de dor em 14 possíveis).
Milgram resumiu os seus achados em “The Perils of Obedience” (1974):
“(Embora) Os aspetos jurídicos e filosóficos da obediência tenham enorme significado, dizem muito pouco sobre como as pessoas realmente se comportam em situações concretas.”
“A extrema disposição de adultos para seguir praticamente qualquer comando de uma autoridade foi o resultado principal da experiência…”
Réplicas do estudo de Milgram
Por motivos legais e éticos, não foram posteriormente realizadas réplicas exatas da experiência. No entanto, várias réplicas parciais suportaram, de modo geral, as suas conclusões.
Por exemplo, num estudo de 2009, o nível de obediência foi quase igual ao da experiência original (incluindo nas mulheres), e num estudo em 2015 o nível de obediência foi ainda superior (apesar de os níveis de choques terem sido menores).
Perigos do viés da autoridade
Uma das consequências da obediência cega ou da confiança total numa, ou mais, figuras de autoridade é que ficamos totalmente dependentes.
Embora sejam importantes, os especialistas estão, também eles, sujeitos a inúmeros vieses e por isso não devemos depender apenas deles.
A Cochrane, entidade que apresenta revisões científicas de alta qualidade, explica porque é que a opinião de peritos se situa no nível mais baixo de evidência científica:
“Essas informações básicas são importantes e úteis. No entanto, quando visto isoladamente, esse tipo de evidência pode ser fortemente influenciado por crenças, opiniões ou até mesmo pela política. Este nível também pode incluir evidências anedóticas. “
Mesmo os especialistas não são todos idóneos pelo que segui-los cegamente pode acarretar perigos.
Falsa autoridade
Por outro lado, muitas vezes existe a falsa autoridade. A aparência de autoridade é suficiente para que desencadeemos uma resposta automática de confiança ou obediência.
Profissionais, com especialidades diferentes dos assuntos de que estão a abordar, passam muitas vezes impercetíveis para o comum cidadão. Por exemplo, o pneumologista (médico) que passa por epidemiologista ou o terapeuta de práticas não científicas que passa por médico.
Mesmo sendo de áreas muito diferentes, a nossa tendência é associarmos uma competência numa área à credibilidade noutra. Por exemplo, o cirurgião que fala de táticas de futebol ou o sociólogo que fala de macroeconomia.
Celebridades como atores, desportistas e cantores, ou até pessoas só por serem ricas, gozam dessa associação inconsciente.
Ficamos assim sujeitos a uma enorme distorção da forma como percecionamos a fiabilidade do que essas pessoas afirmam.
Exemplos do uso de figuras de autoridade (verdadeiras e falsas)
- Política – Muitas vezes são colocadas figuras famosas como atores, ex-desportistas ou simplesmente milionários, sem qualquer experiência em cargos semelhantes, como candidatos políticos. Frequentemente ganham.
- Publicidade – Os anúncios usam com frequência figuras de autoridade (verdadeiras ou não) para venderem os seus produtos.
- Media – São selecionados os especialistas (ou quem o aparenta ser) que suportem uma dada orientação ideológica ou narrativa editorial. Outros com a mesma ou maior qualificação são por vezes ignorados.
- Educação – A educação que recebemos, especialmente em idades mais jovens, é baseada num sistema de respeito pela autoridade dos pais, dos professores, dos mais idosos. Neste caso os benefícios gerais são evidentes.
Como evitar o viés da autoridade
Uma forma geral de evitar os aspetos negativos desta heurística é mantermos o sentido crítico e algum ceticismo. É importante não fecharmos olhos às evidências e analisarmos (dentro das nossas possibilidades) o que nos é dito.
Devemos tentar racionalmente perceber se se trata de facto de um perito ou se, apesar de aparentar, não tem qualificações na área. Algumas pistas podem indicar maior probabilidade de fraude: uso excessivo de símbolos de autoridade, utilização fraudulenta de títulos, ausência de previsões claras de resultados (usar explicações à posteriori), a não manifestação de dúvidas e incertezas, a não assunção de erros.
Também é avisado estarmos atentos a incentivos particulares ou conflitos de interesse. Se um especialista está a fazer um anúncio, receberá dinheiro para o fazer o que condiciona a sua isenção. Se um responsável por um serviço, ou produto, for apresentado para falar sobre o mesmo, certamente tenderá a valorizar os seus aspetos positivos e a omitir os negativos.
Sempre que possível devemos avaliar as teorias, da forma o mais científica possível, e não nos centrarmos em quem as faz. Se elas falham sistematicamente na previsão de resultados e têm de ser constantemente alteradas para se ajustarem aos factos, então elas estão erradas e os seus autores também. Independentemente da credibilidade inicial que lhes atribuímos.
Por fim, tentar ouvir sempre “segundas opiniões” e canais de comunicação diferentes para obtermos visões diversas e não ficarmos reféns de uma só narrativa ou pessoa.
Ideias finais
O respeito pela autoridade é um fundamento civilizacional e apresenta inúmeras vantagens competitivas a indivíduos e sociedades.
No entanto, quando existe uma confiança cega e automática na autoridade podemos nos estar a sujeitar a um conjunto de problemas graves. Até porque, muitas vezes, quando se começa a ver o mundo através dessa heurística é difícil de parar.
Os exemplos negativos são inúmeros. Uns são atuais e do quotidiano, outros são históricos e mais dramáticos. Temos de os evitar.
É pois necessário um equilíbrio, nem sempre fácil de encontrar.
Evitar o caos sem cair no autoritarismo. Usar a economia de ação sem evitar a dependência de uma única fonte. Ter respeito pela autoridade mas não obedecer de forma cega.
Equilíbrios que nem sempre, como seres humanos, somos capazes de encontrar.
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