O viés do risco zero é uma heurística (simplificação) cognitiva que nos faz optar por tentar eliminar totalmente alguns riscos, já muito reduzidos, em vez de diminuir outros, que são superiores.
Tal como qualquer heurística, este viés conduz a uma economia nos recursos mentais que usamos. Em vez de nos dedicarmos a uma análise complexa de custo-benefício, com o objetivo de calcularmos as melhores opções, focamo-nos apenas num problema e definimos o objetivo de o erradicar.
Por exemplo, por vezes é mais intuitivo investirmos numa redução de 1% para 0% do que de 25 para 20%. Na realidade, a redução do risco global é cinco vezes superior na segunda situação.
Consequências
A distorção a que este viés conduz pode ter consequências graves a vários níveis.
Ao concentrar a nossa atenção e recursos para evitar riscos raros, desinvestimos de outros problemas que apresentam riscos superiores.
Os trade-offs que cada decisão encerra é totalmente desprezada ou secundarizada.
Além disso, os potenciais ganhos vão-se reduzindo à medida que os riscos se tornam mais pequenos, o que torna esse investimento cada vez menos produtivo. Por vezes, os riscos residuais são mesmo impossíveis de eliminar ou as consequências de o tentar fazer são desastrosas.
Políticos, órgãos de comunicação social e muitas instituições ficam reféns das perceções populares. Muitos tentam acentuar essa distorção com vista a terem ganhos de poder, de popularidade, de audiência ou financeiros.
Outros vieses associados
Em geral, o efeito de um viés cognitivo é amplificado por outras formas de distorção da nossa perceção.
Viés da disponibilidade
O viés da disponibilidade faz com que, consoante a nossa exposição a acontecimentos, eles possam parecer mais comuns, do que o que são na realidade, ou então entendidos como raros, quando acontecem com frequência significativa.
Por exemplo, se um evento que ocorre com uma frequência dez vezes inferior a outro, nos é apresentado 10 vezes mais, nós provavelmente vamos percecioná-lo como mais frequente. Isto apesar de ser 10 vezes menos usual.
Este tipo de associação é particularmente forte em eventos raros, dado que essa exposição é, muitas vezes, a principal fonte de informação. Deste modo, a nossa tendência para “tudo fazer” para eliminar riscos residuais aumenta, já que eles são interpretados como sendo muito maiores.
Viés da negatividade
O viés da negatividade faz com que nos lembremos mais de situações negativas do que positivas. Assim, mesmo se tivermos o mesmo grau de exposição, os eventos raros, se forem trágicos, são percecionados como mais comuns do que na realidade são.
A utilização de casos anedóticos e de testemunhos dramáticos têm um enorme impacto emocional e acentuam, ainda mais, essa distorção. Por isso, é normal tudo fazermos para eliminar esse risco, mesmo que (1) ele seja ínfimo, (2) as nossas medidas não tenham eficácia comprovada ou (3) que estejamos a aumentar outros riscos de forma desproporcional.
Ilusão de controlo
A ilusão de controlo é a tendência para sobrestimarmos a nossa influência em determinados eventos. Em acontecimentos muito raros, ainda se torna mais difícil aferir de modo objetivo o nosso impacto e quais as medidas eficazes.
Facilmente, relacionamos certas medidas com resultados positivos, quando na realidade a probabilidade de tal acontecer sem que fizéssemos alguma coisa, era já elevada. Dessa forma, fica ainda mais reforçada essa ilusão.
Tal acontece mesmo com ações totalmente irracionais, mas que nos fazem sentir que, de alguma forma, nos dão segurança e reduzem a perceção de incerteza.
Por exemplo, sentarmo-nos no mesmo local onde assistimos a nossa equipa ganhar ou vestir a peça de roupa que nos tem dado sorte. Tudo para eliminarmos o risco de, se não agirmos dessa forma, as coisas poderem correr mal.
Algumas pessoas acreditam mesmo que esses comportamentos têm influência. Para a maioria, no entanto, reconhecem que racionalmente não fazem sentido, mas que, ainda assim, se sentem mais seguras se os tiverem.
Exemplos
Doenças
Algumas doenças, por terem algo novo ou apelativo, chamam maior atenção aos órgãos de comunicação social e às pessoas em geral. Como consequência, decisores políticos, ou com dependências dos mesmos, centram-se quase unicamente nessas doenças e canalizam recursos de forma desproporcional para as mesmas.
Ao mesmo tempo, outras doenças, com impactos muito superiores na saúde e na mortalidade, sofrem quebras de investimento e de recursos.
Política
Os políticos são em geral avaliados por uma ou duas coisas, que marcam os seus mandatos. Mais facilmente os eleitores associam o grau de sucesso de um governante a um ou dois acontecimentos marcantes, do que por melhorar a generalidade das variáveis relevantes.
O legado de um político nunca é aferido por “pequenas melhorias em muitas coisas importantes”, mas sempre porque “fez isto” ou “acabou com aquilo”.
Não é, pois, de estranhar que muitos políticos optem por definir apenas uma, ou poucas, “bandeiras” como marca do seu mandato. Desse modo, dirigem os seus esforços e discursos para poucos problemas, ou realizações, e fazem deles a marca do seu mandato.
Podem constituir exemplos de promessas sustentadas no viés de risco zero: «acabar com o terrorismo», «acabar com as emissões de carbono» ou políticas de “Zero Covid”.
Marketing
Em termos de marketing, uma das estratégias mais eficientes de venda é a oferta de uma garantia de devolução. Deste modo, a perceção do cliente é de que não tem qualquer risco com aquela compra e dispõe-se a pagar mais por aquele artigo.
Outras alternativas que à partida oferecem maiores vantagens são preteridas porque a segurança de “risco zero” é, muitas vezes, decisiva para a opção final de compra.
Consumo em tempos de incerteza
Mesmo sem uma estratégia de marketing por detrás, os consumidores têm comportamentos em que manifestam este viés.
A compra desproporcional e obsessiva de papel higiénico é um exemplo. Numa situação em que as pessoas se sentem ameaçadas e sem controlo, optam pela eliminação em absoluto de um tipo de risco, ainda que mínimo ou num aspeto superficial, como forma de se sentirem mais seguras e em controlo.
Perceção de risco em crianças e jovens
A nossa gestão do risco também é muito condicionada por este tipo de heurística. Atribuímos demasiada importância a riscos muito baixos e não tanta a outros bastante mais comuns.
A título de exemplo, em muitos países o número de raptos (não associados a disputas parentais) é praticamente nulo. No entanto, cada caso é reportado até à exaustão, por vezes durante muitos anos. Isto faz com que muitos progenitores tenham uma enorme aversão a esse risco, mesmo que ele praticamente não exista.
Paradoxalmente, com outros riscos, incomparavelmente maiores, os cuidados geralmente são inferiores, como na prevenção de acidentes rodoviários (uma das principais causas de morte na infância).
Como podemos evitar este viés?
Apesar de ser difícil evitar completamente este viés, existem formas de o minimizar. Eis algumas sugestões:
- Perceber que existem vários motivos que levam a que, muitas vezes, a nossa atenção a certos riscos residuais seja muito superior a outros mais significativos;
- Procurar fontes de informação objetivas e consultar dados estatísticos fidedignos para perceber os riscos reais e a sua comparação com outros;
- Evitar relatos pessoais ou casos anedóticos para obter um “quadro geral” de uma realidade. Ambos estão sujeitos a vieses importantes e podem criar uma perceção completamente desfasada da realidade;
- Para cada medida que tomamos para reduzir um risco residual, analisar os possíveis ganhos, mas igualmente os efeitos colaterais e o aumento de outros riscos;
- Considerar também os custos de oportunidade. Por exemplo, analisar o que se «deixa de ganhar» quando se investe todos os recursos num problema com riscos residuais em detrimento de outros, com ganhos potenciais muito superiores.
No fundo, por muito que isso nos custe a aceitar, temos de viver com algum nível de incerteza.
Estarmos concentrados obsessivamente em tentar acabar com riscos muito baixos, e por vezes já difíceis de reduzir, pode encerrar um perigo muito maior do que os que tentamos evitar.