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Investigação Filipe Froes: Declarações infundadas sobre vacinação Covid -19

O pneumologista Filipe Froes fez declarações infundadas acerca das vacinas Covid-19, nomeadamente, as que usam tecnologia mRNA.  Essas declarações revestem-se de particular gravidade dada a sua estreita ligação com inúmeras farmacêuticas, nomeadamente a Pfizer e o facto destas terem sido difundidas por grandes órgãos de comunicação social.

Filipe Froes fez parte do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos e foi consultor da Direção-Geral de Saúde durante a gestão da pandemia. Foi uma das figuras mais presentes nas televisões durante a pandemia, com uma clara influência na opinião pública sobre o tema.  A vacinação foi uma das áreas mais abordadas por Filipes Froes ao longo desse período.

Existem várias declarações sobre a vacinação que mereciam uma análise detalhada, mas selecionamos duas que nos parecem particularmente relevantes.

Declaração 1- Infeção e transmissão de vacinados

“Quem tem o esquema vacinal completo e com dose de reforço, tem um risco de infeção e de transmissão praticamente nulo. Não se pode dizer que seja zero, mas o risco é praticamente nulo. E se infetar outra pessoa com as mesmas condições, o risco dessa pessoa contrair a doença grave é reduzido, quase inexistente”– Filipe Froes, TSF, 06 de Janeiro de 2022.

Nesta altura, já se sabia há meses que o efeito da vacina na infeção ou na transmissão era limitado.

A 18 de novembro de 2021, um mês e meio antes dessas declarações, uma carta publicada no The Lancet Regional Health – Europe, intitulada “The epidemiological relevance of the Covid-19-vaccinated population is increasing”, apresenta um resumo de vários estudos que evidenciavam a importância epidemiológica dos indivíduos vacinados contra a Covid-19. Tal facto, foi consistentemente confirmado por estudos posteriores  [17] [18] [19] [20]. 

Também, pela observação de vários países, se pode comprovar que dificilmente pessoas vacinadas e com dose de reforço têm “um risco de infeção e de transmissão praticamente nulo.”

Por exemplo, vendo os dados de Israel, podemos verificar que após a elevadíssima percentagem da população ter tomado a dose de reforço, as infeções atingiram novos máximos históricos, incomparáveis com as ondas anteriores (sem vacinas). 

Coronavirus (COVID-19) Vaccinations – Our World in Data

Israel COVID – Coronavirus Statistics – Worldometer (worldometers.info)

Doença grave 

Além disso, a afirmação de que, se um vacinado completo (e com “reforço”) “infetar outra pessoa com as mesmas condições, o risco dessa pessoa contrair a doença grave é reduzido, quase inexistente” também não parece encontrar grande suporte na evidência disponível. 

Recorrendo também a Israel, os dados de mortalidade Covid, numa altura em que a maioria da população de risco estava vacinada (e com a dose de reforço), são difíceis de compatibilizar com um risco de doença grave “quase inexistente” após transmissão por parte de vacinados.

Israel COVID – Coronavirus Statistics – Worldometer (worldometers.info)

Declaração 2: : Rácio hospitalizações até chegada das vacinas

“Nós até chegarmos à vacinação e aos números que temos da vacinação, nós tínhamos uma relação extremamente fácil de estabelecer entre transmissibilidade e gravidade, era a regra do início da pandemia dos 80, 15, 5. Em 100 doentes, tínhamos 100 infetados, tínhamos 80 com formas ligeiras, tínhamos 15 que precisavam de ser internados em enfermaria e tínhamos 5 que precisavam de ser internados em cuidados intensivos.”- Filipe Froes, SIC-N.

Também aqui é difícil perceber onde Filipe Froes vai buscar esses números, especialmente se considerarmos que se refere até à chegada das vacinas. 

Como os números de (novos) internamentos não estão disponíveis em Portugal, recorremos aos dados dos nossos vizinhos para verificar a validade dessa informação.

Fonte: Ourworldindata.Covid cases

Fonte: Ourworldindata.ICU admissions-covid-per-million

Fonte: Ourworldindata.Covid hospitalizations

Basta considerar, por exemplo, a maior onda pré-vacinação (por volta de 7 de novembro de 2020) para chegarmos a um rácio entre hospitalizações e casos muito diferentes. Nessa data, existe um pico de casos, hospitalizações e hospitalizações em UCI.

A percentagem de casos Covid que necessita de hospitalização nesse pico varia entre menos de 5% em França até menos de 10% em Espanha. Portanto, longe da relação de 20% de hospitalizados.

Nos internamentos em UCI, a diferença é ainda muito superior. Nesse período, em França a percentagem foi de 0,7% e em Espanha cerca de 1% (estes dados não estão disponíveis para Itália). Ou seja, um rácio muito distinto dos “5% que precisavam de ser internados em cuidados intensivos.”

Portugal

Apesar dos internamentos diários não estarem disponíveis, é fácil perceber que essas estimativas estão completamente distorcidas também em Portugal.

Entre 13 de novembro e 1 de dezembro, a média diária foi sempre superior a 4.500 casos por dia. Ora, mesmo considerando a média de casos (e não o pico máximo), os internados seriam, segundo Filipe Froes, em média, cerca de 900 por dia durante esse período (20% dos casos).

Acontece, no entanto, que o pico máximo de internamentos foi de 3.338, algo apenas possível se o tempo de internamento médio fosse de cerca de três dias e meio. O que está  muito longe da realidade.

Se considerarmos o pico de casos ocorridos e não a média, a diferença será ainda superior.

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Descrição gerada automaticamente

Fonte: PÚBLICO 

Ainda segundo as estimativas de Filipe Froes, ocorreriam em média 225 internamentos em UCI durante este período (5% dos casos Covid). Como, sabemos que o pico máximo de internamentos em UCI nesta vaga foi de 529, essa afirmação só poderia ter alguma validade se o tempo de internamento médio em UCI fosse inferior a dois dias e meio. 

Infeções não detetadas

Mas ainda assim, estas percentagens estão longe de corresponder aos valores reais se considerarmos que Filipe Froes refere explicitamente estar a falar de infetados. Ora o número de infetados é muitíssimo superior ao dos casos.

Tal facto, pode ser facilmente comprovado pelos resultados dos testes serológicos que frequentemente deram estimativas de infeção dez ou mais vezes superiores ao número de casos. 

Assim, os valores que apresenta sobre as percentagens de infetados com necessidade de hospitalização, até à chegada da vacina, estão completamente desfasados da realidade. Em alguns períodos, podem exagerar a percentagem real de hospitalizações entre os infetados em dezenas de vezes.

O aumento da testagem ao longo da pandemia, que assim atingiu números inéditos, também contribuiu para que o número de casos aumentasse e se passasse (tendencialmente) a detetar uma percentagem maior de casos pouco graves. 

Especialmente  em relação ao início da pandemia referida por Filipe Froes,  a capacidade de testagem era muito limitada, pelo que comparar esses período com outros em que foram implementados grandes rastreios é manifestamente impreciso. 

As percentagens de hospitalizações, numa doença com muitas infeções assintomáticas ou ligeiras, serão sempre maiores quando apenas se detetam os casos mais graves do que quando se detetam grande parte das infeções ligeiras ou sem sintomas. 

Ourworldindata. daily-covid-19-tests

 Evolução natural de uma pandemia

Qualquer pandemia tende (mais tarde ou mais cedo) para a diminuição de casos graves pela redução  da população mais vulnerável e pelo aumento da população com imunidade natural. 

Depois existem outros fatores que podem contribuir para essa queda, como a vacinação ou o tratamento. A vacinação teve historicamente um papel muito importante para a diminuição dos casos graves de várias doenças pandémicas ou epidémicas e até erradicação da varíola (humana). 

Além disso, o próprio agente pode-se tornar menos patogénico. Parece ter sido o caso do SARS-CoV-2, já que existe inúmera evidência da menor patogenicidade intrínseca da variante Ómicron [21] [22] [23]. Em Portugal, a nova variante tornou-se rapidamente dominante no outono-inverno de 2021 e 2022. 

Fonte: Our World in Data

Assim, a enorme distorção dos números e o facto de apontar a vacinação como (única) responsável pela redução da gravidade dos casos, ignorando todos os outros fatores e o facto de essa tendência existir muito antes da sua chegada, é algo que deve ser colocado em questão quando provém de alguém com a formação e as responsabilidades de Filipe Froes. 

Conflito de interesses

Durante os anos da pandemia, recebeu inúmeros pagamentos de entidades relacionadas com a vacinação, especialmente da Pfizer. Dos dez valores recebidos mais altos declarados em 2020 e 2021, cinco correspondem a pagamentos da empresa farmacêutica, quer a Filipe Froes, diretamente, quer à empresa da qual é sócio, a Terra & Froes. De acordo com a Plataforma Transparência e Publicidade do Infarmed, onde todas as entidades envolvidas em negócios da indústria farmacêuticas são obrigadas a declarar as transações, os recebimentos de Froes e da sua empresa ascenderam, em 2020 e 2021, a quase 100 mil euros por parte de diversas empresas farmacêuticas.

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Fonte: Infarmed- Plataforma transparência e Publicidade 

Referências bibliográficas:

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[23] Bálint G, Vörös-Horváth B, Széchenyi A. Omicron: increased transmissibility and decreased pathogenicity. Signal Transduct Target Ther. 2022 May 7;7(1):151. doi: 10.1038/s41392-022-01009-8. PMID: 35525870; PMCID: PMC9077027.

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