A Direção-Geral da Saúde (DGS) recrutou e formou 5000 micro-influencers para fornecerem informações sobre a covid-19. Apesar da formação médica não ser um requisito, os influencers apelaram às pessoas com quem interagiram para se vacinarem.
Segundo a notícia publicada no site da DGS a 30 de agosto, “a abordagem inovadora ajudou o país a alcançar algumas das mais altas taxas de vacinação COVID-19 do mundo”. A entidade responsável pela saúde refere que “estes micro-influencers estão inseridos em toda a sociedade, o que significa que mesmo comunidades de difícil acesso têm uma pessoa de confiança com quem discutir as suas dúvidas ou preocupações”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, através do site da sua divisão europeia e em língua inglesa, o depoimento de quatro micro-influencers portugueses que participaram no projeto. O Comandante dos Bombeiros de Ponte de Sôr, Simão Velez, conta uma história:
“Um dia, uma mãe de duas crianças foi a um centro de vacinação e decidiu não vacinar os filhos. Foi-se embora. Fui atrás dela, conversei durante meia-hora e a mãe reverteu a decisão”. “Provavelmente foi porque contei-lhe que a minha filha de nove anos já tinha sido vacinada”, conclui o bombeiro.
Outro influencer sem formação médica, o Major Ricardo Silva, da GNR, disse que “é minha responsabilidade motivar, estimular e encorajar os 300 militares ao meu cuidado para apoiar a vacinação”. O Major destaca a “importância da ação para as populações mais vulneráveis, como é o caso dos idosos”.
Luís Lourenço, um farmacêutico micro-influencers de Sintra, também se refere aos idosos: “era habitual ser abordado pelos mais velhos que perguntavam se a vacinação covid-19 era segura, já que tinham ouvido que muita gente tinha sofrido reações adversas após a vacinação”. O farmacêutico explicava de seguida com números:
“Se há o registo de uma reação adversa em 10 milhões de pessoas vacinadas, nós teremos apenas um caso reportado em todo o Portugal”. E conclui: “os números são bons para explicar a magnitude dos eventos!”
Segundo o Relatório de Farmacovigilância do Infarmed relativo à monitorização da segurança das vacinas da covid-19 de julho de 2022, até ao final desse mês tinham sido administradas perto de 25 milhões doses e registados pouco mais de 25 mil reações adversas, o que equivale a uma reação adversa por cada mil vacinas administradas. Se olharmos para os casos graves de reações adversas, são 3 por cada 10 mil doses, dos quais resultaram 135 mortes.
A OMS ouviu também uma dentista do Porto, Célia Carneiro, que disse sentir que “pôde ajudar a desmistificar preocupações ao nível da saúde oral e geral sobre a covid-19, em especial no que diz respeito à vacinação”. A dentista refere que “é importante que os doentes estejam esclarecidos com a informação correta para possam tomar decisões informadas e em consciência”.
Influencers e desinformação em saúde pública
Em maio de 2020, volvido cerca de um mês e meio sobre a declaração da pandemia, considerava-se que “os influencers devem ser responsabilizados se difundirem desinformação”, conforme o título do jornal Público de 14 de maio. A publicação cita o co-autor de um estudo sobre desinformação na saúde: “os influencers deveriam ser responsabilizados no caso de partilharem desinformação, já que os conteúdos que difundem abrangem milhares de pessoas e poderão representar um perigo para a saúde pública”.
Francisco Goiana da Silva propunha na altura “a criação de uma plataforma que reúna os órgãos de comunicação social portugueses, as autoridades sanitárias e os influencers, para permitir uma verificação correta da informação que é divulgada, podendo impedir, inclusive, que chegue a ser difundida”.
O co-autor do estudo acrescenta que, em relação à saúde, “estamos a falar de uma área muito específica”, considerando que, neste campo, os órgãos de comunicação social não têm o “conhecimento técnico e as bases científicas para saberem o que é correcto”, acabando por divulgar notícias que citam estudos que carecem de validação científica. “Há artigos [científicos] que não devem ser partilhados porque são fracos e podem induzir em erro”, diz, uma vez que isso também é uma forma de propagar desinformação.
Francisco Goiana da Silva é médico e professor universitário. Trabalhou como consultor da OMS e participou em 2014 na Cimeira de Davos, um evento do Fórum Económico Mundial.
DGS apressou-se a contratar influencers
Logo no início da pandemia, a meio de março de 2020, a DGS já tinha preparado campanhas na rádio e na televisão protagonizadas por influencers. Rui Unas e Catarina Miranda deram voz às primeiras campanhas radiofónicas onde eram dadas recomendações de como evitar tocar com as mãos nos olhos, nariz ou boca.
As campanhas foram organizadas em tempo recorde e contaram com a participação de nomes como Ana Garcia Martins (A Pipoca Mais Doce), Marisa Cruz, Rita Ferro Rodrigues ou Ágata Roquette que partilharam, nas suas redes sociais, algumas das informações veiculadas pela DGS.