Várias instituições europeias criticam a falta de transparência da Comissão Europeia relativamente ao negócio de vacinas covid-19 com a Pfizer. Em causa estão mensagens de texto privadas trocadas entre a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, e Albert Bourla, CEO da empresa farmacêutica. Ministério Público, Parlamento, Provedora e Tribunal querem ver esclarecido negócio que poderá ter ascendido a 35 mil milhões de Euros.
O Ministério Público Europeu – European Public Prosecutor’s Office (EPPO), na sua designação oficial – confirmou a 14 de outubro que tem em curso uma investigação sobre a aquisição de vacinas covid-19 por parte da União Europeia (UE). O comunicado é “uma confirmação excecional decorrente do interesse público extremamente elevado que foi demonstrado”. O EPPO diz que não irá, para já, detalhar publicamente a investigação.
O EPPO é um órgão independente da União Europeia responsável pela investigação e acusação de crimes financeiros, incluindo fraude, lavagem de dinheiro e corrupção.
O comunicado do EPPO surge três dias depois de membros do Parlamento Europeu (PE) terem feito duras críticas sobre a falta de transparência nos negócios feitos entre a Comissão Europeia e a Pfizer. Outras duas instituições europeias, o Ombudsman Europeu e o Tribunal de Auditores da União Europeia, também já demonstraram dúvidas sobre o processo de aquisição de vacinas covid-19.
Parlamentares querem divulgação de mensagens privadas entre presidentes da Comissão Europeia e da Pfizer
A 12 de outubro, o comité COVI do PE acusou o CEO da Pfizer, Albert Bourla, de ter recusado aparecer perante o parlamento para “responder às nossas perguntas legítimas sobre as suas mensagens de texto privadas com a presidente da comissão europeia, Ursula von der Leyen”.
Francesca Donato, membro do PE e do comité, falava numa conferência de imprensa no dia seguinte à audiência com os representantes das farmacêuticas. Francesca recorda que as trocas de mensagens “foram consideradas irregulares de acordo com os regulamentos de transparência da EU, pelo Ombudsman e pelo Tribunal de Auditores da União Europeia”.
A membro do PE acusa Bourla de também não responder às importantes questões feitas pelo comité: “a política de preços da companhia, a divulgação de ensaios clínicos e efeitos adversos, e outros assuntos relacionados com a segurança e eficácia da vacina da Pfizer/BionTech”.
O comité especial do PE lança a suspeita de corrupção.
“A recusa de von der Leyen em divulgar o conteúdo das mensagens de texto, em primeiro lugar, e a recusa do Sr. Bourlet aparecer perante o parlamento, seguido do reticente comportamento da Sra. Small ontem, criam uma nuvem de suspeição preocupante sobre a legitimidade sobre todo o processo de contratos, indiciando suspeitas de corrupção.”
Para os parlamentares, a transparência é uma peça fundamental no processo. A falta dela, dizem, viola claramente os direitos dos cidadãos da UE em saber em detalhe qual a finalidade dos dinheiros dos contribuintes europeus. “Discutimos milhões de dinheiros públicos que estão a ser geridos pela Comissão Europeia através de acordos secretos feitos diretamente com executivos das empresas, longe do controlo democrático das pessoas através dos seus representantes eleitos no Parlamento Europeu”, disse Francesca Donato.
As reuniões do comité com representantes de grandes empresas farmacêuticas “mostram uma posição que enfatiza uma ameaça permanente para a saúde das pessoas dada pela pandemia covid”. Francesca Donato dá como exemplo “a clara evidência sobre os efeitos ligeiros das recentes variantes do vírus SARS-CoV-2”, atualmente em circulação, que fizeram com que a situação de emergência tenha terminado em todos os países. Depois, contrapõe com as declarações de Janine Small, que substituiu Bourla na reunião com membros do PE.
“Ontem [Small] precisou de anunciar uma possível nova variante, mais agressiva, como também mais contagiosa, sem ter em consideração toda a evidência científica de que tal evolução de um vírus na natureza é simplesmente impossível”.
Os parlamentares consideram “nojento e enganador” o uso incorreto de comunicação falsamente baseada em verdades científicas. Para o comité, existe “apenas o único objetivo de destruir as bases de confiança em toda a comunidade científica por parte dos europeus”.
O comité quer que sejam feitas investigações pelas autoridades competentes para fazer com que “a verdade venha ao de cima” e para assegurar “todos os direitos dos cidadãos da UE sobre a transparência e as políticas europeias orientadas para a confiança pública”.
O comité especial COVI “foi formado para analisar como foi a resposta da União à pandemia e como é que as lições aprendidas podem contribuir para ações futuras”. O trabalho dos membros do PE assenta em quatro pilares principais: saúde, democracia e direitos fundamentais, impactos sociais e económicos e a União Europeia e o mundo.
Comissão não responde a Provedor europeu
As primeiras suspeitas sobre o negócio surgiram em abril de 2021 quando o jornal New York Times noticiou pela primeira vez sobre a troca de mensagens de texto entre von der Leyen e o CEO da Pfizer, Albert Bourla. Em causa estava o maior contrato de aquisição de vacinas na UE — perto de 1,8 mil milhões de doses da vacina Pfizer/ BioNTech. O negócio valeria perto de 35 mil milhões de Euros se fosse totalmente exercido, de acordo com o Finantial Times.
O inquérito feito pela Ombudsman (o equivalente a um Provedor europeu) “confirmou a constatação de má administração” por parte da Comissão. A Ombudsman Emily O’Reilly indicou, em julho de 2022, que durante mais de um ano a Comissão “ainda não clarificou se as mensagens relacionadas com grandes negócios de aquisição de vacinas existem e se o público tem direito a vê-las”.
“A forma como tem sido tratado este pedido de acesso a documentos deixa a lamentável impressão de uma instituição da UE que não está disponível em assuntos de significativo interesse público”, disse O’Reilly.
O Ombudsman Europeu trabalha para promover a boa gestão ao nível da União Europeia. O Ombudsman investiga queixas relativas a má gestão de instituições da UE, como também analisa proactivamente amplas questões sistémicas.
Auditores europeus criticam falta de transparência de von der Leyen
A 12 de setembro o Tribunal de Auditores da União Europeia publicou um relatório onde refere que a Comissão recusou a divulgação de qualquer detalhe sobre o envolvimento pessoal da sua presidente, Ursula von der Leyen, nas negociações.
O Tribunal revelou que von der Leyen não seguiu as regras sobre as negociações na EU e abriu caminho para um contrato direto de 1,8 mil milhões de doses de vacinas covid-19 assinado em maio de 2021.
Para todos os outros negócios de vacinas feitos pela União Europeia em 2020 e 2021, um grupo composto por elementos da Comissão Europeia e sete representantes de países membros realizaram as primeiras conversações. O resultado foi a criação de uma comissão composta por todos os 27 estados-membros com a responsabilidade de negociação das vacinas, refere o relatório.O Tribunal de Auditores da União Europeia é responsável pela auditoria das finanças da EU. Enquanto auditor externo da UE, “contribui para melhorar a gestão financeira e atua como um guardião independente dos interesses financeiros dos cidadãos da União”.
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