Um estudo identificou 1.000 doentes com sintomas compatíveis com a covid e comparou quem teve teste positivo com quem testou negativo para a doença. Após três meses, os que testaram positivo reportaram menos sintomas. O infeciologista Tiago Marques deu-nos a sua visão sobre o tema.
O estudo, publicado a 1 de dezembro, registou 1.000 participantes com sintomas agudos sugestivos de infeção SARS-CoV-2. Esses sujeitos foram separados em dois grupos: (1) os que testaram positivo para a covid-19 e (2) os que testaram negativo.
Após três meses foram comparados os resultados reportados pelo paciente, a nível do bem-estar físico, mental e social.
Os resultados do estudo evidenciam a importância de incluir um grupo de controlo concorrente quando se estuda as sequelas da doença covid-19.
Os participantes nos grupos covid-positivo (grupo covid) e covid-negativo (grupo não covid) relataram persistentemente mal-estar físico, mental ou social durante três meses.
Apesar de algumas melhorias ao longo do tempo, 39,6% dos que testaram positivos para a covid-19 e 53,5% dos que testaram negativo reportaram sintomas residuais após esse período.
Após ajustamento, as melhorias no bem-estar foram estatisticamente e clinicamente maiores para os participantes no grupo covid do que no grupo não covid apenas para a participação social. As alterações noutros domínios de bem-estar não foram clinicamente diferentes entre grupos.
Saúde mental
Outro dado importante que este estudo identifica é a prevalência de problemas de saúde mental em quase 25% dos participantes (21,9% do grupo covid e 27,3% do grupo não covid).
Os autores concluem que essa constatação “… pode refletir uma exposição pandémica mais geral” de ambos os grupos.
“Por exemplo, a semelhança em mudanças observadas em ambos os grupos pode refletir a experiência de estar doente durante uma pandemia quando o acesso aos cuidados foi dificultado por restrições pandémicas, potencialmente retardando a recuperação independentemente da causa da infeção subjacente.”
Limitações
Apesar de apresentar muitos pontos fortes, o estudo tem algumas limitações, como o grupo de controlo (teste covid negativo, supostamente infetados por outros agentes) não ser exatamente igual ao grupo de infetados covid.
Outra das limitações referidas pelos autores é o facto de no período de recrutamento para o estudo (de 11 de dezembro de 2020 a 10 de setembro de 2021) circularem outras variantes covid. Por isso, os resultados podem não ser aplicáveis a infeções posteriores envolvendo outras variantes do SARS-CoV-2, consideradas, em geral, menos patogénicas que as iniciais.
Análise de um especialista
O médico Tiago Marques analisou o estudo para o The Blind Spot e a comparação de sintomas persistentes pós infecção por SARS-CoV-2 e pós infecção por outros vírus, com sintomatologia análoga, mas teste SARS-CoV-2 negativo.
O infeciologista salienta “que a prevalência de sintomas persistentes é até superior nas outras patologias infeciosas virais”. Mas considera que “tal não é surpreendente, uma vez que são bem conhecidos os fenómenos de fadiga pós viral, embora de mecanismo mal conhecido”.
Tiago Marques dá como exemplos frequentes as situações após mononucleose infecciosa, “que alguns se lembrarão de ter tido ou ter visto na família e que origina um cansaço característico e que pode durar vários meses”. Nos casos que se seguem à infecção por influenza, dengue ou síndroma pé mão boca, o infeciologista considera que “também existe um período de astenia num subgrupo de doentes e que geralmente acaba por resolver após algum tempo, que poderão ser meses, através de tratamento sintomático e de suporte”.
Para Tiago Marques, são necessários mais estudos “a fim de esclarecer a causa destes fenómenos e se poderá existir algum tratamento dirigido”. Mas o infeciologista é conclusivo: “é certo que não se trata de uma patologia exclusiva do covid.”
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