O título deste artigo pode parecer exagerado. Mas os acontecimentos dos últimos anos e as movimentações atuais sugerem, infelizmente, o contrário. A liberdade que o abril de 74 e os acontecimentos posteriores nos trouxeram está longe de estar garantida.
Em primeiro lugar, pensemos na história que, como sabemos, “não se repete, mas rima”. Ora, muitos dos fenómenos que hoje vivemos «rimam» de forma assustadora com os que no passado desembocaram em estados crescentemente autoritários e, muitas vezes, ditatoriais.
Falo, por exemplo, de algo que sempre se mostrou imprescindível para a consolidação e manutenção de democracias liberais (com todas as suas limitações e falhanços) – a existência de poderes independentes e de um intenso escrutínio público.
Ora esses pilares das democracias ocidentais estão, em muitos casos, em ruínas. Em países como Portugal, o nível de dependência do estado tem continuado a aumentar, quer para as organizações quer para os cidadãos.
Também em muitos países como o nosso, a comunicação social mainstream é pouco mais do que um amplificador da narrativa oficial, abandonando a sua função fundamental de investigar e questionar o poder vigente. Pelo contrário, com frequência ataca ou censura quem o faz.
Não é, pois, de estranhar que poucos tenham sentido o resvalar para o autoritarismo, o obscurantismo e a ilegalidade em que vivemos nos últimos anos. A grande maioria das pessoas incorporou a narrativa oficial e mediática que lhes foi martelada de forma hegemónica e incessante.
A novilíngua também serviu (e serve) o seu propósito de limitar as possibilidades de pensamento e enclausurá-lo no politicamente correto, atualizado à luz dos dislates a que vamos sendo sujeitos.
Expressões como “negacionismo”, “teorias da conspiração”, “desinformação”, mas também “Putinismo” ou “Trumpismo” servem bem esse propósito de catalogar quem ouse exprimir “ideias proibidas” e de reprimir qualquer tentativa de argumentação ou apresentação de factos divergentes.
Liberdade de expressão não é um perigo, é uma salvaguarda
A liberdade de expressão sempre foi um baluarte e simultaneamente uma salvaguarda das democracias. O facto de alguém poder dizer disparates ou inverdades é inevitável, sempre foi uma parte intrínseca do jogo democrático. O debate livre é o melhor antídoto para que as más ideias sejam rebatidas e expurgadas.
O verdadeiro perigo é outro. É o de que mentiras e ideias perniciosas sejam protegidas do escrutínio público ou especializado, exatamente por aqueles que beneficiam delas para impor as suas agendas e interesses. Tudo, claro, bem camuflado por ideias fofinhas, como a luta contra a desinformação.
Agora, tal como no passado.
“Constituem direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses: (…) a liberdade de pensamento sob qualquer forma” (artigo 8.º) (…) , “leis especiais regularão o exercício da liberdade de pensamento” (artigo 20.º)
Fonte: Constituição da República Portuguesa de 1933
“A censura terá somente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, (…)”
Fonte: Decreto 22 469 de 1933
Só que a máquina agora está (muito) bem montada e é global. Uma rede internacional de fact-checkers, de agências de notícias, de think-tanks, de (todos) os grandes media e um conjunto vasto de outras entidades são direta, ou indiretamente, financiadas por interesses corporativos, que em troca vêm as suas narrativas e produtos promovidos e protegidos de escrutínio.
Por azar nosso, o modelo ocidental não é exatamente o que as grandes corporações, cada vez mais nas mãos de poucos e com mais interesses partilhados, preferem para a implementação do seu grande modelo de negócio.
O Fórum Económico Mundial e o seu desconforto com democracias
Entidades privadas como o Fórum Económico Mundial, incubadora de muitos dos políticos e decisores atuais e financiado pelos grandes grupos económicos globais, tem liderado esse processo de transição para uma sociedade de fusão entre corporações e governos. E, seja reconhecido, não escondem os seus propósitos, desmontando qualquer teoria de conspiração pelo simples facto de exporem abertamente as suas agendas, não apenas para nos convencer mas para contar a história de como será o futuro.
O seu líder Klaus Schwab explica que antes de se atingir essa “sociedade ideal” (para quem?) temos de passar por um estado intermédio, idealmente o «capitalismo de estado» (onde é que já ouvimos este tipo de história?). Ora, o capitalismo de estado presente em países como a China (vista como o exemplo a seguir por muitos), é um modelo ditatorial em que os direitos mais básicos são espezinhados rotineiramente.
Entre as suas agendas estão os passaportes digitais, as cidades dos 15 minutos, o estado de preparação constante contra pandemias, o carbono zero, as CBDCs e a implementação de créditos sociais.
Claro que para a sua implementação contam com a “ajuda” dos seus financiadores que investiram biliões nessas áreas e esperam retornos generosos, quer seja na área de produtos farmacêuticos, do reconhecimento digital, da gestão de dados de saúde, da remoção de carbono da atmosfera ou da inteligência artificial, só para dar alguns exemplos.
E, tal como reconhece o seu líder, a democracia atrapalha (o negócio). Tudo funciona melhor em regimes totalitários (por exemplo, com capitalismo de estado) sem estorvos como: os direitos à privacidade, à identidade ou à liberdade de circulação, e em que as transferências de capital para as grandes corporações sejam facilitadas por um controlo centralizado e sem escrutínios inconvenientes.
Tudo, como é óbvio (também aqui) pelo nosso bem, até porque, tal como é profeticamente anunciado, vêm aí novas (e recauchutadas) emergências de que precisamos ser defendidos. Quer queiramos, quer não.
Esperança e ação
Felizmente que, apesar destas e de outras movimentações complementares preocupantes (como as alterações no tratado global pandémico e na Regulamentação Geral de Saúde), alguns sinais de despertar e de resistência coletivos vão surgindo um pouco por todo lado.
Cabe-nos a nós provar que estas décadas de democracia liberal (ainda que imperfeita e incompleta) não foram apenas um fugaz episódio da história da humanidade.
Cabe-nos a nós cidadãos mostrar que temos o poder para lutar por ela contra a propensão, bem expressa na história, para emergência de regimes em que alguns (poucos) conseguem restringir os direitos e as liberdades de todos os outros (para proveito próprio).
Os instrumentos de manipulação e de controlo que se perfilam serão difíceis de combater e exigem todo o nosso comprometimento. Por isso, a verdadeira batalha será interna, dentro de cada um de nós, entre o conformismo complacente e o inconformismo atuante.
Afinal de contas, (ainda) podemos ser nós a escrever o futuro.