Quem não sabe história está condenado a repeti-la. Recorda-se de Thomas Sowell quando ele comenta «Quando queres ajudar as pessoas, dizes-lhe a verdade. Quanto te queres ajudar a ti próprio, dizes-lhes o que elas querem ouvir.»? Hoje vamos aprofundar o conformismo perigoso e os riscos dele decorrentes, encontrando no exemplo de Baruch Espinosa uma inspiração para o «Grande Reject» de forma a garantir a continuidade das suas soberania e liberdade pessoais.
Já estou a imaginar que poderá não estar totalmente de acordo comigo. O que respondo? Ainda bem! Pode contra-argumentar desde já que o «sistema» está concebido para nos condicionar. Sim, é verdade. Porém, vejamos …. Ainda não está condicionado e confinado às cidades dos 15 minutos, ainda não está condicionado pela moeda digital programada e que só o deixa comprar dentro do raio dos 15 minutos (bem, na verdade talvez possam ser uma ou duas horas, mas ainda não sabemos), ainda não está condicionado pelo passaporte de saúde obrigatório, nos espaços europeu e mundial.
Haverá uma janela de oportunidade para agirmos afirmativamente se compreendermos como há conformismos que nos colocam inexoravelmente em situações perigosas. Quais? Leia atentamente e estabeleça paralelismos evidentes com a situação em que vivemos.
Psicologia Dominic Abrams e o «conformismo perigoso» – o efeito de manada
E por falar em perigo, já tivemos a oportunidade de abordarmos o tema do conformismo noutros artigos. Veja que pudemos observar como o homem comum é conforme ao grupo (Solomon Ash), também é conforme ao que o chefe sugere (Stanley Milgram) e, muito frequentemente, talvez mais do que gostássemos de ver, até o maior santo é irresistivelmente tentado e se deixa transformar num diabrete à distância de um fósforo (Philip Zimbardo). O fenómeno social do conformismo tem sido amplamente estudado pela Psicologia Social.
E o que podemos concluir quando esse conformismo social coloca uma sociedade perante riscos tão perigosos ao nível da sobrevivência? Lembrei-me hoje de Dominic Abrams, renomado professor de psicologia social e o autor do conceito «conformidade perigosa». Nas suas palavras, «Comportar-se diferente do seu grupo pode torná-lo num «outcast». Sentar-se-ia, por exemplo, numa sala em chamas só porque todos os outros assim o fariam?».
Abrams promoveu uma particular experiência com o intuito de observar o instinto de sobrevivência do indivíduo em face de um perigo imediato. Colocou um conjunto de indivíduos numa sala de hotel, a propósito de um evento de marketing. Pretendia-se analisar o comportamento do grupo perante um estímulo que indicava perigo, ou seja, a libertação de um funo na sala de reunião que alertaria para a ocorrência de um incêndio.
Numa primeira fase dessa situação experimental, a reunião decorria numa sala quando surgiu fumo que indicava um incêndio no hotel. Como resposta a este estímulo, o grupo rapidamente reagiu tendo alguns elementos deixado para trás alguns dos seus pertences. Porém, numa fase posterior, introduziu-se no grupo outros participantes na reunião (estes últimos deveriam ignorar o estímulo que era o fumo). O que sucedeu? Se eu lhe contar, não acredita. Como os últimos participantes tinham sido avisados para não reagir ao estímulo, assim fizeram e continuaram empenhados na reunião. E os outros, o tal primeiro grupo que anteriormente saíra ao primeiro sinal do fumo? Não se mexeram… Então? Ora bem! Em média, permaneceram na sala cerca de treze minutos e só depois saíram. Fatal, teria exclamado Poirot! Demoraram o tempo suficiente para terem morrido no caso do incêndio ser verdadeiro.
Quer isto dizer que a maioria dos indivíduos agem seguindo uma espécie de «auto-piloto» e indexado a uma espécie de instinto básico, o instinto de segurança dentro do grupo onde estão integrados. Ou seja, situações bem reais podem matar e, uma vez mais, os exemplos históricos da II Guerra Mundial e posteriores devem continuar a fornecer as lições necessárias e suficientes para os dias de hoje. E Espinosa? O que tem a ver com Abrams? Tem tudo, como vamos ver já a seguir.
Em 1655 disseram a Espinosa: «Não terás nada e serás feliz»
Em choque! Foi como fiquei quando fui ler a biografia de Espinosa. Em choque e perplexa! Como tinha sido possível uma comunidade ter silenciado socialmente uma pérola da sua comunidade?
Baruch de Espinosa ou Bento de Espinosa nasceu em Portugal, mas cresceu numa comunidade luso-judaica em Amsterdão porque a sua família fugiu à Inquisição. Um dos maiores racionalistas e pensadores criativos do século dezassete, teve a coragem de colocar em causa a autenticidade da Bíblia dos Hebreus assim como da natureza Divina. Resultado? Está a imaginar o que lhe sucedeu no «tempo das fogueiras» por toda a Europa, não é verdade? Se imaginou, está correto porque as autoridades religiosas da sua comunidade proferiram um «chérem» contra ele quando ele tinha apenas 23 anos. E o que é isso? Pois fique a saber que esse banimento acarretou a sua expulsão e repúdio por toda a comunidade e família. E depois? Foi para o exílio?
E Bento o que fez? Primeiro, mudou o nome para Benedito. Depois trabalhou como polidor de lentes e viveu sempre em casa de famílias holandesas. Foi reconhecido em vida, apreciado e até convidado a trabalhar em instituições de prestígio como a Universidade de Heidelberg. Contudo, e apesar de reconhecer as oportunidades que lhe eram oferecidas, optou pela independência de pensamento.
E, sobretudo, não deixou de refletir sobre as estranhas formas de vida dos homens caracterizadas pela prepotência, vaidade, ausência de lógica e afastamento da natureza, dando lugar a experiências de vida vagas, superficiais e afastadas do conhecimento. Baruch, Bento ou Benedito foi livre, curioso e persistente. Por outras palavras, o filósofo de origem portuguesa tinha uma mente de crescimento. Mas já lá iremos. Agora vamos tentar compreender a similitude das circunstâncias vividas por Baruch e nós, hoje.
E se lhe disserem hoje que em 2030 não terá nada e será feliz?
Também está chocado, não é verdade? Até hoje não conheci ninguém que não tenha ficado sensibilizado pelo destino cruel de Espinosa. Mas dou-lhe uma boa notícia. Se ficou sensibilizado significa isso que mantém aquela drive que é o instinto de sobrevivência e manifesta ainda empatia. Essa sensibilidade é protetora por dois motivos: primeiro, porque esse instinto que mantêm dá-lhe aquele impulso para reagir da mesma forma perante riscos de sobrevivência semelhantes aos que Bento viveu; segundo, porque essa empatia que guarda no seu coração dá-lhe aquele outro impulso para reagir abraçando alguém que tenha igual sorte à de Bento.
Veja que os tempos em que vivemos não estão fáceis. Dos quatro cavaleiros apocalípticos já vivemos três: a peste, a guerra e a morte. Estas personagens foram descritas na terceira visão profética do Apóstolo João no livro de Revelação ou Apocalipse. Em boa verdade, nunca tive particular interesse pelas visões apocalípticas, talvez pelo apelo ao exagero que elas encerram. Mas confesso que o ter estudo da guerra na antiguidade pré-clássica fez-me sempre refletir na maldade humana sem limites, e abriu-me a mente para aceitar os fenómenos extremos.
E foi muito útil ou protetor, como lhe pretender designar porque me deu os instrumentos para juntar as peças do perigoso jogo em que vivemos. Ou seja, depois de termos vivido com alguma liberdade de ação e abundância no denominado mundo ocidental, a vida mais parece uma «montanha-russa» quando observamos um mundo unipolar desafiado pela construção de um outro mundo, este agora multipolar. Coexistirão? Sobrepor-se-ão? Excluir-se-ão? É uma leitura possível, as peças do xadrez mundial ainda estão em movimento.
O certo é que a guerra perpétua renegada pela humanidade após a segunda guerra mundial ficou apenas no papel e hoje está às portas de Viena. Cinicamente poder-se-ia dizer que a chama olímpica percorre a França … fico-me por aqui. Mas, quando desde pelo menos 2017 nos impõem um futuro no qual «em 2030, não teremos nada e seremos felizes» recordei-me de Abrams e de Espinosa. Recordei-me de Abrams por causa do conformismo perigoso em situações de sobrevivência; e recordei-me de Espinosa pela coragem na afirmação da liberdade de pensamento até às últimas consequências.
E compreendi que está nas nossas mãos, porque somos seres livres, a construção de um caminho livre; está nas nossas mãos a concretização do Decálogo de Michael Rectenwald. Da minha parte só posso partilhar o que vou aprendendo e vejo que funciona, trabalhando sempre para a esperança na humanização do mundo. Como?
A «Mente de crescimento» – recusar o pensamento único para sobreviver à manada e ser feliz
E se eu lhe sugerir agora aquelas sábias palavras de Karen Salmanosohn, «Os seus pensamentos são um volante. Observe onde os aponta.»? Esperançoso, não é verdade?
Aqueles traços de Espinosa – liberdade, curiosidade e persistência – correspondem a uma mente orientada para o crescimento. Significa isto que é uma mente que acredita em si e no seu potencial, enfrenta os desafios e cria soluções para os problemas. Significa isto também que está nos antípodas da mente fixa, que esconde as suas fraquezas e é incapaz de ver as limitações próprias, evitando desafios e não tem esperança na resolução de problemas.
O estudo da Psicologia do Sucesso tem sido a paixão de Carol Dweck, uma psicóloga norte-americana excecional. Ainda tem dúvidas? Procure ler alguns dos seus artigos quando tiver algum tempo. Vale a pena.
E vale a pena porque o caminho para a sua felicidade requer aqueles traços de Espinosa. Porque foram fundamentais para ter desenvolvido um autoconceito de competência que o capacitou para enfrentar desafios extremos e encontrar as soluções, nelas persistindo.
Tomemos como primeiro exemplo o astrónomo Carl Sagan, quando enfrentou o emergente «cientismo» norte-americano, mais próximo da falsa ciência e mais distante do verdadeiro espírito científico, livre e crítico. Foi «julgado» mas nunca abdicou da liberdade de pensamento.
Tomemos como segundo exemplo o geólogo informático Gregg Braden, e na curiosidade ilimitada devotada ao estudo das relações entre a ciência e a espiritualidade. Percorreu o mundo, desde os mosteiros nas mais altas montanhas até às nossas vizinhas pirâmides de Gizé, sempre à procura dos mistérios relativos à existência humana. As suas descobertas são identificadas com o movimento «New Age».
Finalmente, tomemos como terceiro exemplo o biólogo do desenvolvimento Bruce Lipton, dedicado ao estudo da biologia molecular e da epigenética (área da biologia que estuda as influências de fatores não genéticos nas funções celulares). Ele próprio reconhece a dificuldade que teve na aceitação do seu trabalho pela comunidade científica porque não era conforme às crenças científicas convencionais.
Em suma, os quatro profissionais que hoje trouxemos para o nosso convívio – Espinosa, Sagan, Graden e Lipton – exemplificam a curiosidade ilimitada e corajosa quando desafiaram o grupo e as crenças convencionais.
Três Desafios Concretos
E agora? Agora aconselho a revisão dos episódios dos Simpsons. Agora aqui ficam algumas sugestões, depois de já ter percebido as vantagens de se inspirar nos exemplos acima referidos.
1.Apoiar a liberdade de informação. Ajudando a manter um ecossistema informativo livre e inclusivo, respeitando todos os pontos de vista. Só com total liberdade de informação pode, a sociedade, escolher. Como? Apoiando os meios de comunicação livres de compromissos com a colonização 4.0 e o neocolonialismo da vigilância, a versão mais recente do capitalismo fascista. Por exemplo, leia o livro de John Klyczek – School World Order; The Technocratic Globalization of Corporatized Education. Leia pela sua saúde (e não estou a falar metaforicamente)! Vivemos tempos perigosos e urge pensar fora da manada (Hitler também governou legalmente …. Mas hoje sabemos que a sua governação foi anti-humana). Invista num conhecimento lógico, fundamentado e a favor do Homem!
2.Apoiar a discussão de informação em todos os círculos de socialização. A começar pela Família. Só em debate podemos demonstrar ideias. Deste princípio decorrerá um outro, consubstanciado na reivindicação de uma educação livre de ideologias. Porque só os Estados de perfil totalitário impõem dogmas e ideologias, a partir do poder central, uma vez que têm a ambição de dirigir todas as dimensões da vida dos seus cidadãos (social, económica, política, religiosa, cultural). Por exemplo, procure por associações e mexa-se pela sua rica saúde!
3. Apoiar a soberania dos Estados, recusando a concentração de poderes e os abusos ou usurpações de poder que transformaram o Estado num grande leviatã – Estado, forte, cruel e violento -, tal como foi notavelmente escrito por Casey Carlisle em «Declaring Independence from the Parasite Caste», Mises Wire. Por exemplo, inspire-se em REKT, o podcast de Michael Rectenwald ou a Guerra dos Mundos, podcast do jornal The Blind Spot.
Finalmente, hoje termino com o poeta inglês setecentista, mas em desacordo quando escreve «É melhor ser o rei do silêncio do que escravo das suas palavras». Hoje, aqui, discordo de William Shakespear por dois motivos. Primeiro, porque o exemplo de Espinosa mostra como não devemos ceder à procura da verdade, doa a quem doer, como diz o ditado. Espinosa foi frontal até ao fim, porque nunca abdicou de ser o mestre do seu próprio pensamento. Espinosa falou demais! Falou, falou! Falou tanto que conseguiu romper com o conformismo do grupo (veja Ash) e com a autoridade judaica da comunidade em que tinha nascido (veja Milgram).
Porquê Espinosa e porquê Dominic Abrams?
Porque a supressão da verdade pode colocar-nos numa situação de conformismo perigoso e que põe em risco a sobrevivência. A sua sobrevivência.
Porque, tal como Mattias Desmet tão bem explica, quando uma sociedade prescinde da verdade e aceita a ilusão, está então aberto o caminho para o totalitarismo. A verdade só é sustentável a partir da livre circulação da informação. Ou seja, a liberdade de informação é o único passaporte para uma vida livre e apoiada na sua livre escolha. Tem dúvidas? Então fique com as palavras de Richard Feynman «Necessitamos de ensinar que a dúvida não deve ser temida, senão bem-vinda e debatida. Não há problema em dizer: Não sei!». Quem não sabe história está condenado a repeti-la.
Mónica Rodrigues
Especialista em Geopolítica e Geoestratégia. Licenciada em História (FCSH-UN) e com um DEA em Geopolitique (Universidade de Paris). Curso Segurança Internacional (NATO/UKiel, Alemanha). Auditora do Curso de Defesa Nacional (IDN/2002). Diretora da Revista Cidadania e Defesa (AACDN). Membro da SEDES (SEDES-Setúbal). Foi professora assistente de Geopolitica/Geoestrategia e Segurança e Defesa Nacional (ULusíada).