A revisão do estudo da matemática na Califórnia, inspirada na perspetiva crítica e de justiça social, tem gerado inúmeras críticas. São várias as organizações que criticam a propagação da ideologia ao ensino, expondo as fragilidades de se estudar a matemática com base em ideias gerais, com as justificações de valorizar a inclusão do género e a justiça racial em detrimento do conteúdo e que, segundo elas, podem gerar um fosso ainda maior entre estudantes. Pode este movimento globalizar-se?
Desde 12 de julho de 2023 que o estudo da matemática na escola californiana tem um novo enquadramento baseado na justiça social e numa perspetiva crítica, o que motivou de imediato algumas preocupações manifestadas por várias partes interessadas.
O objetivo deste novo enquadramento conceptual é duplo e visa o estudo da matemática em termos de «excelência e equidade», num esforço político para cortar com o enquadramento anterior responsável pelo insucesso escolar na literacia matemática no Estado da Califórnia. Nas palavras de Linda Darling-Hammond, Presidente da Direção de Educação do Estado da Califórnia, «O mesmo de sempre, o mesmo de sempre, não nos levará a um novo lugar.».
O novo curriculum – uma perspetiva crítica e de justiça social
A mudança realizada ao nível da filosofia educativa tem subjacente a teoria crítica e a teoria da justiça social e opõe-se ao enquadramento conceptual tradicional. Esta opção deriva, de acordo com as entidades públicas, da crença segundo a qual só esta nova perspetiva permitirá um acesso mais justo à aprendizagem da matemática. Por isso, a instrução da matemática pretende aumentar a fluência nos conceitos matemáticos, a partir da aprendizagem de ideias gerais matemáticas fundamentais, e através de uma melhor integração do pensamento crítico e de resolução de problemas com o mundo real de cada aluno, significando isto a inclusão de conteúdos culturais relevantes.
Como afirmou Mary Nicely, Superintendente Adjunta de Instrução Pública do Estado da Califórnia, «O quadro de referência permitiu um excelente equilíbrio entre novas formas de envolver os alunos no desenvolvimento do gosto pela matemática, apoiando simultaneamente os que se encontram num percurso acelerado.», acrescentado que «O nosso Superintendente do Estado é um defensor da equidade e da excelência, e a nossa principal missão é que todas as crianças – independentemente da sua raça, código postal ou origem – tenham acesso a um ensino de qualidade.».
A justiça social vs conteúdo padrão
Mas face à mudança em curso, surgiu uma vaga de contestação. O Instituto Independente abordou o governador da Califórnia manifestando as preocupações face a certos aspetos do novo curriculum que, e apesar de revisto, mantinha traços marcadamente ideológicos, continuando assim a politizar a matemática. Esta manifestação escrita juntou profissionais da educação, empresários e investidores de risco. Segundo as declarações de Bill Evers, Diretor do Centro da Excelência Educativa do Instituto Independente, «Continuam a querer que os professores sejam eles próprios guerreiros da justiça social e que deem origem a novos guerreiros da justiça social e ativistas ambientais.», ao mesmo tempo que permanece o risco de exposição da disciplina a certos dogmas sociais e políticos.
Também Michael Malone, antigo professor de matemática, manifestou idêntica preocupação com o novo enquadramento conceptual, tendo fundado um grupo de discussão, declarando que «Normalmente, uma estrutura curricular orienta-se em torno das normas de conteúdo relativamente a quando e como devem ser ensinadas – para fornecer orientação aos educadores, pais e editores de manuais escolares. O projeto de quadro curricular não o faz.». E acrescenta que «Seria de esperar que o quadro proposto para a matemática se concentrasse na descrição da forma de transmitir em pormenor os conteúdos necessários da disciplina de matemática, mas infelizmente não é isso que acontece.».
Outras análises sugerem ainda que o novo enquadramento promove a remoção de matérias como, por exemplo, a Álgebra I – que passa a ser uma opção a partir do terceiro ciclo – e a Álgebra II – substituída pela disciplina «Data Science» -, dificultando assim o acesso posterior à disciplina da matemática no nível do ensino secundário. Neste sentido, cerca de quatrocentos académicos assinaram uma outra carta explicando como o curso de «Data Science» não era relevante para a preparação de matemática como pretendido.
Na realidade, a reação da sociedade à mudança no ensino da matemática não é atual. Já desde 2021 que o debate vinha crescendo com propostas no âmbito das abordagens metodológicas, mas sem interferência no conteúdo. Por exemplo, o movimento «Science of Math», constituído por professores e outros educadores de matemática, organizou-se motivado pela frustração manifestada por alunos que experimentavam dificuldades e, posteriormente, desistiam. Este movimento surgiu com novas propostas concretas, como o ensino explícito» e o recurso a estratégias didáticas sequenciais.
Comum a todos os críticos ficam várias ideias. Por um lado, trata-se de um curriculum vago – baseado em ideias gerais e com falta de especificações -, e perigoso – porque a oferta de escola no âmbito da disciplina da matemática fica assimétrica, provocando o efeito oposto ao pretendido, como é a garantia da equidade. Por outro lado, é um curriculum que privilegia conceitos como a equidade, a inclusão do género, a justiça racial e a informação sobre o trauma, para além de transformar o professor num combatente e justiceiro social. Pode, este movimento de «excelência e equidade» globalizar-se? É uma questão que tem mobilizado a discussão sobre a educação noutros estados norte-americanos.
O que é a teoria da Justiça Social e a Teoria Crítica
Duas perspetivas filosóficas terão inspirado as mudanças no ensino da matemática no Estado da Califórnia. Mais informação pode ser encontrada a partir de John Rawls e a Escola de Frankfurt.
Em 1971 John Rawls escreveu um livro, Teoria da Justiça, no qual defende existirem alguns princípios que uma sociedade deve respeitar se pretende ser justa: garantir que existem liberdades fundamentais para todos e garantir a igualdade equitativa de oportunidades. Por isso, em seu entender, devem-se tomar ações no sentido de promover a justiça.
A teoria crítica é uma perspetiva filosófica, na tradição marxista e dos filósofos da Escola de Frankfurt, e concentra-se na avaliação da sociedade e sua cultura, de forma crítica, de modo a expô-las e a desafiar as estruturas de poder. Propõe-se libertar o homem da «escravidão» face à sociedade. Max Horkheimer é o marco inicial desta aproximação filosófica, com o ensaio escrito em 1937, Teoria Tradicional e Teoria Crítica. Várias gerações desta escola englobam outros autores, tais como Herbert Marcuse, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Erich Fromm, António Gramsci e Jurgen Habermas.
Referências Bibliográficas
Misconceptions Inquiry versus Explicit Instruction — The Science of Math
California Adopts Controversial New Math Framework. Here’s What’s in It (edweek.org)
California’s Revised Math Framework Still ‘Highly Politicized,’ Critics Warn | The Epoch Times
California’s New Math Framework Doesn’t Add Up – Education Next
The Makers Of The 2022 California Math Curriculum Framework (CMF) IN ACTION – UNCENSORED – YouTube
A conversation with… Linda Darling-Hammond (csba.org)
California Leftists Try to Cancel Math Class – WSJ
Ver também
Os véus caíram: o «emburrecimento programado» para o «Grande Reset» totalitário – The Blind Spot