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A quem serve a morte de Prigozhin?

Ao final da tarde de ontem, 24 de agosto, na zona de Tyer, a norte de Moscovo, um Embraer Legacy despenhou-se. No avião viajavam Yevgeny Prigozhin e Dmitri Utchkin, que morreram, assim como toda a cúpula do Grupo Wagner (empresa paramilitar de origem russa). De uma penada, o «Grupo» perdeu a sua icónica liderança. Face ao ocorrido, algumas questões podem-se desde já levantar.

Em primeiro lugar, Prigozhin tinha-se tornado, nos últimos meses, uma voz extremamente incómoda para o Kremlin. As entrevistas que deu, logo após a vitória de Bakhmut, deu a conhecer uma pessoa extremamente arrogante, um verdadeiro deus para os seus soldados, um homem com um poder e uma ambição desmedidos, sem rodeios e com a presidência da Rússia no horizonte. Mesmo que fosse só por isto, Prigozhin já seria uma ameaça real para o Kremlin.

Em segundo lugar, o Wagner Group tornara-se, nos últimos três anos, muito mais do que um mero bando de mercenários. E hoje, as suas competências abrangem treino militar, segurança pessoal, consultoria estratégica, «intelligence», desinformação, política, venda de armas e equipamentos militares, exploração e comércio de recursos naturais, recrutamento e gestão de soldados altamente preparados. Ou seja, o Grupo Wagner tornou-se uma multinacional da guerra e do terror, um poder global que a Rússia, a pouco e pouco, foi deixando de controlar.

Por isso, para já existem dois problemas críticos. Por um lado, as mortes de Prigozhin e de Utchkin trazem consigo o problema da sucessão. Sendo real a devoção dos soldados da Wagner aos seus líderes, a eventual lealdade a uma nova liderança poderá ser uma incógnita. Por outro lado, sabe-se que, recentemente, os russos tinham já criado mais duas empresas: uma delas, a PMC (Private Military Company); e uma outra, de segurança pessoal. Isto significa que a transição de liderança do Grupo Wagner de há muito que vem sendo preparada, até porque na Rússia não faltam ex-operacionais GRU e Spetnaz disponíveis. Provavelmente, as entrevistas de Prigozhin após a vitória de Bakhmut já eram um efeito desta situação.

Fica ainda uma outra questão em aberto e para refletir. O timing desta ocorrência não é despiciendo, já que ela surge durante o BRICS Summit de Joanesburgo, podendo ficar, assim, amplificada. E, inevitavelmente, vem à memória a morte do general iraniano Qasem Suleimani em 2020 em Bagdad e a forma como esse assassinato, à altura, serviu de aviso a todos os países que ousassem afrontar, nesse caso, os EUA.

Será este acidente um aviso? E para quem?

José Alberto Pereira

PhD, Wagner Watch Project, Eurodefense Portugal

Doutorado em gestão, especialista em geoestratégia, economia da defesa e Grupo Wagner. Professor, investigador, escritor, poeta, viajante e fotógrafo. Rotário, ativista social, melómano e filantropo.

Referências bibliográficas

Global reaction to possible death of Wagner chief Yevgeny Prigozhin | Russia-Ukraine war News | Al Jazeera

Was Wagner chief Yevgeny Prigozhin a dead man walking? – BBC News

Yevgeny Prigozhin latest: Putin silent after Wagner boss ‘killed in plane crash’ – BBC News

Biden points finger at Putin as Prigozhin’s reported death seen as a warning to ‘elites’ | Yevgeny Prigozhin | The Guardian

Yevgeny Prigozhin’s reported death may consolidate Putin’s power (economist.com)

Prigozhin Is Dead: A Timeline of the Wagner Boss Since His Failed Mutiny | WSJ – YouTube

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