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Existe alguma política europeia concertada e consistente de imigração?

Aparentemente, não. E quando da assinatura do Pacto Global sobre Migrações (aprovado em Marraquexe, em 10 e 11 de dezembro de 2018) três Estados-membros da UE votaram contra (Hungria, República Checa e Polónia), cinco abstiveram-se (Áustria, Itália, Letónia e Roménia) e um não votou (Eslováquia). Face a estes resultados, quanto à política de imigração comunitária parece que estamos conversados.

Apesar de não ser vinculativo, o pacto afirma o dogma da liberdade absoluta de circular garantida a todos os povos e forçará os países a abolir as suas fronteiras para permitir o acolhimento dos fluxos das migrações internacionais. A aceitação deste acordo pelos diferentes Governos dos países subscritores pode suscitar consequências dramáticas ao nível dos fluxos de migração da África, do Médio Oriente e mesmo da Ásia, com um destino predominante que será a Europa. Muito embora, como disse, não seja vinculativo, o simples facto de ter sido subscrito compromete, de algum modo, os estados que o subscreveram.

Finalmente, muito embora a Conferência de Marraquexe não tenha estabelecido uma distinção formal entre imigração legal e ilegal – o que a meu ver constitui uma falha grave e suscita, à partida, uma grande ambiguidade, leia-se, um estado de limbo permanente -, afirmou o princípio da não discriminação e a obrigação de proteger os direitos humanos de todos os migrantes e a necessidade de uma migração segura, ordenada e regular.

Sem embargo da linguagem diluída e muito mastigada, escancarar as portas a toda e qualquer imigração – “à la Merkel”, sem controlo, sem fiscalização e sem limites -, não distinguir entre refugiados e imigrantes constitui não só erros grosseiros, como estes podem revelar-se fatais.

Nesta fase, no nosso entender, e sem embargo do que possa pensar a Nova Esquerda e os “wokes”, impõe-se um conjunto de regras para lidar minimamente com este magno problema. Vamos equacioná-lo, de modo esquemático:

a) perante os potenciais imigrantes, temos de distinguir de forma clara as 3 categorias principais (refugiados, imigrantes e apátridas) e dar-lhes tratamento adequado. No caso dos imigrantes, a distinção entre legais e ilegais tem de ser clara e com enquadramento jurídico próprio;

b) temos de escrutinar, fiscalizar e controlar toda a imigração;

c) terão de existir limites actuais aos contingentes de imigração por país de acolhimento. Esta é uma questão política de soberania, a decidir exclusivamente por cada Estado receptor, mas em estreita concertação com os demais Estados;

d) a legislação e as regras do jogo são impostas pelas sociedades de acolhimento, não sendo toleradas, sob nenhuma forma, quaisquer sistemas de justiça paralelos ou a aplicação de regras consuetudinárias que subvertam a justiça e as normas sociais das sociedades de acolhimento;

e) na dicotomia integração/multiculturalismo deve-se favorecer gradualmente a integração plena nas sociedades de acolhimento, admitindo-se, porém, formas atenuadas de multiculturalismo, respeitando na medida do possível as crenças, hábitos, usos e costumes dos imigrantes desde que não interfiram com as crenças, hábitos, usos e costumes das sociedades de acolhimento.

Uma coisa é certa: não resolvemos, minimamente, o problema dos países em guerra e dos demais estados em vias de desenvolvimento, garantindo-lhes a entrada na Europa. Uma minoria muito reduzida poderá beneficiar dessa dádiva generosa, os restantes não poderão vir porque não temos capacidade efectiva para os acolher a todos, nem podemos descaracterizar, de modo irreversível, as nossas sociedades. Os problemas têm de ser resolvidos em cada um dos países individualmente considerados e com os quais podemos cooperar de forma franca, aberta e mutuamente profícua.

Finalmente, vivemos num mundo assimétrico. Afigura-se-me que o Ocidente, sob a capa da compaixão e do humanitarismo, está generosamente a dar de mão beijada benesses sem quaisquer contrapartidas. A imigração não pode ser uma estrada de sentido único.

Registe-se, por outro lado, que o controlo da imigração é uma questão de fundo, que tem de ser encarada, e constitui uma das prerrogativas do poder soberano dos estados. Ora, muitos países europeus demitiram-se desse atributo fundamental. Não se pode permitir que entrem indiscriminadamente todos os requerentes de asilo e todos os imigrantes económicos. Tudo tem de ser feito de forma controlada e disciplinada e garantindo que os expatriados respeitem plenamente a lei, as regras, os usos e costumes das sociedades de acolhimento. Acresce que as limitações à liberdade de expressão (que certos expatriados pretendem impor nos países de acolhimento), não só são completamente inaceitáveis, como são princípios constitutivos das nossas sociedades. Pretende-se, no fundo, coarctar esse direito inalienável. A tolerância e o respeito pelas opiniões de cada um é uma questão fundamental das nossas culturas e civilização.

Registe-se que o afluxo de imigrantes e refugiados às nossas sociedades pode constituir um desafio significativo para muitos países europeus, especialmente se a quantidade de chegadas for grande e a capacidade de absorção e de integração dessas pessoas se revelar limitada. A variabilidade de situações é muito lata e as respostas igualmente. Em termos do impacto dessas chegadas maciças é importante relevar que existem inúmeros outros factores interdependentes, tais como a política de imigração de cada estado individualmente considerado, a capacidade efectiva de integração dos imigrantes, a situação económica do país e a atitude da população em relação aos imigrantes (receptividade ou hostilidade).

Assim, nalguns casos um grande afluxo de imigrantes e refugiados pode gerar tensões e confrontações, especialmente se a população local perceber que as suas oportunidades económicas e sociais podem estar a ser ameaçadas. Essas tensões podem-se manifestar em conflitos interpessoais ou na forma de protestos e movimentos políticos anti-imigrantes. Além disso, a ausência de integração bem-sucedida de imigrantes pode gerar exclusão social, marginalização e a consequente criminalidade, gerando-se um ambiente propício para conflitos.

O embaixador espanhol Jorge Dezcallar, por exemplo, considera que “a integração social dos recém-chegados é um repto ainda mais importante que o controlo de fronteiras. E o repto demográfico europeu só pode ser abordado situando-se na equação os futuros emigrantes.”.

Se é certo que os países europeus souberam durante séculos lidar com razoável êxito com vagas sucessivas de imigrantes, não é menos certo que esses expatriados provinham de países europeus, vizinhos ou próximos, em que a composição étnica não diferia grandemente da dos países anfitriões, as diferenças culturais não eram muito acentuadas e o factor religioso não assumia uma relevância inultrapassável. A situação é, hoje, bem diversa e potencialmente explosiva, na medida em que os países europeus correm o sério risco de desestabilização, e máxima se a capacidade de absorção e integração for limitada e a situação económica se revelar pouco auspiciosa ou mesmo difícil.

Os desequilíbrios já se notam um pouco por toda a parte: a substituição das populações  em números considerados críticos provoca naturais reacções negativas por parte dos habitantes locais envelhecidos e demograficamente escassos em relação aos recém-chegado, a descaracterização (ou o que se percebe como descaracterização) da identidade nacional local, o aumento da criminalidade e alguns casos pontuais de terrorismo indiscriminado, são factores, politicamente aproveitados, e  contribuem para gerar um ambiente malsão de tensões permanentes e  de potenciais conflitos.

Todos os países europeus, directa ou indirectamente, são afectados por este fenómeno, mas, tanto quanto se sabe, não existe uma posição comum (da UE entenda-se) para resolver o problema que é complexo, mas que exige uma resposta concertada e consequente. Diariamente os países do Sul da Europa (Espanha, Itália e Grécia) são submersos por verdadeiras ondas de migrantes. Na Suécia, na Bélgica e em França existem as chamadas no-go zones, onde a criminalidade e a agitação social são as palavras de ordem e a lei da rua sobrepõe-se à autoridade do Estado (Molenbeek, em Bruxelas; Rosengard, em Malmö; Rinkeby, em Estocolmo; La Courneuve em Paris, apenas para citar alguns exemplos). A Polónia e a Hungria e alguns outros países da Europa Central, opõem-se frontalmente à entrada de imigrantes pelo seu território, mesmo em trânsito. Rodeiam as fronteiras com arame farpado, instalam câmaras de TV em circuito fechado e procedem a patrulhamentos armados

Em que ficamos? Integração que, em termos genéricos, não funciona? Multiculturalismo, criando sociedades paralelas sob risco de desagregação do próprio país? Ou assimilação forçada, potencialmente violadora de direitos humanos?

Uma última observação creio que   de um empirismo profético: as fronteiras abertas contêm o potencial para destruir as nações solidamente constituídas, bem como, as culturas aí enraizadas.

Francisco Henriques da Silva

Embaixador, Vice-Presidente da Comissão de Relações Internacionais da Sociedade de Geografia, autor.

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