A Feitiçaria em Davos é a última stakeholder (grupo interessado) do Fórum Económico Mundial de 2024. Trata- se de uma visão “inclusiva”, promotora de soluções mais abrangentes para a resolução dos problemas globais e complexos. Uma visão que contrasta com a legislação recente francesa sobre medicinas alternativas, mas que é suportada pela Organização Mundial de Saúde.
A recente conferência do Fórum Económico Mundial (FEM) em Davos foi palco de um ritual de feitiçaria celebrado por Putanny Yawanavá. Numa iniciativa inédita, o FEM lançou, na reunião de 2024, a Rede de Liderança e de Conhecimento dos Povos Indígenas, salientando o princípio de incluir todos os “stakeholders” mundiais envolvidos na procura de soluções para problemas sistémicos complexos.
No palco, e na sessão plenária dedicada ao “Clima e Natureza: é preciso uma resposta sistémica”, participou uma feiticeira brasileira que organizou uma pequena cerimónia religiosa. Este painel reuniu figuras conhecidas como Kristalina Georgieva, Diretora-Geral do Fundo Monetário Internacional, o bilionário André Hoffman e Ajay Banga, Presidente do Banco Mundial.
Inicialmente, enquanto esfregava as mãos, a feiticeira ia invocando as suas divindades e rezava. Depois, aproximando-se dos painelistas, Putanny, a primeiro xamã (feiticeira) do povo Yawanawá, soprou sobre a cabeça de cada um.
Quem é Putanny Yawananá
Esta feiticeira brasileira, chefe dos índios da tribo Yawanaeá, é uma das primeiras mulheres a ocupar esta posição no seio da tribo, sendo considerada como uma das líderes espirituais mais respeitadas quer no Brasil quer no mundo inteiro.
França: a rejeição da feitiçaria como stakeholder
Está em curso, em França, a criminalização de toda a recusa ou afastamento de tratamentos propostos por médicos. A nova legislação sobre as “derivas sectárias” acaba de ser votada favoravelmente na Assembleia Nacional, pese embora a sua rejeição no Senado em final de 2023.
E, embora tal legislação tenha sido redigida a pensar no caso das doenças graves, os alertas dispararam quer na sociedade francesa quer além-fronteiras. De facto, as preocupações levantaram-se, num primeiro momento, com a liberdade de escolha pessoal relativamente à opção de tratamento seguida. E. num segundo momento, com a possibilidade de, num momento posterior, poder haver um alargamento desta legislação a outras doenças, de forma abusiva.
O alarme social, aliás, não se fez esperar, em parte suportado pela experiência traumática recente relativamente à política publica de saúde desde 2020. Por outro, também suportado pelos erros e atropelos registados.
Se recuperarmos o Relatório da Miviludes apresentado em 2010 ao Primeiro Ministro francês, a designação “neo-xamanismo” é identificada na categoria “Práticas de Desenvolvimento Pessoal”, também referenciadas como “Métodos Psicologizantes”. São, por isso, práticas pseudo-terapêuticas apoiadas nos seguintes princípios, ” A culpabilidade do paciente no desenvolvimento da sua doença; a angústia da doença; a reivindicação do bem-estar, numa sociedade individualista e materialista.”.
No referido relatório pode ainda ler-se que “o xamanismo é um conjunto de métodos terapêuticos cujo fim é a obtenção de um contrato com o universo paralelo mas invisível dos espíritos, e conseguir o apoio destes últimos na gestão dos assuntos humanos.”.
Estas técnicas são muitas vezes colocadas em prática com o consumo de substâncias alucinogénicas como, por exemplo, o ayahuasca.
E os resultados desta prática podem ser lidos no Relatório de 2010, “A ingestão destas substâncias apresenta riscos vitais. A morte, em particular, de alguns toxicómanos, conduziram à classificação do ayahuasca na categoria de estupefacientes.”.
OMS: o reconhecimento da medicina alternativa enquanto stakeholder
A Organização Mundial de Saúde (OMS) parece estar alinhada com a orientação do FEM, ao reconhecer a validade da medicina alternativa.
Em agosto de 2023, a OMS organizou uma grande cimeira de âmbito internacional sobre medicina tradicional. Esta Cimeira Global de Medicina Tradicional teve, como objetivo, a reflexão e o reconhecimento do uso das chamadas medicinas alternativas – como o ioga, a homeopatia, a medicina ayurveda, entre outras-, mas com suporte na ciência.
Anteriormente, ja a OMS ja tinha estado na origem de um Centro Global de Medicina Tradicional, considerando o volume de individuos envolvidos e como uma forma de se ultrapassar a “visao reducionista” da medicina ocidental.
Esta iniciativa terá lançado várias dúvidas no meio da saúde internacional, e como refere António Vaz Carneiro no seu recente artigo “Porque é que a OMS promove medicinas alternativas?”.
Considerando a diversidade de tratamentos propostos por todas as medicinas, estão lançadas as bases de discussão, entre Estados, profissionais e organizações de consulta, sobre a importância da liberdade para decidir sobre o tratamento médico, liberdade esta consignada desde os Tratados de Nuremberg.
Ver também:
França criminaliza tratamentos não recomendados pelo governo
Indigenous leaders bringing their knowledge to Davos 2024
Dérives sectaires : l’Assemblée vote la création de délits contre les «gourous 2.0» (lefigaro.fr)