Com tantas coisas a acontecer e tanto para investigar, não costumamos perder muito tempo a responder àqueles que usam informações falsas ou insultuosas para criticarem o nosso trabalho.
No entanto, não podemos deixar passar a referência velada(1) que Filipe Froes, alguém com responsabilidades e impacto acrescidos, fez ao nosso artigo(2) em que revelámos as suas múltiplas relações financeiras com a indústria farmacêutica.
Vamos ignorar os ataques mais gratuitos e vácuos , como sermos um jornal “exclusivamente digital” ou nos querer relacionar com “círculos negacionistas” (expressão ambígua sem qualquer conteúdo objetivo, usada quando não se têm argumentos e se pretende, ao invés, ativar reações emocionais negativas associadas ao termo).
O artigo começa logo com uma afirmação falsa de que voltámos “a publicar, há escassos dias, uma notícia de 2021 sobre eventuais conflitos de interesses decorrentes da minha (sua) colaboração com a indústria farmacêutica …”. Ora, nós nunca referimos essa “notícia de 2021” nesta investigação, nem me recordo de que alguma vez o tenhamos feito.
Quem se arroga ser “combatente das fake news” e da luta contra a desinformação(3) deveria ter um pouco mais cuidado em não espalhar informações falsas pelo Facebook (ainda por cima sem permitir o contraditório e a reposição da verdade dos factos, dado que a sua página impede respostas fora do seu círculo de amizades).
Depois, o dr. Froes, numa estratégia parecida à de muitos verificadores de factos com conflitos de interesse semelhantes, utiliza essas informações falsas para, ao invés de abordar o conteúdo do nosso artigo, evocar um inquérito da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde que não terá encontrado incompatibilidades.
Ora, como todos sabemos, a questão legal (sobre a qual nunca nos debruçámos) é bem diferente da questão ética, sendo que muitas das maiores barbaridades foram cometidas dentro da legalidade. Por isso, a questão de existirem claros conflitos de interesse é independente de se terem apurado (ou se virem a apurar no futuro) incompatibilidades ou algum tipo de crimes.
Além disso, é obrigação da comunicação social dar a conhecer que, quem aconselha o governo, a Direção-geral da Saúde e a população sobre certas doenças e tratamentos, recebe avultadas somas das farmacêuticas que deles dependem. Tal como é relevante saber se quem nos aconselha a votar num dado partido é seu candidato ou se quem nos quer vender um carro de uma marca específica tem uma percentagem dessa venda.
Mas, ao mesmo tempo que critica a divulgação de informação verdadeira e factual, Filipe Froes tenta desvalorizar a nossa investigação dizendo que os dados são públicos. Em primeiro lugar, serem públicos não significa que sejam conhecidos, até porque a generalidade dos grandes média oculta os graves conflitos de interesse dos seus peritos e a maioria das pessoas nem desconfia que a comunicação social selecione peritos com tamanha falta de isenção. É demasiado contraintuitivo.
Finalmente, o acesso a esses valores não é obviamente fácil e poucos têm tempo para andar a vasculhar declarações financeiras obrigatórias de todos os peritos que aparecem na comunicação social, contabilizar os valores recebidos a título pessoal, mas também através das suas empresas. E são centenas de pagamentos no caso de Filipe Froes.
Mas imaginemos, por absurdo, que as pessoas conheciam já esses dados e que o nosso artigo era absolutamente dispensável para o público. O que leva então um médico, consultor de várias entidades, colaborador de inúmeras farmacêuticas e com uma presença constante na comunicação social, a perder tempo e energia no ataque a quem divulga informações irrelevantes e do conhecimento público?
Fica a pergunta.
(Quanto à sua alegação de que sempre “seguiu a Ciência”, responderei numa próxima oportunidade. Talvez com uma compilação de exemplos desse rigor científico.)
(1) Filipe Froes – A cegueira é uma doença terrível… E o maior cego é… | Facebook
(2) Médico Filipe Froes recebeu meio milhão de euros das farmacêuticas nos últimos anos – The Blind Spot
(3) Das “fake news” nem a vacina está a salvo | Ensaio | PÚBLICO (publico.pt)