Com a chegada de dias quentes a Portugal, a imprensa mainstream titulou, em uníssono, máximos históricos de temperatura, ondas de calor e calor extremo. Contudo, nas redes sociais, estas notícias foram recebidas com várias centenas de comentários e reações trocistas. Muitos leitores classificam os títulos como enganosos ou mesmo falsos – recordando, por exemplo, notícias antigas sobre temperaturas superiores, ou questionando a comparação dos atuais registos com as estimativas, menos fiáveis, de há várias décadas. O próprio serviço da Comissão Europeia, Copernicus, que proclamou estes recordes, reconhece que combina observações passadas com estimativas baseadas nos seus modelos climáticos, com o objectivo de “recriar” o passado climático.
No início da semana, multiplicaram-se as notícias alarmistas sobre um suposto recorde de calor que teria sido atingido no planeta, primeiro no dia 21 de julho, e, novamente, logo no dia seguinte. Com o serviço europeu Copernicus Climate Change a anunciar uma temperatura média global à superfície da Terra de 17,15 graus centígrados na passada segunda-feira, dia 22 de julho, vários órgãos de comunicação social proclamaram que se tratava do dia mais quente desde que há registos – apesar de este programa, que analisa os dados retrospectivamente desde 1940 e é coordenado pela Comissão Europeia, ter sido lançado apenas em 2014.
Note-se que, de acordo com o seu site oficial, a missão deste organismo europeu é “dar suporte às políticas de adaptação e mitigação da União Europeia, fornecendo informações consistentes e confiáveis sobre as alterações climáticas”.
O dia mais quente de sempre?
Contudo, o que ressaltou foi a reação trocista dos internautas a esta torrente de notícias alarmantes. Nas redes sociais, os utilizadores desdobraram-se em comentários jocosos e descrentes – que chegaram a ser de quase um milhar –, fazendo escárnio dos dados veiculados pela imprensa. No Facebook, aos comentários trocistas somavam-se ainda os típicos emojis do riso, que faziam a maioria das centenas de reações às notícias.
Alguns jornais titularam, por exemplo, que o “Dia 21 de julho foi o mais quente já registado no mundo”, omitindo que este suposto recorde apenas se reporta aos últimos 84 anos. Deste modo, transmitiram a ideia errónea de que jamais o mundo viveu um calor semelhante. Outros jornais, por sua vez, destacaram nas manchetes os “dois dias consecutivos” de máximos históricos de calor no planeta.
Sucede ainda que, como é reconhecido no próprio site do Copernicus, estes supostos recordes são baseados não apenas em dados reais, mas em modelos que procuram colmatar a falta de registos em muitos locais do globo, e a diminuição de registos fiáveis à medida que recuamos no tempo.
A comunicação social portuguesa salientou ainda que, segundo o Copernicus, o recorde anterior de calor havia sido atingido a 6 de julho de 2023, mas aquele organismo da Comissão Europeia prevê que as temperaturas continuem a atingir novos máximos históricos, devido às alterações climáticas antropogénicas.
Ondas de calor?
A par dos supostos recordes de temperatura, várias peças jornalísticas relataram “ondas de calor” em Portugal, referindo-se aos dias quentes durante esta semana, e que colocaram até alguns distritos “sob alerta laranja”, e 40 concelhos em risco máximo de incêndio rural.
Nas redes sociais, alguns utilizadores questionaram o uso do termo “ondas de calor” pela imprensa. Os internautas salientavam que, de acordo com o próprio Instituto Português do Mar e da Atmosfera [IPMA], é necessário que, durante pelo menos seis dias consecutivos a temperatura máxima diária seja superior em 5 graus ao valor médio diário no período de referência.
“Dias quentes sempre houve“
Por fim, outro apontamento comum feito pelos internautas é a existência de dias muito quentes – tanto como agora – em períodos longínquos. Publicando recortes de jornais antigos, houve quem tentasse mostrar que o calor extremo não é um fenómeno inédito. De facto, a 1 de agosto de 1944, por exemplo, o Diário de Notícias destacava a temperatura de 39,2 graus à sombra em Lisboa, e de 45,8 graus em Coimbra. A 12 de julho de 1949, outro jornal falava numa “Escaldante onda de calor em Portugal”.
Mas exemplos como estes não faltam, e, segundo foi possível aos internautas apurar nos jornais da época, o calor fez notícia em Portugal também nos anos de 1933, 1930, 1918 e, até, em 1889.
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