Para a provedora de Justiça da União Europeia, a Comissão von der Leyen é dirigida por “poderosos ‘consiglieris’” [termo que designa os conselheiros de um chefe da máfia]. No podcast do jornal POLITICO, Emily O’Reilly denunciou uma cultura crescente de falta de transparência, centralização e opacidade no topo da UE, e confessou que nunca se sentiu confortável com estes ‘conselheiros’, que caracteriza como “inteligentes”, mas que, salienta, não foram eleitos. A provedora, que abandona o cargo já no próximo mês, critica directamente Ursula von der Leyen, que foi recentemente eleita para um segundo mandato. O’Rilley também se confessou preocupada com o ‘enfraquecimento’ do Parlamento Europeu na sua tarefa de supervisão da Comissão.
Emily O’Reilly, Provedora da Justiça da União Europeia há mais de uma década, criticou a crescente opacidade e centralização no topo da Comissão Europeia, responsabilizando directamente a sua presidente, Ursula von der Leyen. Em entrevista ao podcast “EU Confidential” do jornal POLITICO, O’Reilly confessou o seu desconforto com os “poderosos conselheiros” do gabinete de von der Leyen, referindo-se a eles como “pessoas inteligentes, mas não eleitas”.
O’Reilly acusou ainda liderança da UE de uma cultura de falta de transparência e destacou que a opacidade da Comissão só piorou com o tempo. Por esta “cultura”, responsabiliza directamente Ursula von der Leyen, com quem diz nunca se ter encontrado durante os seus 11 anos de mandato.
“A cultura vem sempre de cima”, afirmou, referindo-se à falta de transparência no executivo da UE. E prosseguiu, considerando que se a informação é “retida por razões políticas, e a cultura vem de cima – então sim, provavelmente é a presidente [von der Leyen] e o seu gabinete que estão a definir a cultura”.
Nesse sentido, a provedora de Justiça da UE criticou a relutância da Comissão von der Leyen em fornecer documentos, qualificando esse comportamento como “preocupante” e frustrante. Sobretudo, nos casos de pedidos de acesso a documentos que são negados, mesmo depois de longos processos, sustentados na legislação do Tribunal de Justiça da União Europeia.
A este propósito, O’Rilley considerou “frustrante” a falta de cooperação das instituições europeias em matéria de transparência. “Compreendem a frustração quando, pacientemente, passamos por um caso de acesso a documentos, citamos a lei [do Tribunal de Justiça Europeu], e fazemos tudo isto – e eles ainda respondem que não”, afirmou.
Recorde-se, por exemplo, o caso Pfizergate, marcado pela recusa da Comissão em permitir o acesso aos contratos realizados com as farmacêuticas para a aquisição das vacinas contra a covid-19, e a negociação de milhões de doses feita directamente com o CEO da Pfizer, Albert Bourla, através de mensagens de texto.
O que faz a provedora de Justiça da UE?
A provedora de Justiça tem a tarefa de promover a transparência e identificar potenciais conflitos de interesse nas instituições da União Europeia. No entanto, uma vez que as suas decisões não são vinculativas, dependem da cooperação das instituições para serem implementadas.
No podcast do POLITICO, O’Reilly instou os eurodeputados a assumirem uma postura mais activa na responsabilização do executivo da UE e criticou também o Parlamento Europeu por, na sua opinião, falhar no seu papel de supervisão da Comissão.
“Em várias ocasiões, os eurodeputados me perguntaram: como é que podemos responsabilizar mais a Comissão? Como podemos fazer com que eles nos forneçam os documentos de que precisamos? Como podemos fazer com que eles sejam abertos sobre isto, aquilo ou aqueloutro? E eu pensei: eles estão-me a perguntar a mim?”, exclamou.
“Eles são a instituição que deveria responsabilizar a Comissão; então, se eles me estão a pedir conselhos, acho que isso é preocupante”, acrescentou, concluindo que “se o Parlamento começar a internalizar a ideia de que não pode exercer uma supervisão adequada sobre a Comissão, é assim que vai acontecer”.
Natural da Irlanda e primeira mulher a ocupar o cargo de provedora de Justiça da UE, Emily O’Reilly abandonará o cargo já em Fevereiro deste ano. Será substituída pela portuguesa Teresa Anjinho, antiga secretária de Estado da Justiça e deputada pelo CDS-PP, cuja nomeação foi aprovada pelo Parlamento Europeu.
Fontes: ‘Powerful consiglieri’ run von der Leyen’s Commission, EU transparency chief says – POLITICO