Sustentado num relatório de mais de mil páginas, cujo conteúdo é confidencial, o Serviço Federal para a Protecção da Constituição (BfV) classificou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) como uma organização “extremista de direita”. Esta decisão do serviço secreto alemão, que a AfD contesta e irá combater nos tribunais, poderá ser uma via para a proibição do partido, sujeita-o, a partir de agora, a uma vigilância intensa por parte das autoridades. A “atitude hostil” da AfD face aos imigrantes e aos muçulmanos, com “inúmeras declarações xenófobas, antiminorias, anti-islâmicas e antimuçulmanas feitas continuamente por altos funcionários do partido”, estão entre as justificações dadas pela agência.
Na sexta-feira passada, os serviços secretos alemães classificaram o partido nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD) como uma organização “extremista” de direita, numa acção que abre portas à ilegalização daquele que é o maior partido da oposição, e que se tem destacado como o mais popular nas últimas sondagens – depois de ter obtido 20,8% da votação nas eleições de Fevereiro. Na base da decisão do Serviço Federal para a Protecção da Constituição (BfV, na sigla alemã) está um relatório não divulgado, de 1.100 páginas, elaborado ao longo dos últimos três anos.
O BfV, subordinado ao Ministério da Administração Interna, justificou a classificação com a ideologia da AfD, que “desvaloriza grupos inteiros da população na Alemanha e mina a sua dignidade humana”, algo que “não é compatível com a ordem democrática básica”.
Sustentou ainda a classificação com a “atitude hostil geral do partido em relação aos migrantes e aos muçulmanos”, acusando-o de “inúmeras declarações xenófobas, antiminorias, anti-islâmicas e antimuçulmanas feitas continuamente por altos funcionários do partido”.
Em comunicado, o serviço de informações deu como ‘prova’ o facto de a AfD não considerar “cidadãos alemães com um histórico de migração de países predominantemente muçulmanos como membros iguais do povo alemão, conforme definido etnicamente pelo partido”.
Doravante, isto significa que a AfD ficará sujeita a uma vigilância apertada por parte das autoridades, que poderá ter várias implicações: os seus dirigentes poderão ter as suas comunicações telefónicas escutadas, as suas reuniões serão acessíveis aos serviços secretos, o partido arriscará perder financiamento público e poderá ser também vigiado com recurso a informadores.
AfD nega cariz extremista
Face à decisão do BfV, os líderes da AfD, Alice Weidel e Tino Chrupalla, devolveram acusações de conduta antidemocrática, afirmando num comunicado que estava em causa “um duro golpe contra a democracia alemã”. Além de anunciarem a intenção de recorrer judicialmente da decisão – que dizem ter “uma clara motivação política” com o objectivo de “desacreditar e criminalizar” o partido –, garantiram que não aceitariam que serviços secretos “distorçam a disputa democrática e deslegitimem milhões de votos”.
A AfD, aliás, rejeitando veementemente esta categorização como um movimento antidemocrático e extremista, já apresentou nesta segunda-feira queixa contra o serviço de informação alemão, interposta num tribunal administrativo de Colónia.
Embora o partido só possa ser ilegalizado por via judicial, certo é que a sua proibição, que já tem vindo a ser discutida na praça pública e defendida pelas forças políticas mais à esquerda, fica agora mais próxima do que nunca. No passado, recorde-se que o serviço de informação interno da Alemanha já havia classificado a juventude partidária da AfD como extremista. Além disso, os gabinetes regionais do BfV em estados do Leste da Alemanha – como a Turíngia e a Saxónia – já tinham alertado para o que consideravam ser um comprovado extremismo de direita do partido.
Declarações da AfD consideradas extremistas pelas secretas
Apesar de o conteúdo do relatório não ser conhecido, o jornal Welt divulgou algumas das declarações dos dirigentes da AfD que terão sido, alegadamente, consideradas “extremistas” pelo serviço secreto alemão.
Designadamente, em Agosto do ano passado, Hannes Gnauck, que pertence à comissão executiva do partido, afirmou:
“Temos também de poder decidir mais uma vez quem pertence a esta nação e quem não pertence. Ser alemão é mais do que simplesmente ter documentos de cidadania. Todos nós aqui nesta praça do mercado estamos conectados por muito mais do que apenas uma linguagem comum. Estamos ligados por um vínculo invisível e simplesmente inexplicável. Cada um de vocês tem mais em comum comigo do que qualquer sírio ou afegão, e eu não preciso de explicar isso – é simplesmente uma lei da natureza”.
Para o BfV, outro exemplo de extremismo terá sido uma crítica ao multiculturalismo feita no mesmo ano, por Dennis Hohloch, também membro do partido. “Diversidade significa multiculturalismo. E o que significa multiculturalismo? Multiculturalismo significa perda de tradição, perda de identidade, perda de pátria, assassinato, homicídio culposo, roubo e violação colectiva”, disse Hohloch.
Também um tweet entretanto eliminado, da autoria de Martin Reichardt, que faz parte do Bundestag, considerando que “a política de migração falhada e o abuso do asilo levaram à importação de 100.000 pessoas de culturas profundamente atrasadas e misóginas”, terá alegadamente contribuído para a classificação agora atribuída à AfD.
Fontes
German spy agency brands far-right AfD as ‘extremist’, opens way for closer surveillance | Reuters
AfD files lawsuit against German spy agency’s extremist classification | Reuters
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Investigadores concluem que “Brasil está à beira da ditadura” – The Blind Spot