A CEO da TAP consultou o governo para decidir sobre o pedido de alteração da data de um voo com mais de 200 passageiros para se ajustar à agenda do Presidente da República. Na resposta, o governo, na pessoa do secretário de estado Hugo Mendes, afirmou que não satisfazer esse pedido poderia provocar uma mudança de posição do “principal aliado político” do governo neste dossier.
Uma troca de emails, a que a RTP teve acesso, revela que a agência de viagens que trabalha com a Presidência da República pediu à TAP para alterar uma viagem de um voo de passageiros para se ajustar à agenda do presidente.
A questão chegou, alguns dias depois, à própria CEO da companhia, que sentiu necessidade de reportar ao secretário de estado, Hugo Mendes. Num email, Christine Ourmières-Widener pede orientação ao governante, mas afirma que a sua “reação espontânea é dizer que não”.
Apesar dessa posição da CEO da companhia, Hugo Mendes tem uma opinião diferente e argumenta:
“A sério, entendo que isto possa ser um incómodo para si, mas não podemos perder o apoio político do PR. Ele tem nos apoiado em relação à TAP, mas se o humor dele mudar, tudo estará perdido. Basta uma frase dele contra a TAP/Governo e coloca o resto do país contra nós.”
Presidente como principal aliado político do governo
Hugo Mendes afirma igualmente que o presidente da república é o principal aliado político do governo em relação à TAP mas que, caso a companhia não vá ao encontro dos seus interesses particulares (de agenda neste caso), o presidente poderia retirar esse apoio.
“Ele é o nosso principal aliado político, mas pode transformar-se no nosso pior pesadelo”.
Preocupação da CEO com a publicitação do caso
Na resposta, a CEO da TAP não contrapõe com nenhum argumento ético ou de gestão, e afirma apenas estar preocupada com a possibilidade de o caso se tornar público, o que, segundo ela, aconteceria certamente.
“A minha preocupação é que se isto se tornar público, e podemos acreditar que se tornará, não será bom para ninguém. Não acha?”
Presidência desmente o que não foi afirmado
Num esclarecimento sobre o caso, a Presidência da República afirmou que: “nunca contactou a TAP, nem nenhum membro do Governo sobre esse assunto”, “nunca solicitou a alteração do voo da TAP” e “se tal aconteceu terá sido por iniciativa da agência de viagens”.
Em nenhum momento, no entanto, tinha sido afirmado que a presidência tenha, de forma direta solicitado a alteração do voo. A questão que se coloca, e que é referida pela própria peça da RTP, é que alguém o terá feito em nome da presidência.
Mais, todos os intervenientes assumiram que o pedido da agência de viagens foi mesmo feito em seu nome. Por que motivo e com que legitimidade poderia uma agência de viagens privada pedir, sem (pelo menos assumir ter) cobertura presidencial, uma alteração de voo que afetaria mais de 200 passageiros?
Situação já tinha acontecido antes
Na troca de emails é ainda possível confirmar que o caso não é inédito. Uma responsável da TAP afirma que:
“Fizemos o mesmo em janeiro (pela mesma razão) mas a viagem foi depois cancelada porque coincidiu com o surto de Omicron.”
O assunto foi tornado público pela voz do deputado da Iniciativa liberal que perguntou se este tipo de pedidos para beneficiar políticos era recorrente.
O voo da TAP acabou por não ser atrasado para dia 23 de março e o Presidente da República acabou mesmo por ter de regressar no dia 21.