IMIGRAƇƃO: INTEGRAƇƃO, MULTICULTURALISMO E ASSIMILAƇƃO

Um dos problemas mais delicados com que as sociedades ocidentais se confrontam e que carece de uma solução abrangente e coerente, todavia (a meu ver) virtualmente inalcançÔvel, é a imigração.

Nesta matĆ©ria, Ć  partida, existem 3 categorias a serem consideradas[1]: os refugiados (expatriados por razƵes de guerra ou de grandes convulsƵes sociais e polĆ­ticas nos seus paĆ­ses ou territórios de origem, em que a própria vida e as dos seus familiares correm riscos), os imigrantes económicos (i.e., os que imigram para melhorar economicamente as suas condiƧƵes vida) e os apĆ”tridas. Todavia, no que toca aos imigrantes económicos temos de introduzir um distinguo e dividi-los em duas categorias: os legais e os ilegais (hĆ” quem prefira designĆ”-los por eufemismos ā€œpoliticamente corretosā€: clandestinos, indocumentados, sem papĆ©is, irregulares, em vias de legalização, etc.).Ā  Estes 3 grupos tĆŖm sido objeto de tratamentos diferenciados. Os refugiados sĆ£o, via de regra, privilegiados em relação aos demais, atentas as razƵes especĆ­ficas pungentes que os levaram a expatriar-se.

Ɖ Ćŗtil acrescentar trĆŖs ou quatro pontos que ajudam a compreender a complexidade do problema migratório: Ć  cabeƧa temos um problema demogrĆ”fico sĆ©rio – as taxas de fecundidadeĀ  (filhos por mulher) em todos os paĆ­ses europeus, sem exceção, sĆ£o muito baixas[2], nĆ£o se podendo repor as geraƧƵes; existe necessidade de mĆ£o-de-obra em muitos sectores da agricultura, indĆŗstria e serviƧos, que os naturais nĆ£o preenchem; os sistemas de seguranƧa social sĆ£o em quase todos os paĆ­ses altamente deficitĆ”rios e nalguns casos Ć  beira da insolvĆŖncia. Por outro lado, a chegada maciƧa de novos imigrantes com religiƵes, lĆ­nguas, hĆ”bitos, usos e costumes muito diferentes vĆ£o confrontar-se com a realidade cultural local que pode nĆ£o ser recetiva a este afluxo de expatriados e que, de algum modo, pode perturbar ou considerar que perturba a cultura local. Subsiste sempre – e Ć© uma questĆ£o de fundo – o problema identitĆ”rio que nĆ£o pode ser descartado.

Independentemente das guerras longĆ­nquas, que pressionavam as multidƵes em fuga e as dificuldades de subsistĆŖncia de inĆŗmeros cidadĆ£os dos paĆ­ses em vias de desenvolvimento, outros fatores pesavam tambĆ©m na Europa para a abertura Ć  imigração e que reiteramos: a falta de mĆ£o-de-obra, as baixas taxas de natalidade, o envelhecimento galopante da população, o dĆ©fice permanente dos serviƧos sociais e de saĆŗde. Sem nos esquecermos que, do ponto de vista do subconsciente coletivo, a Europa sofria – e sofre – de uma crise de confianƧa e de autoestima, o que a levou numa atitude insensata, senĆ£o suicidĆ”ria, a abrir, sem particulares reservas, as portas Ć  imigração.

(1) O Pacto Global das MigraƧƵes ou ā€œPacto mundial para as imigraƧƵes seguras, ordenadas e regularesā€ ou, mais simplesmente Pacto de Marraquexe de 10 e 11 Dezembro de 2018, parar alĆ©m do palavreado habitual sobre direitos humanos, nĆ£o estabelece qualquer distinção entre imigração legal e ilegal.Ā 

(2)  De acordo com as estatísticas oficiais (PORDATA), as taxas de fecundidade em todos os países europeus são inferiores à chamada taxa de reposição que se situa acima dos 2,1 filhos por mulher. Em França, que possui o valor mais alto, é de 1,8, em Portugal é de 1,4 seguindo-se a Polónia, ItÔlia, Espanha e Malta com índices inferiores.

Perante as opções, assimilação forçada ou sociedade multicultural, os governos europeus, sob a bandeira do politicamente correto, escolheram o multiculturalismo, como forma possível de integração a longo prazo, excluindo a assimilação por demasiado impositiva e em última anÔlise suscetível de violar os direitos humanos.

NĆ£o obstante, a Europa – nĆ£o sendo um paĆ­s de settlers (colonos), como os EUA, o CanadĆ”, a AustrĆ”lia, a Argentina ou o Brasil – nĆ£o podia ā€œassimilarā€, integrando numa nova versĆ£o europeia do melting pot americano essas massas de refugiados e de imigrantes. Acresce que uns e outros seriam dificilmente integrĆ”veis, uma vez que professavam religiƵes diferentes, nalguns casos incompatĆ­veis com os valores e princĆ­pios da cultura greco-latina e os valores judaico-cristĆ£os, bem como hĆ”bitos, usos e costumes igualmente diversos e de difĆ­cil harmonização com os vigentes nas sociedades de acolhimento.

Todavia, o problema da integração foi suscitado numa entrevista televisiva de Anne Sinclair ao falecido rei Hassan II de Marrocos, em 1993, portanto jÔ hÔ 30 anos.  O monarca afirmou claramente que a França ensaiava uma tentativa de integração (a terminologia empregue é significativa), mas que jamais tal seria possível, uma vez que a base cultural (no fundo a matriz) era diferente e por isso mesmo, inconciliÔvel, acrescentaríamos nós[1]. Os tumultos em França, subsequentes à morte do jovem Nahel Merzouk (27 Junho) às mãos da polícia, que duraram vÔrios dias, numa situação de uma crescente insurreição popular, demonstram que a integração não funcionou em território gaulês. Os valores da sociedade francesa não foram, nem são reconhecidos, por sectores inteiros da população, porquanto a respetiva maioria é constituída por jovens franceses de 2ª, 3ª e 4ª gerações jÔ nascidas em França. A inclusão, a bem dizer, é um mito.

Restava em alternativa o multiculturalismo, mas aqui as dificuldades eram mais que muitas, atento o nĆŗmero dos recĆ©m-chegados, a criação (natural) de guetos, a preservação de valores comportamentais Ć©tnicos em constante choque sociocultural com os das sociedades de acolhimento e, finalmente, a formação do que podemos designar por ā€œsociedades mosaicosā€, que encorajavam a exclusĆ£o e nĆ£o a inclusĆ£o.

E neste caso que fazer? Integração, multiculturalismo ou assimilação forçada?

Francisco Henriques da Silva

Embaixador, Vice-Presidente da Comissão de Relações Internacionais da Sociedade de Geografia, autor.

(3) Entrevista de Anne Sinclair ao rei Hassan II (programa ā€œSept sur septā€, TF1 . 1993)