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HAMAS – ISRAEL PROCURANDO CONHECER AS REGRAS DO JOGO

É perante a previsão quase certa e presumivelmente próxima da adesão da Arábia Saudita aos acordos de Abraão e a eventual adesão de todo o mundo sunita que o Hamas, acolitado pela Irmandade muçulmana, de que é uma emanação, tinha de desferir o golpe- Golpe esse, em preparação desde há algum tempo (talvez há mais de um ano) permitindo dar visibilidade à causa palestina, muito esbatida por uma multiplicidade de razões, e impedindo, assim, a aproximação do mundo árabe a Israel.

Recorde-se que os acordos de Abraão de 13 de agosto de 2020, envolvendo Israel, o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos, mediados pela Administração Trump, permitirão a normalização das relações de Israel com esses dois países árabes, na linha do relacionamento diplomático já existente com o Egipto e com a Jordânia. Posteriormente, vieram juntar-se ao grupo Marrocos e o Sudão. A Arábia Saudita, o país com mais peso no mundo sunita, seguir-se-ia, naturalmente, com vento e feição. Toda esta actividade diplomática assume uma enorme importância geopolítica em detrimento da causa palestina. Na perspectiva do Hamas e do Irão o processo tinha, pois, de ser interrompido de qualquer maneira.

Por conseguinte, o Hamas prossegue um duplo objectivo: evitar a normalização de relações de Israel com os países árabes, designadamente com a Arábia Saudita, e chamar a atenção do mundo para a causa palestina, não a deixando morrer, porque se trata de  uma questão de sobrevivência.

Não obstante, note-se bem, ninguém quer nada com o radicalismo, com a Irmandade Muçulmana e com o Irão, portanto o Hamas está relativamente isolado. Por outro lado, o governo da Autoridade Palestina (Mahmoud Abbas na Cisjordânia) está desacreditado e minado pela corrupção endémica. Por conseguinte, a única forma de demonstrar que a causa não está morta é ensaiar uma acção de grande envergadura como a que foi levada a cabo em 7 de outubro.

Israel é apanhado com as calças na mão, passe a expressão, e e os erros cometidos por Telavive foram mais que muitos. Em primeiro lugar, tudo leva a crer que Israel foi informado, quer pelos seus serviços secretos, quer pelo Egipto e talvez por outras fontes, mas Netanyahu, preocupado talvez com a sua carreira política e com questões domésticas israelitas, nada fez, patenteando uma inépcia irresponsável. Em segundo lugar, houve falhas graves e inexplicáveis de segurança, em 7 de outubro de que poucos falam, mas que são manifestas. Finalmente, Israel confia plenamente nas suas FDI (Forças de Defesa de Israel), mas não são as mesmas de 1948, 1967 ou 1973. A paz podre dos últimos tempos tornou, provavelmente, os soldados ociosos, distraídos e pouco motivados.  Em relação ao passado, as FDI possuem melhor poder de fogo e dispõem de tecnologia militar sofisticada e muito avançada, mas trata-se de uma guerra assimétrica, entre um exército convencional e um bando terrorista, de resultado, por ora,  incerto.

A BBC apresentou uma entrevista abortada com o porta-voz do Hamas Ghazi Hammad m 27 de outubro, em que este último, interrogado sobre a morte de civis pelo Hamas mente ostensiva e escandalosamente afirmando não ser verdade o que já estava confirmado pelos factos e abandona abruptamente a entrevista. Com efeito, é por demais evidente o que se passou em 7 de outubro. O porta-voz do Hamas devia assumir-se claramente como terrorista que é, e considerar que o 7 de outubro foi um massacre deliberado, cruel e horrendo de homens, mulheres e crianças.

Dito isto, para mim, é também manifesto que, no estado actual da evolução do conflito, que Israel não se sai nada bem na fotografia. Bombardear civis e travar a ajuda humanitária são actos criminosos injustificáveis. Esta é a minha opinião, perante os factos conhecidos.

Em minha opinião, não creio que seja possível derrotar o Hamas, ou, antes, os israelitas poderão arrasar a faixa de Gaza e matar incontáveis elementos da população civil, mas a ideologia do Hamas passa para as novas gerações. Logo, Israel devia apresentar uma alternativa, o que não fez, nem quer fazer. Mais. Não conseguindo derrotar o Hamas, vai a alastrar o conflito à vizinhança e, pior do que isso, potenciar uma guerra generalizada no Médio. Oriente, que se vai juntar à da Ucrânia, de consequências imprevisíveis. Se o Hezbollah e o Irão entrarem na liça Alea jacta est!… e não digo mais nada. 

O governo israelita tem demonstrado a sua incompetência e a respectiva diplomacia não pode jogar tudo na emotividade, como se viu na ONU. Releva-se, apenas, um desejo generalizado e cego de vingança que não parece obedecer a nenhuma estratégia concertada e inteligente. Assiste-lhe o direito de se defender, não o nego, mas não a de matar indiscriminadamente população civil. Caíram na armadilha que lhe preparou o Hamas e não se deram conta.

Francisco Henriques da Silva

Embaixador, Vice-Presidente da Comissão de Relações Internacionais da Sociedade de Geografia, autor.

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