Em 2020, a Força Aérea dos EUA e a SpaceX efetuaram um exercício de fogo real no qual satélites Starlink transmitiram dados para centros e equipamentos militares, o que lhes permitiu abater drones e mísseis de cruzeiro. Desde então, a SpaceX criou um projeto derivado chamado Starshield, que foi projetado exclusivamente para os militares dos EUA e suas agências.
Elon Musk, o dono da SpaceX, tem uma fortuna gigantesca, dirige uma rede social que tem uma grande influência na opinião pública e possui uma constelação de 4.500 satélites de comunicação (Starlink) que lhe permite intervir em conflitos entre Estados, como ocorreu no último ano na guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A combinação destes fatores faz dele um ator de importância mundial.
Em Setembro deste ano, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, visitou os EUA. O interesse de Israel pela inteligência artificial aplicada às operações militares levou a um encontro entre Netanyahu e Elon Musk na Califórnia, em 18 de Setembro. A visita de Netanyahu aos EUA foi excepcionalmente centrada em Musk, para um líder político mundial. Musk e Netanyahu falaram sobre a IA e chegaram a um acordo sobre as unidades de satélite Starlink que operam em Israel.
Depois disso, em 30 de Novembro, foi a vez de Musk visitar Tel Aviv. Algumas notícias nas redes sociais russas afirmam que, antes da viagem, Musk foi alertado pelo Pentágono de que os sistemas de inteligência artificial israelitas teriam assumido o controlo dos satélites Starlink em todo o território de Israel, incluindo em Gaza.
Inteligência artificial na guerra contra o Hamas
No passado 1 de Dezembro, o jornal The Guardian publicou um artigo em que várias fontes da comunidade de inteligência de Israel descrevem uma unidade secreta de inteligência militar israelita facilitada por IA.
De acordo com a publicação, os militares israelitas estão a recorrer ao “uso generalizado de um sistema chamado Habsora (‘O Evangelho’), que é em grande parte construído com inteligência artificial e pode “gerar” alvos quase automaticamente a uma velocidade que excede em muito o que era feito anteriormente. Nos últimos anos, a divisão de alvos do Exército coletou um banco de dados entre 30.000 a 40.000 militantes suspeitos.
Um breve comunicado no site das IDF (Forças de Defesa de Israel) afirmou que o sistema Habsora permitia “produzir alvos a um ritmo rápido por meio da extração rápida e automática de inteligência”.
O Habsora seria alimentado por “grandes conjuntos de informações de uma variedade de fontes, como imagens de drones, comunicações interceptadas, dados de vigilância e informações extraídas do monitoramento dos movimentos e padrões de comportamento de indivíduos e grandes grupos”, indica o artigo do The Guardian.
Israel aumentou a sua cobertura SIGINT, o termo que significa recolha de inteligência de sinais de telemóveis ou mesmo de conversas na rua.
O Habsora é “uma máquina que gera grandes quantidades de dados de forma mais eficaz do que qualquer ser humano, e os traduz em alvos para ataque”. Segundo as fontes, o objetivo era “matar o maior número possível de agentes do Hamas”, tendo os critérios de baixas colaterais palestinas sido significativamente diminuídos. Num caso discutido pelas fontes, o comando militar israelita aprovou conscientemente a morte de centenas de civis palestinianos numa tentativa de liquidar um único comandante militar do Hamas.
De acordo com as mesmas fontes, o uso crescente de sistemas baseados em IA como o Habsora permite que o Exército realize ataques em larga escala contra edifícios residenciais onde um único membro do Hamas vive, mesmo que não seja dirigente do movimento, mas apenas militante. São os chamados “alvos de poder” (“matarot otzem“).
Esse sistema de IA, como descrito por um ex-oficial de inteligência israelita representa, essencialmente, uma “fábrica de assassinatos em massa”. O papel dos comandantes na tomada de decisão sobre os alvos a atacar é cada vez menor, à medida que a automatização cresce. Investigadores alertam que há o risco de os militares desenvolverem “viés de automatização” e “confiarem demasiado em sistemas que passam a ter muita influência sobre decisões humanas complexas”.
As estimativas indicam que haja cerca de 1.600 especialistas a trabalhar em Israel no domínio do desenvolvimento de programas de inteligência artificial.
Rússia, China e UE
A China estará igualmente avançada no desenvolvimento de sistemas de IA, tanto para monitorização da circulação e comportamento da sua população, como para fins militares.
Já na Rússia são conhecidos os sistemas “Sfera”, “Okulus” e “Vepr”, na área de reconhecimento facial, monitorização de “opiniões extremistas” nas redes sociais, bem como onoprognóstico e coibição de ações oposicionistas indesejáveis. A nível militar, a IA é usada nas Tropas de Mísseis e em veículos de combate autónomos. O treino de sistemas de IA requer grandes quantidades de energia e tem um custo elevado, algo que não parece ser um problema para a Rússia, que dispõe de energia barata.
Na União Europeia, este mês, foi alcançado pela primeira vez no mundo, um acordo provisório para regulamentar a IA. Nele, passarão a ser proibidos os sistemas de identificação biométrica em tempo real e à distância, a manipulação cognitivo-comportamental de pessoas e a pontuação social (classificação de pessoas com base no comportamento, estatuto socioeconómico, caraterísticas pessoais).
No entanto, sobre a aplicação de IA em operações militares, nem uma palavra. Como essa é uma área de intensa concorrência entre as grandes potências, muito provavelmente esse domínio não será proibido. Poderá a Europa no futuro usar os mesmos métodos que Israel numa situação de guerra?
Forças malignas
No encontro de Setembro com o líder israelita na Califórnia, Elon Musk expressou o medo de que a tecnologia de IA possa tornar-se uma ameaça fatal para a humanidade. Por sua vez, no seu discurso na Assembleia Geral da ONU nesse mesmo mês, Netanyahu observou que a inteligência artificial poderia acabar por ficar ao serviço de forças malignas.
“Estamos numa encruzilhada hoje, toda a humanidade enfrenta uma escolha entre bênção e maldição. As bênçãos associadas à IA são incríveis, e nós, em Israel, já as estamos a ver. Mas, ao mesmo tempo, há maldições. Pode ser a destruição da democracia, a manipulação da mente, o crime organizado, as guerras impulsionadas pela IA e até mesmo algo saído da ficção científica. Essas máquinas podem assumir o controlo das pessoas, e não o contrário”, afirmando que ainda haverá a necessidade de “policiar o planeta” contra atores desonestos.
Com esta guerra no Médio Oriente, tudo leva a crer que a maldição já chegou.
Cristina Mestre
Psicóloga e Tradutora