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Declaração de Kazan: uma agenda globalista sob a capa da multipolaridade

O famoso Pepe Escobar disse que Putin e Xi estiveram “de portas abertas em nome do BRICS+, dando as boas-vindas a dezenas de nações que estão a fugir do Ocidente coletivo como uma praga”. No entanto, a declaração final da cimeira dos BRICS em Kazan incide, entre outras coisas, na “governança global”, na Agenda 2030, nas grandes parcerias público-privadas, nas políticas centradas no combate às mudanças climáticas, na criação de mercados de carbono, na maior centralização de políticas de saúde na OMS e na prevenção de pandemias.

Os países do bloco BRICS realizaram a sua 16ª cimeira em Kazan, na Rússia, em Outubro passado.  Na cidade russa de Kazan, os líderes da Rússia, China, Índia, Brasil, África do Sul, Irão, Egipto, Emirados Árabes Unidos e Etiópia assinaram a Declaração de Kazan.

Os leitores provavelmente já ouviram falar sobre este acontecimento. Muitos autores de meios de comunicação alternativos relataram como os BRICS “desferiram um golpe mortal nos globalistas”. 

O famoso Pepe Escobar disse que Putin e Xi estiveram “de portas abertas em nome do BRICS+, dando as boas-vindas a dezenas de nações que estão fugindo do Ocidente coletivo como uma praga”.

Alguns indicam que estaríamos perante uma estratégia para construir um mundo verdadeiramente multipolar, com diferentes países da Eurásia e do Sul Global a desenvolverem-se de forma soberana, de acordo com os seus próprios valores tradicionais – e tudo isto para a prosperidade da humanidade. 

A Declaração de Kazan publicada em 23 de Outubro de 2024 foi, dizem, uma grande vitória para os BRICS.

Vejamos alguns destaques deste vasto documento de 33 páginas:

Os BRICS apoiam a “governança global” e “o papel central das Nações Unidas no sistema internacional”
  • “Reafirmamos o nosso compromisso com o multilateralismo e a defesa do direito internacional, incluindo os propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (ONU) como sua pedra angular indispensável, e o papel central da ONU no sistema internacional, no qual os Estados soberanos cooperam para manter a paz e a segurança internacionais, promover o desenvolvimento sustentável, garantir a promoção e proteção da democracia, direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, bem como a cooperação baseada na solidariedade, respeito mútuo, justiça e igualdade. Enfatizamos ainda a necessidade urgente de alcançar uma representação geográfica equitativa e inclusiva na composição do pessoal do Secretariado das Nações Unidas e de outras organizações internacionais em tempo útil.
  • “Reiteramos o nosso compromisso de melhorar a governança global, promovendo um sistema internacional e multilateral mais ágil, eficaz, eficiente, representativo, legítimo, democrático e responsável.”
Os BRICS apoiam o papel de liderança do FMI no sistema financeiro global
  • “Reafirmamos o nosso empenhamento em manter uma uma rede de segurança financeira mundial forte e eficaz, com o papel central do Fundo Monetário Internacional (FMI), com base num sistema de quotas e com recursos financeiros suficientes.”
  • “Sublinhamos o papel fundamental do Grupo dos Vinte (G20) como principal plataforma internacional para a cooperação financeira e económica multilateral, proporcionando uma plataforma de diálogo entre as economias de mercado desenvolvidas e emergentes”. 
Os BRICS apoiam a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
  • “Enfatizamos a natureza universal e inclusiva da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e que sua implementação deve levar em consideração diferentes circunstâncias, capacidades e níveis nacionais de desenvolvimento, respeitando as políticas e prioridades nacionais e em conformidade com a legislação nacional.”
Os BRICS apoiam parcerias público-privadas para ajudar as nações a alcançar seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
  • “Reconhecemos que o uso de financiamento misto é uma maneira eficaz de mobilizar capital privado para financiar projetos de infraestrutura. Observamos o importante papel dos bancos multilaterais de desenvolvimento e das instituições financeiras de desenvolvimento, em particular dos bancos nacionais de desenvolvimento, na ampliação institucional do uso de financiamento misto e outros instrumentos, contribuindo assim para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, de acordo com as necessidades e prioridades específicas de cada país. Para esse fim, elogiamos o trabalho da Parceria Público-Privada dos BRICS e da Força-Tarefa de Infraestrutura 17 e endossamos seu Relatório Técnico sobre Projetos de Infraestrutura de Financiamento Misto.”
Os BRICS apoiam redução e remoção de gases de efeito estufa para combater mudanças climáticas
  • “Reafirmamos que os objectivos, princípios e disposições da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, do seu Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, incluindo os princípios da equidade e das responsabilidades comuns. Condenamos as medidas unilaterais introduzidas sob o pretexto de preocupações climáticas e ambientais e reiteramos o nosso compromisso de melhorar a coordenação sobre essas questões. Fortaleceremos a cooperação em toda uma gama de soluções e tecnologias que contribuam para a redução e remoção de Gases de Efeito Estufa (GEEs).”

Os BRICS apoiam a criação de mercados de carbono

  • “Reconhecemos o importante papel dos mercados de carbono como um dos impulsionadores da ação climática e incentivamos o aperfeiçoamento da cooperação e o compartilhamento de experiências neste campo. Opomo-nos a medidas unilaterais introduzidas sob o pretexto de preocupações climáticas e ambientais e reiteramos o nosso compromisso de melhorar a coordenação sobre estas questões. Saudamos a adoção do Memorando de Entendimento sobre a Parceria para os Mercados de Carbono do BRICS como uma plataforma dedicada a compartilhar conhecimento, experiências e estudos de caso sobre o desenvolvimento de mercados de carbono e discutir a potencial cooperação intra-BRICS nos mercados de carbono para trocar opiniões sobre a potencial cooperação nos termos do Artigo 6 do Acordo de Paris entre os países do BRICS.”
Os BRICS apoiam a Organização Mundial da Saúde e o seu “papel central de coordenação” no fortalecimento do “sistema internacional de prevenção, preparação e resposta a pandemias”
  • “Reiteramos o nosso apoio ao papel central de coordenação da Organização Mundial da Saúde na implementação de esforços internacionais multilaterais para proteger a saúde pública de doenças infecciosas e epidemias e nos comprometemos a reformar e fortalecer o sistema internacional de prevenção, preparação e resposta a pandemias. Reconhecemos o papel fundamental dos cuidados de saúde primários como base fundamental para a Assistência Médica Universal e a resiliência do sistema de saúde, bem como na prevenção e resposta a emergências de saúde. Saudamos a promoção de laços mais estreitos entre as instituições de saúde dos BRICS responsáveis pela saúde e bem-estar sanitário e epidemiológico, prevenção, preparação e resposta a doenças transmissíveis propensas a epidemias e impacto na saúde após desastres e incentivamos a exploração de oportunidades de partilha de conhecimento e realização de projetos conjuntos no setor de saúde.”
Os BRICS apoiam o desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes
  • “Apoiamos as iniciativas do Centro de Investigação e Desenvolvimento de vacinas dos BRICS, o desenvolvimento do Sistema Global de Alerta Precoce dos BRICS para os riscos de doenças infecciosas em massa. Congratulamo-nos com o resultado da Reunião de Alto Nível sobre Resistência Antimicrobiana na 79ª Sessão da Assembleia Geral da ONU”. 
Os BRICS apoiam “a transformação digital” por meio do 5G, IA e outras “tecnologias emergentes”
  • “Reconhecendo a importância de criar uma economia digital capacitadora, inclusiva e segura e que a conectividade digital é um pré-requisito essencial para a transformação digital, bem como para o crescimento social e económico, enfatizamos a necessidade de fortalecer a cooperação entre os países do BRICS. Também reconhecemos que as tecnologias emergentes, como 5G, sistemas de satélite, redes terrestres e não terrestres, têm o potencial de catalisar o desenvolvimento da economia digital. Reconhecemos que a infraestrutura pública digital resiliente, segura, inclusiva e interoperável tem o potencial de fornecer serviços em escala e aumentar as oportunidades sociais e económicas para todos.”
  • “Apelamos a um quadro mundial justo e equitativo para a gestão de dados, incluindo a partilha transnacional de dados”.
  • “Reconhecendo que a rápida evolução tecnológica, incluindo a propagação acelerada da IA, está a abrir novas oportunidades para o desenvolvimento socioeconómico em todo o mundo, defendemos que a ONU desempenhe um papel importante na governação mundial da IA”. 

Fortalecimento do multilateralismo para o desenvolvimento e a segurança globais justos versus a construção de um mundo justo e de um planeta sustentável

O tema da última cimeira dos BRICS foi “Fortalecendo o Multilateralismo para o Desenvolvimento e a Segurança Globais Justos”. 

Em nítido contraste, o G20 (que inclui os EUA e muitas outras nações unipolares do Ocidente) reuniu-se no Rio de Janeiro nos fins de 2024 sob o lema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”.

Realmente, o contraste não poderia ser maior. Deixo as conclusões para o leitor.

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