O primeiro estudo RCT publicado sobre máscaras no contexto desta pandemia não encontrou diferenças estatisticamente significativas no que diz respeito à proteção dos seus utilizadores.
Contexto histórico
Durante décadas a investigação tendeu a indicar que a utilização de máscaras para o combate de vírus respiratórios na comunidade não apresentava vantagens. Recentemente, já em maio de 2020, a última revisão sistemática com dez RCTs de qualidade superior foi incluída no documento de medidas contra epidemias e pandemias da OMS e concluiu:
“Não foram encontradas evidências de que as máscaras são eficazes na redução da transmissão de influenza confirmada em laboratório.”
O único estudo RCT com máscaras de pano (2015) sugere inclusive que poderiam aumentar o risco de infeção.
Durante a pandemia, baseada em alguns estudos de menor qualidade que sugerem proteção, a OMS procedeu a uma alteração de recomendações. Mesmo as máscaras de pano (com três ou mais camadas) poderiam ter um efeito muito significativo na redução das contaminações.
Apesar das reservas da OMS sobre a qualidade dos estudos que suportam esta alterações, muitas organizações de saúde e países foram bem mais entusiastas na adoção das máscaras como instrumento fundamental no combate à pandemia.
No entanto, as evidências de menor qualidade como a opinião de peritos, estudos laboratoriais ou, mesmo observacionais, sofrem de vieses elevados e não conseguem aferir de relações de causalidade. Apenas os RCT o conseguem fazer.
Resumo do estudo
Participantes
6 024 adultos foram distribuídos aleatoriamente, por dois grupos, e acompanhados de 2 a 4 de Maio até 2 de Junho de 2020. 4862 participantes (80.7%) completaram o estudo.
Intervenção
Incentivo a seguir medidas de distanciamento social para os dois grupos.
Nenhuma recomendação de máscara (grupo de controlo), ou uma recomendação de usar máscara quando estiver fora de casa (grupo máscaras) entre outras pessoas.
Tipo de máscara utilizada
“As máscaras faciais fornecidas aos participantes eram cirúrgicas de alta qualidade com uma taxa de filtração de 98%”
Renovações das máscaras e instruções de uso
Foram fornecidas 50 máscaras cirúrgicas e instruções para o uso adequado.
No estudo, cada participante usou, em média: “1,7 máscaras por dia da semana” e “1,3 por dia de fim de semana”.
Resultados
Não existiram diferenças estatísticas significativas entre os grupos.
A infeção ocorreu em 42 participantes (1,8%) no grupo máscara e 53 (2,1%) no grupo de controlo.
Também na infeção por outros vírus respiratórios não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas.
Limitações
As máscaras usadas são cirúrgicas de alta qualidade, diferentes de muitas que são usadas (por exemplo, das de pano). A média de renovação das máscaras foi superior a 1,5 por dia, provavelmente muito diferente da renovação/ lavagem habitual. Para além disso, os participantes foram especialmente instruídos para uma correta utilização (93% dos participantes afirmaram ter usado as máscara “conforme recomendado” ou “predominantemente conforme recomendado”).
Por outro lado, este estudo apenas investiga a proteção do utilizador. Não se podem tirar conclusões sobre a proteção que o uso de máscaras poderá ter nos outros.
O estudo envolveu uma região com uma taxa relativamente reduzida de transmissão, não se podem tirar conclusões definitivas para locais em que a transmissão é superior.
Os resultados são inconclusivos, compatíveis com uma redução de 46% até um aumento de 23% da transmissão.
Principais conclusões dos investigadores
O estudo sugere que, nas condições em que ele foi realizado, o uso de máscara cirúrgica não reduz significativamente a probabilidade de infeção do seu utilizador.
“Os nossos resultados sugerem que a recomendação de usar máscara cirúrgica fora de casa, entre outras pessoas, não reduziu, em níveis convencionais de significância estatística, a incidência de infeção por SARS-CoV-2 em usuários de máscara num ambiente onde o distanciamento social e outras condições de saúde pública eram praticadas…”
Implicações do estudo
Apesar de não se poderem tirar conclusões sobre a proteção que as máscaras podem dar a terceiros, indicia que a proteção do utilizador, a existir, será certamente muito inferior ao que alguns estudos sugerem.
São necessários outros, que avaliem também: outras máscaras em circulação, meios abertos e fechados, regiões de maior transmissão, a proteção de terceiros.
Muitas pessoas têm posições fechadas sobre o assunto baseadas em perceções pessoais, orientações editoriais ou opiniões de profissionais de saúde. Em alguns países tornaram-se inclusive num símbolo de filiações ideológicas ou políticas.
É importante não existirem posições dogmáticas e deixarmos a ciência continuar a testar as várias hipóteses que se colocam. Afinal é esse o grande avanço do método científico: evitar que as nossas crenças pessoais nos impeçam de avançar na busca do conhecimento.
Por enquanto, sempre que usarmos máscara não nos devemos sentir demasiado protegidos e cumprir todas as regras de utilização.