ā O caso da vacinação pediĆ”trica
Após quase dois anos do inĆcio da pandemia, muitas coisas mudaram. Algumas, no entanto, mantĆŖm-se inalteradas como a ocultação de dados, a manipulação dos mesmos e, nĆ£o raras vezes, a produção de mentiras por pessoas com responsabilidade [1] [2] [3].
Este tipo de comportamento tem passado sem escrutĆnio, sem crĆtica e, pelo contrĆ”rio, tem sido premiado com maior protagonismo para os seus autores.
O tema que nos Ćŗltimos meses tem confirmado este ānovo normalā tem sido a vacinação de crianƧas, mais recentemente entre os cinco e os 11 anos.
A simbiose entre a polĆtica e os grandes media
O poder polĆtico sempre se mostrou convicto de que a decisĆ£o seria no sentido da recomendação, chegando mesmo a encomendar [4] as vacinas pediĆ”tricas antes da decisĆ£o[5] ter sido tomada pelo Grupo de Apoio TĆ©cnico Ć Vacinação.
TambĆ©m a comunicação social de massas, após um perĆodo meritório em que consultou vĆ”rias vozes contraditórias, tem exercido uma campanha pró-vacinação, ora subtil ora ostensiva. Este tipo de ativismo, que tem caracterizado algum jornalismo durante a pandemia, teve como ponto alto as entrevistas nos centros de vacinação. Muitas vezes, com o recurso a perguntas intrusivas ou sugestivas aos jovens.
AlĆ©m dos evidentes problemas Ć©ticos desta postura, o facto de ser um tema complexo, multifatorial e em que a evidĆŖncia Ć© ainda muito incompleta (apesar de ser comunicada como āinquestionĆ”velā), torna a situação ainda mais grave. Por um lado, a falta de isenção distorce a perceção de jovens, educadores e sociedade em geral, sobre o conhecimento disponĆvel e os fatores em jogo.Ā
Por outro, levantam questƵes sobre a capacidade desses órgĆ£os de, perante factos contraditórios Ć s mensagens promovidas anteriormente, de investigar e de divulgar notĆcias desalinhadas com as narrativas em que se comprometeram.
A propagação de notĆcias enganosas
Para agravar o problema, alguns profissionais de saĆŗde tambĆ©m tĆŖm contribuĆdo para a distorção dos factos. Neste caso em concreto, destaca-se, por exemplo, a Dra. Maria JoĆ£o Brito, Coordenadora da Unidade Infecciologia do Hospital Dona EstefĆ¢nia.
A Dra. Maria João Brito, que teve um acesso privilegiado aos grandes órgãos de comunicação social, tem lançado números de forma totalmente descontextualizada e alarmista.
Um dos evidentes casos de informação enganosa é a não distinção entre casos com doença aguda e casos com um mero teste positivo, mas com outra causa. Foram assim lançados números de hospitalizações e casos graves, com forte sugestão de que se tratavam de casos provocados (na sua totalidade) pela Covid-19.
Fez afirmaƧƵes como as de que o seu hospital āestaria cheio de Covidā e que estavam a āchegar aos 450 doentesā [6].
Sabemos pelos dados globais oficiais [7], pelo perfil global da doença e pelo contacto com outros hospitais que tal não pode corresponder a casos de doença aguda Covid.
Eventualmente, estarĆ£o incluĆdos muitos casos com teste positivo ao SARS-CoV-2, que Ć© um procedimento de rotina feito nas admissƵes por qualquer causa. Tal facto, foi aliĆ”s salientado pelo pediatra e presidente do ColĆ©gio de Pediatria da Ordem dos MĆ©dicos, Dr. Jorge Amil Dias[8].
E este tipo de situaƧƵes, no mĆnimo enganosas e alarmistas, nĆ£o Ć© algo novo. Pelo contrĆ”rio, Ć© recorrente e comeƧou logo nos primórdios da pandemia em Portugal, com a difusĆ£o da notĆcia falsa de que naquele hospital estariam 30 crianƧas em estado grave associado ao coronavĆrus [9].
O número de «casos» em crianças
Desde o inĆcio do processo de vacinação dos mais jovens que a população estĆ” a ser ābombardeadaā com a informação de um grande aumento de casos nestes escalƵes. Muitas vezes, com a referĆŖncia na mesma notĆcia aos Ćndices de vacinação nestas idades.
Ora sem se saber o total de testes por escalĆ£o etĆ”rio [10], esse valor pouco diz. Por isso, perguntĆ”mos ao INSA que deveria ter esses dados jĆ” que tem o nĆŗmero total de casos e a resposta foi de que nĆ£o disponham, na altura, de āinformação de testagem diĆ”ria agrupada por faixa etĆ”riaā.
AlĆ©m disso, esse tipo de sugestĆ£o de que a vacinação estĆ” fortemente associada ao nĆŗmero de casos e de que sĆ£o os jovens o āmotorā do disparar do nĆŗmero de infeƧƵes Ć© no mĆnimo enganadora e carece de forte evidĆŖncia cientĆfica (embora estas novas variantes possam ter dinĆ¢micas diferentes).
Pelo contrÔrio, é hoje consensual que a atual vacinação tem, na melhor das hipóteses, um efeito bastante limitado nos contÔgios e na transmissão [11].
A ciĆŖncia do oculto
TambĆ©m recentemente atingimos um novo marco na falta de rigor e, dirĆamos mesmo, da irresponsabilidade. Neste caso, com a divulgação da estimativa[12] de que Ā«as miocardites sĆ£o 60 vezes mais frequentes nas crianƧas infectadas do que nas vacinadasĀ», afirmação rapidamente propagada por todos os órgĆ£os de comunicação social.
Acontece que a própria coautora reconhece que não foram colocadas no documento todas as referências consultadas [13].
Ou seja, as conclusƵes sĆ£o baseadas em estudos āfantasmaā, que nĆ£o podem ser escrutinados. Espera-se assim que, num ato de fĆ©, acreditemos na existĆŖncia desses estudos e na correta extrapolação dessa conclusĆ£o por parte dos autores.
Como combater o obscurantismo atual?
Como em tudo, existem sempre argumentos de ambos os lados. Mas o que temos assistido, não tem sido a desejada apresentação de informação completa e transparente.
Muitos dos dados, fundamentais para uma anÔlise completa por especialistas e investigadores, têm sido ocultados ou apresentados de forma fragmentada e enganosa.
Se existe evidĆŖncia robusta, porque nĆ£o existe transparĆŖncia? Se os dados sĆ£o inequĆvocos, porque nĆ£o sĆ£o apresentados? Se hĆ” confianƧa nas polĆticas seguidas, porque sĆ£o apenas suportadas em dados fragmentados e sem contexto?
A proclamação de ācertezas cientĆficasā sem a mĆnima evidĆŖncia que as comprovem, deve levar-nos a ter muita cautela antes de assumirmos algumas premissas basilares da narrativa oficial.
Ā AtĆ© porque, paradoxalmente, numa altura em que tanto se quer associar a ādesinformaçãoā a atividades particulares nas redes sociais, o impacto que órgĆ£os institucionais e dos media de massas tĆŖm na propagação de informação enganosa Ć© incomparavelmente superior e mais transversal na sociedade.
Cabe-nos a todos exigir mais. No tema da vacinação de jovens, como em muitos outros casos, temos de lutar contra o obscurantismo em que estamos mergulhados.
Estamos a fazer a nossa parte e a investigar de modo a poder facultar informação, da forma mais objetiva e completa possĆvel.
Ć esse o nosso compromisso.
The Blind Spot
[2] https://www.ema.europa.eu/en/glossary/conditional-marketing-authorisation
[4] https://www.jn.pt/nacional/antecipada-chegada-a-portugal-de-vacinas-para-criancas-14383992.html
[5] https://www.sns.gov.pt/noticias/2021/12/07/covid-19-vacinacao-para-criancas/
[6] https://www.rtp.pt/play/p9816/e591777/e-ou-nao-e-o-grande-debate
[7] https://theblindspot.pt//2022/01/06/analise-da-gravidade-da-covid-19-em-criancas/
[8]Ā https://drive.google.com/file/d/1jKhdG-zvrVnEwj8KG-SctBmzIFZwuj-V/view?usp=sharing
[9] https://executivedigest.sapo.pt/coronavirus-30-criancas-em-estado-grave-no-hospital-dona-estefania/
[10] https://www.facebook.com/TheBlindSpotPT/posts/443213710860364
[11] https://www.youtube.com/watch?v=bnMMYJKZvnU&list=PLTVup05OCqaJOZU5NSwgU8yN8ZapziVdO&index=7
[13] https://ionline.sapo.pt/artigo/760629/parecer-da-dgs-sobre-vacinacao-de-criancas-agrava-diverg-ncias