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Investigação Filipe Froes: Promoção de medicamentos- O exemplo do Remdesivir

Com uma forte implementação nos órgãos de comunicação social, promovendo medicamentos patenteados de elevado custo e de eficácia e segurança ainda incertas, o médico Filipe Froes aufere, simultaneamente, avultados pagamentos das empresas que os produzem. 

Um dos medicamentos que Filipe Froes promoveu publicamente por diversas vezes foi remdesivir. 

“Não há dúvidas sobre o benefício do remdesivir, desde que utilizado precocemente nos doentes certos”- Filipe Froes afirmou em declarações ao Mediconews , em outubro de 2021.

O medicamento obteve uma autorização de emergência da OMS, mas no mês seguinte após estas declarações a própria OMS emitiu uma recomendação contra o seu uso por não existirem ” evidências de que o remdesivir melhore a sobrevivência e outros resultados nestes pacientes.”

Evidências sobre o medicamento- eficácia e segurança  

A revisão sistemática da Cochrane, baseada na melhor evidência disponível, continua a apontar para efeitos nulos ou residuais do medicamento:

“Em adultos hospitalizados com COVID‐19, o remdesivir tem provavelmente pouco ou nenhum efeito nas mortes por qualquer causa até 28 dias após o tratamento em comparação com placebo ou com os cuidados habituais.” – Cochrane, Versão de 5 de agosto 2021 (recolhida a 6 de julho de 2022).

No entanto, continuam a existir dúvidas quer sobre a sua eficácia, como também sobre a sua segurança. Numa atualização recente, a OMS passou a dar recomendação condicional para a utilização de remdesivir em doentes com COVID-19 não grave com maior risco de internamento”.

Também existem, há bastante tempo, evidências de riscos significativos de reações adversas graves ao medicamento. Um conjunto variado de investigações parece confirmar essa realidade, nomeadamente a nível hepático e cardíaco. O próprio Infarmed incluiu, no relatório de junho-julho de 2021, a bradicardia sinusal como reação adversa (de frequência desconhecida).

Preço muito elevado

Outra questão que deve ser levada em conta na decisão de investimento num dado medicamento, nomeadamente em situações de dúvida quanto à sua eficácia/segurança ou perante um benefício potencial ligeiro, é o seu custo. 

O jornal  Le Monde noticiou que o custo do remdesivir, 356€/unidade, se justificava por ser vendido a um preço 420 vezes superior ao custo de produção.

Encomenda substancial

Apesar das dúvidas sobre os seus benefícios e da sua utilidade potencial ser limitada a certos pacientes e períodos, o estado português comprometeu-se, só para o ano de 2020, a pagar 19,5 milhões de euros na aquisição de perto de 57 mil doses.

Em maio de 2021, foi noticiada a doação de 5.500 frascos desses medicamentos à Índia, o que corresponde a quase dois milhões do investimento nacional no medicamento.

De recordar que a taxa de mortalidade Covid é significativamente inferior na Índia do que em Portugal.

 Fonte: Ourworldindata. Mortes Covid

É importante salientar que não existe qualquer evidência de tentativas de influência direta de Filipe Froes nesta política de aquisições. 

Relações económicas com a empresa fabricante- Gilead

Uma investigação levada a cabo pelo jornal Página Um concluiu que a Gilead, farmacêutica detentora da patente, patrocina várias ações em que Filipe Froes participa e em que o medicamento é promovido.

Entre essa ações constam, por exemplo, reuniões de Consultoria Remdesivir, webinares “Avanços no tratamento antiviral da COVID-19”, consultadoria “Remdesivir” e a participação em Conselhos Consultivos COVID-19 & Remdesivir.

De facto, podemos comprovar no site do Infarmed que declarou ter recebido mais de 11 mil euros desde 2020. 

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Novas drogas, novos conflitos de interesse

Agora que o interesse no remédio parece ter diminuído, Filipe Froes tem-se debruçado sobre outros medicamentos, entre eles o Paxlovid (nirmatrelvir, ritonavir). Também neste caso, a sua relação profissional e financeira com a farmacêutica (Pfizer) é substancial e existem ainda dúvidas sobre o benefício geral do medicamento.

Numa entrevista à Visão defendeu a entrada do medicamento no nosso país.

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A principal questão que se tem colocado prende-se com o facto de alguns doentes tratados com o antiviral da Pfizer voltarem a ter Covid-19 com sintomas graves.

Influência e atuação 

O médico Filipe Froes é, há muitos anos, consultor da DGS, fez parte do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos e é uma das principais referências para a comunicação social em assuntos relacionados com doenças do foro respiratório. Ao mesmo tempo, promove regularmente medicamentos junto do público, de outros médicos, da DGS e, possivelmente, do próprio governo

Muitos desses medicamentos têm reconhecidamente um perfil de segurança e de eficácia ainda incerto, mas Fiilipe Froes minimiza, em muitos casos, essas dúvidas, e recomenda-os com grande convicção. O facto de, simultaneamente, auferir avultadas contrapartidas financeiras para ações relacionadas com esses medicamentos por parte das próprias empresas que os comercializam, levanta justificadas dúvidas.

Ideias finais

Ao contrário de declarações proferidas sobre as vacinas mRNA, não se pode dizer que Filipe Froes tenha prestado declarações falsas sobre medicamentos. 

É perfeitamente legítimo que um médico, perante evidências contraditórias e dúvidas sobre o benefício global de um medicamento, dê a sua opinião sobre o mesmo.

O que se pode questionar é se essa opinião se deve traduzir em afirmações categóricas sobre o seu benefício, quando não existe evidência consistente que permita tirar essa conclusão e existem fortes conflitos de interesse da pessoa que as faz.

Apesar de os seus rendimentos estarem declarados nos site da transparência, a generalidade do público e provavelmente da comunidade médica, desconhece-os. Não deveriam ser revelados também perante as pessoas que o ouvem promover esses medicamentos “sem dúvidas” dos seus benefícios?

Não será legítimo questionar se um médico terá a liberdade necessária para considerar um medicamento ineficaz, inseguro ou demasiado caro, quando é fortemente apoiado pela empresa que o comercializa (e, muitas vezes, numa plataforma patrocinada pela mesma ?

Não deveria, por isso,  existir uma declaração de interesses quando se abordam este tipo de assuntos perante, por exemplo, milhões de telespectadores, que desconhecem essa relação?

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